Notícias
SEMINÁRIO
Debate sobre governança e políticas públicas encerra seminário de enfrentamento ao desastre no RS
Ronaldo Zülke, diretor da Secretaria da Reconstrução do Governo Federal, durante o seminário. Foto: Erickson Campos
“Governança e Políticas Públicas” foi o tema do painel que encerrou, nesta quarta-feira, 4, o seminário “A Ciência no Enfrentamento ao Desastre de 2024 no RS: da Emergência à Reconstrução”. Os participantes foram Markus Erwin Brose (Unisc), Sérgio Cardoso (CBH Gravataí), Jonas Calvi (Famurs), Silvia Capelli (MP-RS) e Ronaldo Zulke (SEARS/Governo Federal). O mediador foi o reitor da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS) Leonardo Alvim Beroldt da Silva.
A abertura do segundo dia de seminário foi realizada pela diretora de Articulação com a Comunidade Científica da Secretaria de Apoio à Reconstrução do Rio Grande do Sul (SEARS) e coordenadora do evento Fernanda Corezolla. Ela realizou uma síntese sobre as discussões realizadas nos três painéis do dia 3 de dezembro, que trataram da análise multidimensional, dos efeitos econômicos e de infraestrutura e dos impactos sociais do evento climático. Ela elencou as recomendações realizadas pelos pesquisadores que analisaram o fenômeno de diferentes perspectivas. As principais referem-se às necessidades de um sistema robusto de alertas hidrometeorológicos, obras estruturais como barragens e dragagem, e planejamento de uso do solo para evitar ocupação de áreas de risco. Também apontou-se como essencial promover o fortalecimento de instituições para fornecer dados de qualidade, regeneração de áreas de preservação ambiental, diversificação agrícola sustentável e integração de planos urbanos com estratégias de gestão de riscos. Outro enfoque deve ser a educação, a preparação da população, e o uso de tecnologia para comunicação e monitoramento.
A primeira apresentação do painel “Governança e Políticas Públicas” ficou por conta do diretor de Relações Econômicas da SEARS, Ronaldo Zulke, representando o secretário para Reconstrução do RS, Emanuel Hassen de Jesus. Ele descreveu a atuação do Governo Federal durante e após o desastre de maio de 2024. Destacou que as ações foram realizadas em três enfoques: emergência, restabelecimento e reconstrução, para restituir os direitos básicos aos cidadãos afetados pela catástrofe.
Conforme Zulke, as decisões podem ser classificadas em cinco frentes: medidas institucionais, cuidados com pessoas, apoio a empresas e produtores rurais, medidas para os municípios e medidas para o estado. Estas ações necessitaram do investimento de diferentes fontes de recursos, tais como novas receitas, antecipações, créditos subsidiados e prorrogação ou suspensão de pagamentos. No total, foram destinados ao Rio Grande do Sul pelo Governo Federal R$ 105,4 bilhões, através de recursos novos e antecipação de benefícios ou prorrogação de tributos.
Além de destinar verbas ao estado, o Governo Federal também realizou diversas medidas institucionais como a criação do Ministério da Reconstrução (atual SEARS), secretaria extraordinária para atuar in loco nas ações de reestruturação do Rio Grande do Sul. O estado também foi foco de reuniões interministeriais durante 60 dias em Brasília e recebeu a visita do Presidente da República Luís Inácio Lula da Silva, junto aos presidentes dos poderes legislativo e judiciário.
O Governo Federal atuou ainda no resgate de pessoas e animais, na coleta e transporte de doações, no desbloqueio de rodovias e na implementação da operação emergencial de aeroporto comercial na base aérea de Canoas. Ofertou também, auxílio para famílias e empreendedores afetados pelas enchentes e deslizamentos, através do auxílio reconstrução, do auxílio trabalhador e trabalhadora, do bolsa família, do saque calamidade do FGTS, adicional de seguro desemprego e suspensão dos pagamentos do Minha Casa, Minha Vida por seis meses. Também foi liberado aos moradores de áreas afetadas antecipação de restituição do imposto de renda, abono salarial, benefício de prestação continuada, benefícios previdenciários e pagamento de bolsas de pós-graduação.
No atendimento às vítimas do desastre, o Governo Federal criou 13 hospitais de campanha, destinou R$ 46 milhões de recursos em medicamentos e insumos hospitalares, doou 91 mil cestas básicas e forneceu R$ 58 milhões para reconstrução de escolas.
Para os empreendedores e agricultores, os benefícios foram a suspensão do pagamento de financiamentos por 12 meses, prorrogação de tributos federais por até três meses, até R$ 30 bilhões para linhas de crédito, desconto, equalização e prorrogação de dívidas para agricultores familiares, cooperativas e assentados, e linha de R$ 20 bilhões para financiamento de empresas de todos os portes.
A ação de apoio ao Governo do Estado do RS promoveu a liberação de R$ 30 bilhões em verbas através de diversas medidas, além de postergação da dívida e abatimento de juros. Os municípios gaúchos receberam R$ 8 bilhões, através de emendas parlamentares, ações da defesa civil e pagamento extra para o Fundo de Participação dos Municípios (FPM).
Conforme Zulke, “o aporte de recursos do Governo Federal para o estado, que totaliza mais de R$ 50 bilhões já recebidos e outros R$ 50 bilhões ainda por vir, representa um importante apoio para o enfrentamento ao desastre. Os economistas apontam a rápida recuperação da economia gaúcha e isso tem muito a ver com essa injeção potente de recursos que foram realizados pelo Governo Federal. Os auxílios emergenciais garantiram a retomada do PIB do Rio Grande do Sul após as enchentes”, celebrou.
O segundo painelista a falar na manhã da quarta-feira, 4, foi o professor do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional da Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC) Markus Brose. Ele abordou as diferentes estratégias utilizadas ao redor do mundo na recuperação e prevenção de novos desastres em cidades que foram abaladas por tragédias, como Fukushima, no Japão. Brose afirmou que o momento é de se pensar estratégias de longo prazo: “Desastres são espaços muito interessantes para estudos sobre tomadas de decisão relativas a planejamento de reconstrução. É comum, na área de estudos de desastres, que decisões tomadas no calor dos acontecimentos só se tornem visíveis após 10, 20, 30 anos, quando suas consequências começam a ser aparentes”, revelou. O pesquisador destacou como exemplo para projetar soluções no Rio Grande do Sul a reestruturação da cidade de Dayton, nos Estados Unidos, que foi arrasada por uma enchente em 1913. Ao longo de cinco anos a bacia hidrográfica do rio Great Miami (260 km) foi reconstruída para absorver água excessiva nas partes altas e liberar aos poucos para evitar inundações nas planícies baixas. Esse modelo foi eficaz para evitar que novas enchentes atingissem o município.
Sérgio Cardoso, presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Gravataí, destacou as ações promovidas por entidades não governamentais na prevenção e restauração de áreas afetadas por desastres. Ele informou que na constituição estadual do Rio Grande do Sul, promulgada em 1989, existe uma previsão de atuação de conselhos e comitês populares para auxiliar na tomada de decisões, mas que esta lei tem sido pouco utilizada. Segundo ele, organizações como o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Gravataí têm sido fundamentais para evitar que as consequências dos transtornos ambientais sejam ainda piores. “Temos um programa de revitalização de bacias, que está sendo desenvolvido no rio Gravataí e no Rio dos Sinos. Foi iniciativa da sociedade, não de governantes. Nós nos articulamos, nos mobilizamos e cobramos os governos locais”, destacou, lembrando a necessidade de articulação da sociedade junto aos poderes públicos.
O prefeito de Encantado e representante da Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs) Jonas Calvi relatou a experiência da cidade, que foi uma das mais atingidas pelas cheias de maio de 2024. Ele revelou que ainda hoje cerca de mil famílias do município seguem recebendo assistência, sendo que destas, 30 estão morando em módulos habitacionais e 54 ainda estão em abrigos. Encantado sofreu com impacto de 48,02% na arrecadação de ICMS, devido ao número de empresas atingidas. Como ações de reconstrução, Calvi falou sobre a implementação de muros de contenção em áreas de deslizamentos, o restabelecimento de pinguelas e reconstrução de pontes, a limpeza de arroios afetados e a realização de reformas em escolas e postos de saúde. A prefeitura também pretende implantar um dique no bairro de Porto XV, uma das áreas mais abaladas do município.
A atuação do Ministério Público do Rio Grande do Sul diante do desastre climático foi o foco da apresentação da procuradora de Justiça e coordenadora do Gabinete de Estudos Climáticos (GabClima) do MP-RS, Sílvia Cappelli. Ela detalhou a criação do grupo de trabalho dentro do Ministério Público, que ocorreu ainda em 2023, com a proposta de atuar de forma interdisciplinar, acompanhando os desastres através das diferentes áreas de atuação do Direito. Sílvia descreveu as ações promovidas pelo MP-RS durante as cheias de 2024. Dentre elas destacam-se, acompanhamento de abrigos; combate a fake news, pix falsos e desvios de doações; emissão de documentações; atendimento a denúncias de abusos; e combate a preços abusivos. No pós-enchente, o GabClima segue trabalhando, realizando acompanhamento das ações de reestruturação. Silvia destacou a importância da atuação conjunta entre governos, entidades e sociedade civil para efetivo sucesso nas políticas de reconstrução
Para finalizar a mesa, o reitor da UERGS Leonardo Alvim Beroldt da Silva pediu para que o Governo Federal não encerre ainda a Secretaria de Apoio à Reconstrução do Rio Grande do Sul (SEARS), pois o estado prossegue em meio a um processo de reconstrução, sendo necessária a existência de um órgão articulador entre ministérios, Governo do Estado e municípios. “Devemos pensar a atuação do Governo Federal no Rio Grande do Sul como um estudo de caso para a implementação de uma política de enfrentamento a eventos climáticos extremos”, propôs. Respondendo a esta solicitação, a diretora de Articulação com a Comunidade Científica da SEARS, Fernanda Corezolla, esclareceu que o fechamento da SEARS não encerra a atuação do Governo Federal nas ações de reconstrução do Rio Grande do Sul, pois as demandas passarão a ser conduzidas pela Secretaria de Articulação e Monitoramento da Casa Civil da Presidência da República (SAM). “Existe um conjunto de políticas públicas muito robusto que precisa ser colocado em marcha. Esse é um compromisso que a gente assume, independentemente da continuidade da Secretaria, de nós, política e institucionalmente, estarmos juntos com o Governo do Estado, o Ministério Público e todas as outras organizações nas atividades de reconstrução e prevenção de novos desastres. O Brasil dispõe de um arcabouço de políticas públicas que precisam ser reconhecidas”, encerrou.