1922: Instituição do imposto de renda no Brasil
A primeira sinalização no Brasil sobre o imposto de renda, não com este nome, surgiu no início do segundo reinado com a Lei nº 317 de 21 de outubro de 1843, que fixou a despesa e orçou a receita para os exercícios de 1843/1844 e 1844/1845. O artigo 23 estabeleceu um imposto progressivo sobre os vencimentos percebidos pelos cofres públicos e vigorou por dois anos. Assemelhava-se a uma tributação exclusiva na fonte.
"Art. 23: Fica creada a seguinte contribuição extraordinária durante o anno desta lei.
§ 1º. Todas as pessoas que receberem vencimentos dos Cofres Públicos Geraes, por qualquer título que seja, ficão sujeitas a uma imposição, que será regulamentada pela maneira seguinte :
De 500$000 a 1:000$000 2 por cento
De 1:000$000 a 2:000$000 3 por cento
De 2:000$000 a 3:000$000 4 por cento
De 3:000$000 a 4:000$000 5 por cento
De 4:000$000 a 5:000$000 6 por cento
De 5:000$000 a 6:000$000 7 por cento
De 6:000$000 a 7:000$000 8 por cento
De 7:000$000 a 8:000$000 9 por cento
De 8:000$000 para cima 10 por cento.
$ 2º. Ficão exceptuados da regra estabelecida no paragrapho antecedente os vencimentos das praças de pret de terra e mar, e os vencimentos dos militares em campanha.
$ 3º. Na palavra vencimentos se comprehendem quaesquer emolumentos que se perceberem nas Secretarias, ou Estações Publicas.
$ 4º. O Governo estabelecerá o modo de arrecadar-se esta nova imposição."
A cobrança da contribuição extraordinária sobre os vencimentos foi regulamentada pelo Decreto nº 349 de 20 de abril de 1844.
Um efetivo e definitivo imposto sobre a renda foi defendido em 1867 pelo Visconde de Jequitinhonha que expôs e advogou sua implementação, sem, no entanto, lograr êxito: "A arrecadação deste imposto oferece algumas dificuldades, mormente a princípio; mas, em algumas nações a boa-fé dos contribuintes diminui, em grande parte, esse inconveniente".
Afonso Celso, o Visconde de Ouro Preto, quando Ministro da Fazenda, consultou, em 1879, os maiores financistas da época sobre a conveniência de instituir o imposto sobre a renda. As opiniões ficaram divididas.
Os que eram contra argumentavam:
"Receio os abusos do arbítrio na execução e duvido das vantagens práticas das medidas" (José Júlio Dreys);
"É um imposto difícil de estabelecer com alguma igualdade, menos produtivo do que se acredita e vexatório a uma população não habituada às contribuições diretas" (Belisário);
"Mui difícil na execução" (José Fernandes Moreira).
A maioria consultada, no entanto, se manifestou favoravelmente:
"Considero proveitosa e acertada uma contribuição sobre a renda" (Raphael Arcanjo Galvão);
"Uma imposição sobre a renda seria, não só proveitosa, mas ainda muito conveniente" (João Cardoso de Menezes e Souza);
"Uma taxa sobre a renda seria proveitosa e acertada" (Leopoldino Joaquim de Freitas);
"O imposto sobre a renda é, em minha opinião, o que menos objeções pode encontrar, e o que necessariamente terá de produzir mais avantajado resultado" (João Afonso de Carvalho);
"Não há motivos para que este imposto não seja adotado por todos os países, em que exista o nobre desejo de possuir-se um bom sistema tributário. Tenho firme crença de que, reconhecidas as suas vantagens, se fará ele aceito no Brasil, como já o é em muitas nações antigas e experimentadas". (João José do Rosário).
A posição de conceituados financistas chamou a atenção dos parlamentares. Ainda em 1879, uma comissão presidida pelo Visconde de Ouro Preto apresentou à Câmara de Deputados proposta de instituição do imposto sobre a renda. O projeto visava cobrar 5% sobre a renda dos contribuintes que não pagassem outros impostos, como sobre vencimentos, subsídios, profissões ou indústria. Incidia sobre renda superior a 400$000. A arrecadação teria por base a declaração de renda feita pelo próprio contribuinte.
A maioria rejeitou a idéia e o projeto não se converteu em lei.
Em 1883, o Conselheiro Lafayete, Ministro da Fazenda, nomeou uma comissão para rever as rendas gerais, provinciais e municipais. Essa comissão elaborou um projeto sugerindo a criação do imposto sobre a renda. Classificava os rendimentos em cinco cédulas, de acordo com sua origem.
Mais uma vez venceu o temor de que o país não estava preparado para um imposto complexo e de larga repercussão.
O imposto sobre a renda teve em Rui Barbosa, primeiro Ministro da Fazenda do período republicano, um ardente defensor. Seu relatório de janeiro de 1891 dedica, com erudição e brilhantismo, 38 páginas ao tema. Mostra a história, as formas de aplicação do imposto e as propostas de adoção.
No relatório, Rui Barbosa lembrava as qualidades de um imposto justo, indispensável e necessário: "No Brasil, porém, até hoje, a atenção dos governos se tem concentrado quase só na aplicação do imposto indireto, sob sua manifestação mais trivial, mais fácil e de resultados mais imediatos: os direitos de alfândega. E do imposto sobre a renda, por mais que se tenha falado, por mais que se lhe haja proclamado a conveniência e a moralidade, ainda não se curou em tentar a adaptação, que as nossas circunstâncias permitem, e as nossas necessidades reclamam".
Como ponto de partida do lançamento, Rui Barbosa defendia a declaração do contribuinte, seguindo-se a ela a verificação fiscal. Suas sugestões, no entanto, não encontraram respaldo para serem postas em prática.
Na Assembléia Constituinte de 1890/1891 foi discutida a emenda do senador Muniz Freire que incluía os impostos de indústrias e profissões e sobre a renda do capital e sobre outras rendas pessoais ou industriais. A Assembléia rejeitou a emenda.
Os defensores do imposto sobre a renda não se davam por vencidos. Em 1896, membros da comissão de orçamento propuseram, sem sucesso, a instituição do imposto sobre a renda como um corretivo para compensar as desigualdades das taxas indiretas e um meio de atenuar a crise econômica e financeira.
Um ano após, a luta é mais forte. O Deputado Felisbelo Freire tentou adotar o polêmico imposto. O projeto passou numa votação, mas foi derrotado na última. As alegações eram as mesmas: O Brasil não está preparado para instituir imposto tão complexo e o governo gastaria na máquina administrativa mais do que arrecadaria. Felisbelo Freire criticou o predomínio dos capitalistas nos corpos deliberantes, pois a carga tributária continuava a apoiar-se no povo ou nas classes humildes.
Antônio Carlos, ex-Ministro da Fazenda e presidente da Comissão de Finanças da Câmara dos Deputados, impressionado com a defesa do senador Leopoldo de Bulhões, para a implantação do imposto de renda, convidou-o a comparecer à Comissão, para combater os argumentos com que esse imposto era atacado. Bulhões não chegou a apresentar o projeto de lei que defendia, uma vez que logo depois abandonou a política.
Mais tarde, Antônio Carlos seria Presidente de Minas Gerais e daria nome à avenida onde se localiza o edifício-sede do Ministério da Fazenda no Rio de Janeiro.
O imposto sobre a renda participava cada vez mais da receita tributária dos países em que foi instituído. O Brasil conscientizou-se de que seria um importante meio de angariar recursos e de possuir um sistema tributário mais justo. Pouco a pouco, a resistência no congresso era quebrada. A adoção no Brasil era questão de tempo.
Após 55 anos de luta, o imposto de renda foi finalmente instituído no Brasil ex vi do artigo 31 da Lei nº 4.625 de 31de dezembro de 1922, que orçou a Receita Geral da República dos Estados Unidos do Brasil para o exercício de 1923:
"Art.31. Fica instituído o imposto geral sobre a renda, que será devido, annualmente, por toda a pessoa physica ou juridica, residente no territorio do paiz, e incidirá, em cada caso, sobre o conjunto liquido dos rendimentos de qualquer origem.
V- O imposto será arrecadado por lançamento, servindo de base a declaração do contribuinte, revista pelo agente do fisco e com recurso para autoridade administrativa superior ou para arbitramento. Na falta de declaração o lançamento se fará ex-officio. A impugnação por parte do agente do fisco ou o lançamento ex-officio terão de apoiar-se em elementos comprobatorios do montante de renda e da taxa devida.
VI- A cobrança do imposto será feita cada anno sobre a base do lançamento realizado no anno immediatamente anterior.
VII- O Poder Executivo providenciará expedindo os precisos regulamentos e instrucções, e executando as medidas necessarias, ao lançamento, por forma que a arrecadação do imposto se torne effectiva em 1924."