Contrato de Afretamento por Tempo
1 - INTRODUÇÃO
A Lei nº 9.432, de 8 de janeiro de 1997, estabeleceu em nosso ordenamento jurídico a existência de três espécies de afretamento (gênero) para a regulação do transporte aquaviário no Brasil, e que são utilizados na contratação de embarcações brasileiras e estrangeiras pelas Empresas Brasileira de Navegação (EBN) para desempenharem as atividades de navegação de longo curso, cabotagem, apoio marítimo e apoio portuário no Brasil, e que são regulados pela Agência Nacional de Transporte Aquaviário – ANTAQ:
“Art. 1º Esta Lei se aplica:
I - aos armadores, às empresas de navegação e às embarcações brasileiras;
II - às embarcações estrangeiras afretadas por armadores brasileiros;
III - aos armadores, às empresas de navegação e às embarcações estrangeiras, quando amparados por acordos firmados pela União.
Art. 2º Para os efeitos desta Lei, são estabelecidas as seguintes definições:
I - afretamento a casco nu: contrato em virtude do qual o afretador tem a posse, o uso e o controle da embarcação, por tempo determinado, incluindo o direito de designar o comandante e a tripulação; (uso)
II - afretamento por tempo: contrato em virtude do qual o afretador recebe a embarcação armada e tripulada, ou parte dela, para operá-la por tempo determinado; (fruição)
III - afretamento por viagem: contrato em virtude do qual o fretador se obriga a colocar o todo ou parte de uma embarcação, com tripulação, à disposição do afretador para efetuar transporte em uma ou mais viagens;”(grifou-se)
Isso posto, verifica-se que o gênero afretamento se divide, em nossa legislação, em três espécies: afretamento a casco nu, afretamento por tempo e afretamento por viagem.
Porém, destas três espécies de contratos de afretamento (gênero), as duas espécies que normalmente são apresentadas para instrução do pedido de aplicação do REPETRO, e que constam expressamente da IN RFB nº 1.781, de 29 de dezembro de 2017, são o “afretamento a casco nu” e o “afretamento por tempo.
2 - NATUREZA JURÍDICA DO CONTRATO DE AFRETAMENTO POR TEMPO
O STJ decidiu no Recurso Especial 792.444/RJ (processo: 2005/0178205-4) que os contratos de afretamento a casco nu assemelham-se a uma locação, enquanto os contratos de afretamento por tempo são complexos e que, portanto, não podem ser desmembrados para efeitos fiscais:
STJ REsp 792.444/RJ.
“RECURSO ESPECIAL 2005/0178205-4. Relator(a) Ministra ELIANA CALMON (1114). Órgão Julgador: T2 - SEGUNDA TURMA. Data do Julgamento: 06/09/2007. Data da Publicação/Fonte: DJ 26/09/2007 p. 207.
Ementa
TRIBUTÁRIO – ISSQN – AGENCIAMENTO MARÍTIMO E AGENCIAMENTO, CORRETAGEM OU INTERMEDIAÇÃO NO AFRETAMENTO DE NAVIOS – ILEGALIDADE DA EXIGÊNCIA – ANÁLISE DE VIOLAÇÃO A DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS: DESCABIMENTO.
(...)
5. Nos termos do art. 2º da Lei 9.432/97, o contrato de afretamento de navios pode-se dar em três modalidades:
a) afretamento a casco nu: contrato em virtude do qual o afretador tem a posse, o uso e o controle da embarcação, por tempo determinado, incluindo o direito de designar o comandante e a tripulação;
b) afretamento por tempo: contrato em virtude do qual o afretador recebe a embarcação armada e tripulada, ou parte dela, para operá-la por tempo determinado;
c) afretamento por viagem: contrato em virtude do qual o fretador se obriga a colocar o todo ou parte de uma embarcação, com tripulação, à disposição do afretador para efetuar transporte em uma ou mais viagens.
6. Os contratos de afretamento a casco nu, por natureza, assemelham-se aos contratos de locação e os navios, por força do art. 82 do Código Civil/1916, são considerados bens móveis. Assim, aplicável em tese o item 79 da Lista de Serviços anexa ao Decreto-lei 406/68 (com a redação dada pela LC 56/87), que prevê a incidência de ISS sobre a locação de bens móveis.
(...)
8. Os contratos de afretamento por tempo ou por viagem são complexos, não podem ser desmembrados para efeitos fiscais (Precedentes desta Corte) e não são passíveis de tributação pelo ISS porquanto a específica atividade de afretamento não consta da lista anexa ao DL 406/68. Portanto, igualmente não tributável o agenciamento, a corretagem ou a intermediação no afretamento de navios.
(…) (grifou-se)
Dessarte, o contrato de afretamento a casco nu é um contrato de importação. Não existe nenhum serviço prestado neste tipo de contrato. Assim, esse contrato é semelhante a um contrato de locação ou arrendamento de um bem.
O contrato de afretamento por tempo, por outro lado, é um contrato complexo composto tanto de contrato de importação (locação) quanto de contrato de prestação de serviços (SCI Cosit nº 9, de 16 de outubro de 2023).
3 – SERVIÇOS INCLUÍDOS NO CONTRATO DE AFRETAMENTO POR TEMPO
Conforme visto acima, o STJ decidiu no Recurso Especial 792.444/RJ (processo: 2005/0178205-4) que os contratos de afretamento por tempo são complexos e que, portanto, não podem ser desmembrados para efeitos fiscais.
Por outro lado, a Lei nº 13.856, de 2017, desmembrou os contratos do setor de petróleo e gás em duas partes para efeitos fiscais: 1) o contrato de afretamento ou aluguel de embarcações marítimas; e 2) o contrato de prestação de serviços relacionados à exploração e produção de petróleo ou de gás natural:
“Art. 2º A Lei nº 9.481, de 13 de agosto de 1997, passa a vigorar com as seguintes alterações:
“Art. 1º ..................................................................
.......................................................................................
§ 2º Para fins de aplicação do disposto no inciso I do caput deste artigo, quando ocorrer execução simultânea de contrato de afretamento ou aluguel de embarcações marítimas e de contrato de prestação de serviço relacionados à exploração e produção de petróleo ou de gás natural, celebrados com pessoas jurídicas vinculadas entre si, a redução a 0% (zero por cento) da alíquota do imposto sobre a renda na fonte fica limitada à parcela relativa ao afretamento ou aluguel, calculada mediante a aplicação sobre o valor total dos contratos dos seguintes percentuais:
I - 85% (oitenta e cinco por cento), quanto às embarcações com sistemas flutuantes de produção ou armazenamento e descarga;
II - 80% (oitenta por cento), quanto às embarcações com sistema do tipo sonda para perfuração, completação e manutenção de poços; e
III - 65% (sessenta e cinco por cento), quanto aos demais tipos de embarcações.
Art. 4º O art. 77 da Lei nº 12.973, de 13 de maio de 2014 , passa a vigorar com as seguintes alterações:
“Art. 77. ...............................................................
(...)
§ 3º Até 31 de dezembro de 2019, a parcela do lucro auferido no exterior por controlada, direta ou indireta, ou coligada, correspondente às atividades de afretamento por tempo ou casco nu, arrendamento mercantil operacional, aluguel, empréstimo de bens ou prestação de serviços diretamente relacionados às fases de exploração e de produção de petróleo e de gás natural no território brasileiro não será computada na determinação do lucro real e na base de cálculo da CSLL da pessoa jurídica controladora domiciliada no País.” (grifou-se)
Por conseguinte, há um aparente conflito entre a jurisprudência do STJ (e que impede que os serviços relacionados ao afretamento por tempo sejam separados para efeitos fiscais) e a Lei nº 13.856, de 2017, que desmembra os contratos de afretamento / aluguel de embarcações marítimas e os contratos de prestação de serviços relacionados à exploração e produção de petróleo ou de gás natural.
No entanto, o referido conflito é apenas aparente, pois os serviços a que se refere a jurisprudência do STJ são apenas aqueles relacionados inerentemente ao afretamento por tempo. Enquanto os serviços a que se refere a lei são os serviços técnicos especializados, ou seja, os serviços diretamente relacionados às fases de exploração e de produção de petróleo e de gás natural no território brasileiro.
E quais seriam os serviços que são inerentes ao afretamento por tempo e que não podem ser desmembrados para efeitos fiscais? Esses serviços são a gestão náutica e a gestão comercial da embarcação (Resolução Antaq nº 1.811-ANTAQ, de 2010):
“Art. 2º Para os efeitos desta norma, consideram-se:
I – gestão náutica da embarcação: é o controle efetivo pela empresa brasileira de navegação sobre a administração dos fatos relativos ao aprovisionamento, equipagens, à navegação, estabilidade e manobra do navio, à segurança do pessoal e do material existente a bordo, à operação técnica em geral, ao cumprimento das normas nacionais e internacionais sobre segurança, prevenção da poluição do meio ambiente marinho e direito marítimo, e à manutenção apropriada da embarcação;
II – gestão comercial da embarcação: é o controle efetivo pela empresa brasileira de navegação sobre a negociação de contratos de transporte ou de operações de apoio marítimo e portuário, inclusive o adimplemento das obrigações comerciais assumidas nas esferas pública e privada;
(…)
VI – operação comercial de embarcação na navegação de longo curso: é o emprego de embarcação em decorrência de relação jurídica que vise o transporte de mercadorias, estabelecida diretamente entre a EBN e a pessoa jurídica contratante do transporte das mercadorias.
VII – operação comercial de embarcação na navegação de cabotagem: é o emprego de embarcação em decorrência de relação jurídica que vise o transporte de mercadorias, estabelecida diretamente entre a EBN, detentora da gestão náutica da embarcação, e a pessoa jurídica contratante do transporte das mercadorias.
VIII – operação comercial de embarcação na navegação de apoio marítimo: é o emprego de embarcação em decorrência de relação jurídica que vise a contratação de operações de apoio marítimo, estabelecida diretamente entre a EBN, detentora da gestão náutica da embarcação, e a pessoa jurídica que contrata a operação neste tipo de navegação.
IX – operação comercial de embarcação na navegação de apoio portuário: é o emprego de embarcação em decorrência de relação jurídica que vise a contratação de operações de apoio portuário, estabelecida diretamente entre a EBN, detentora da gestão náutica da embarcação, e a pessoa jurídica que contrata a operação neste tipo de navegação.
(...)
Art. 4º Para fins de atendimento à exigência regulatória de comprovação da operação comercial das embarcações, considera-se que:
I – o fretamento a casco nu de uma embarcação não comprova a sua operação comercial pelo fretador;
II – o fretamento por tempo de uma embarcação, conjugado com a sua gestão náutica, na navegação de Apoio Marítimo comprovará a sua operação comercial pelo fretador, quando este operar efetivamente a embarcação e a empresa afretadora for a beneficiária direta da operação de apoio contratada; (Redação dada pela Resolução nº 44, de 19.04.2021)
III – o fretamento por tempo de uma embarcação não comprovará a sua operação comercial pelo fretador, na navegação de longo curso, de cabotagem e de apoio portuário, salvo para o fim específico de transporte de petróleo, derivados, gás e biocombustíveis na cabotagem e no longo curso, desde que conjugado com a gestão náutica da embarcação pela EBN fretadora e que a EBN afretadora seja a beneficiária direta do transporte da carga.
II – o fretamento por tempo de uma embarcação, conjugado com a sua gestão náutica, na navegação de Apoio Marítimo comprovará a sua operação comercial pelo fretador, quando este operar efetivamente a embarcação e a empresa afretadora for a beneficiária direta da operação de apoio contratada; (Redação dada pela Resolução nº 44, de 19.04.2021)
III – o fretamento por tempo de uma embarcação não comprovará a sua operação comercial pelo fretador, na navegação de longo curso, de cabotagem e de apoio portuário, salvo para o fim específico de transporte de petróleo, derivados, gás e biocombustíveis na cabotagem e no longo curso, desde que conjugado com a gestão náutica da embarcação pela EBN fretadora e que a EBN afretadora seja a beneficiária direta do transporte da carga.
IV – na navegação de longo curso a operação comercial será comprovada pela apresentação do conhecimento de embarque emitido pela EBN.
V – na navegação de cabotagem a operação comercial será comprovada pela apresentação do Conhecimento de Transporte Aquaviário de Carga (CTAC) referente à carga transportada em embarcação de bandeira brasileira de propriedade ou afretada a casco nu pela EBN que deseja comprovar a operação comercial.
VI – na navegação de apoio marítimo e de apoio portuário, poderá ser comprovada a operação comercial mediante a apresentação de documentação fiscal que comprove a vigência ou a conclusão de uma operação por embarcação própria ou afretada a casco nu pela EBN que deseja comprovar a operação comercial.
VII – o transporte de carga própria para o fim específico de transporte de petróleo, derivados, gás e biocombustíveis nas navegações de longo curso e cabotagem bem como as operações em benefício próprio nas navegações de apoio marítimo e portuário comprovarão a operação comercial da embarcação.”
Portanto, não há nenhum conflito entre a jurisprudência do STJ (que impede o desmembramento da locação e dos serviços inerentes ao afretamento do contrato de afretamento por tempo) e a lei que desmembra o contrato de afretamento por tempo dos serviços técnicos especializados.
Isso posto, conclui-se:
a) que o contrato de afretamento é um contrato complexo, que contempla tanto o contrato de importação (locação, cessão ou disponibilização) quanto os serviços de gestão náutica e gestão comercial da embarcação; e
b) que os serviços técnicos especializados são aqueles diretamente relacionados às fases de exploração e de produção de petróleo e de gás natural no território brasileiro.
Portanto, os serviços técnicos especializados (relacionados às fases de exploração e de produção de petróleo e de gás natural) não estão contidos em um contrato de afretamento por tempo. Assim, deverão fazer parte de um outro contrato.
4 - CONTRATO DE AFRETAMENTO POR TEMPO E FATURA PRO FORMA
A IN RFB nº 1.781, de 2017, no § 5º do art. 14, definiu que o contrato de importação poderá ser substituído por fatura pro forma, desde que se trate de operação realizada entre empresa controladora e controlada, ou com subsidiária:
“Art. 14 (…)
§ 5º No caso de contrato de importação na modalidade de comodato, o documento a que se refere o inciso V do § 1º poderá ser substituído por fatura pro forma, desde que se trate de operação realizada entre empresa controladora e controlada, ou com subsidiária.
Porém, o Regulamento Aduaneiro, no § 2º do art. 461-A, somente permite a importação de embarcações ou plataformas mediante contrato de afretamento e não mediante fatura pro forma:
“Art. 461-A (…)
(…)
§ 2o A pessoa jurídica contratada de que trata o inciso II do § 1o, ou sua subcontratada, também poderá ser habilitada ao REPETRO para promover a importação de bens objeto de contrato de afretamento, em que seja parte ou não, firmado entre pessoa jurídica sediada no exterior e a detentora de concessão ou autorização, desde que a importação dos bens esteja prevista no contrato de prestação de serviço ou de afretamento por tempo.” (grifou-se)
Além disso, o contrato de afretamento por tempo é um contrato complexo que contempla não apenas o contrato de importação, mas também o contrato de prestação de serviços, logo, uma fatura pro forma não seria instrumento apto para se estabelecer as condições relativas à prestação de serviços inerentes ao referido afretamento (gestão náutica e gestão comercial).
Portanto, não é permitida a utilização de fatura pro forma em substituição ao contrato de afretamento por tempo.
LEGISLAÇÃO