Primórdios do Imposto de Renda no Mundo
O surgimento do imposto de renda ocorreu relativamente tarde no desenvolvimento dos povos. A instituição de um real imposto sobre a renda exige um modelo econômico que possa ser avaliado e monitorado, para possibilitar o controle, a fiscalização e a cobrança do tributo. O sistema econômico de trocas de produtos ou serviços por outros produtos ou serviços dificultava a medição da renda. Com a criação da moeda, houve uma unidade para determinar o acréscimo do patrimônio das pessoas, possibilitando determinar a renda e tributá-la. Em vez de a riqueza ser avaliada apenas pelos bens que o indivíduo possuía, pôde ser medida pelo produto desses bens, isto é, pela renda.
Segundo o professor da Universidade de Colúmbia, Edwin Seligman, no livro “The income tax: a study of the history, theory and practice of income taxation at home and abroad”, o imposto de renda teve papel insignificante na Idade Média. Ele considerava que os impostos desse período tinham como fato gerador a produção e não a renda.
No século XV, surgiram, em Florença, os primeiros movimentos para uma efetiva tributação sobre a renda. A riqueza não decorria só da terra, mas também do comércio e da indústria. Foi criado o tributo conhecido como catasto, que transferiu a tributação direta da propriedade para a renda. Os autores divergem quanto à data de criação. Inicialmente não tinha caráter de progressividade, pois havia apenas uma alíquota. Não demorou muito para que o catasto se tornasse progressivo e se denominasse scala. Instituía-se o que ficou conhecido como Decima Scalata, decima um nome genérico que se dava aos impostos e scalata, gradual, progressivo. A Decima Scalata não teve longa duração, porque atingia os mais abastados, que não aceitavam arcar com maior carga tributária. Com a reintrodução do regime aristocrático, não só a Decima Scalata mas também outros tributos diretos sobre a riqueza desapareceram. A Decima Scalata foi um marco na história mundial do imposto de renda e, segundo alguns estudiosos, a primeira demonstração de uma tributação sobre a renda.
O surgimento do imposto de renda
No século XV, na Inglaterra, houve algumas tentativas infrutíferas de instituir um imposto sobre a renda. Alguns pesquisadores chegam a considerar que em 1404 foi criada uma tributação sobre a renda. No entanto, os documentos que tratavam da cobrança foram incinerados, pouco se sabe sobre o tributo e não há registros e provas confiáveis sobre a sistematização do imposto. A maioria dos historiadores, pesquisadores e estudiosos considera o marco zero do imposto de renda na mesma Inglaterra, mas em 1799. Outros consideram que o pioneirismo coube a Florença no século XV. Registra-se que a documentação existente da experiência inglesa é mais farta, rica e confiável que a de Florença, inclusive com acesso a jornais da época. Há também quem aponte que o início do imposto de renda ocorreu, em 1710, na França.
No final do século XVIII, a Inglaterra estava ameaçada por Napoleão Bonaparte e necessitava angariar recursos para o financiamento da guerra. Em 30 de novembro de 1796, o primeiro-ministro britânico William Pitt apresentou aos diretores do Banco da Inglaterra o seu plano para um chamado “empréstimo de lealdade”. Cogitava-se propor ao Parlamento que todos os detentores de uma certa renda fossem obrigados a emprestar uma parte dela. A ideia não foi adiante.
O quadro tributário da época não exigia dos mais abastados contribuição proporcionalmente maior, quando, em 1797, William Pitt, solicitou alteração e aumento do “assessed taxes”, uma forma rudimentar de taxação baseada nos gastos como indícios de riqueza.
Os contribuintes foram divididos em três classes:
- Na primeira, estavam os que possuíam criadagem, carros e cavalos, ou seja, os supostamente mais ricos.
- Na segunda, a base de cálculo era medida em relógios, cães e janelas. Eram os contribuintes com razoável patrimônio.
- A terceira se baseava na habitação. Atingia os contribuintes provavelmente mais pobres que os das duas classes anteriores.
Estavam isentas as rendas anuais inferiores a 60 libras anuais. As alíquotas variavam de 1/120 (renda anual de sessenta a sessenta e cinco libras) a 1/10 (renda anual superior a duzentas libras). Os contribuintes com renda anual superior a duzentas libras eram convidados a fazer contribuições voluntárias, sem prejuízo ao valor do imposto devido.
Os contribuintes reclamaram de que havia sido criado um imposto sobre a renda e o capital, mas Pitt discordou, afirmando que o imposto era sobre a despesa. A receita desse tributo era diminuta e poucas as expectativas de aumento. Entretanto foi um importante passo para a criação de um real imposto sobre a renda.
Preparavam-se novas alianças entre a Grã-Bretanha, a Áustria, a Rússia e a Turquia. A Inglaterra conseguia sucesso diplomático, mas necessitava de recursos financeiros para subsidiar o ataque contra a França. Em 1798, William Pitt solicitou ao parlamento modificação no “assessed taxes”, transformando o imposto sobre despesas numa tributação sobre a renda, em suma, um imposto geral provisório sobre todas as fontes de renda mais importantes. Vem daí o nome “income tax”. Em 3 de dezembro de 1798, na Câmara dos Comuns, Pitt foi defender a instituição do imposto de renda:
“Na última sessão, aqueles que reconheceram quanto é importante levantar uma considerável parte das contribuições no decorrer do ano, limitaram a criticar os impostos já fixados, taxando-os de injustos e facilmente fraudáveis. Na realidade, parece que os resultados da arrecadação não corresponderam à expectativa, mas isso se deve não a um erro de cálculo dos nossos recursos nem a um exagero na avaliação da nossa riqueza, mas ao fato de se ter tornado muito fácil alterar a lei e por se ter procurado tornar a arrecadação a menos opressiva possível.
Não obstante, os resultados obtidos satisfizeram plenamente à nossa expectativa no tocante aos benefícios decorrentes da medida e animam-nos a permanecer nos mesmos princípios. Deveríamos tomar por norma, antes de tudo, procurar, por meio de uma aplicação justa e rigorosa da lei, levantar a quota de um décimo que os impostos se propõem obter. Para isso, proponho que se ponha de lado uma crítica baseada exclusivamente nos impostos já em vigor e que se imponha um imposto geral sobre todas as fontes de rendas mais importantes.”
A tenacidade e a dedicação de Pitt, aliadas ao iminente perigo da guerra, possibilitaram a transformação do projeto em lei, no final do ano de 1798. O imposto sobre a renda passou a ser cobrado em 1799, apesar da crença reinante de que era contrário aos hábitos e costumes do país. Gerou descontentamentos e impopularidade a Pitt. Nascia um imposto que considerava a renda como a própria matéria tributável.
O jornal londrino “The Times” digitalizou suas edições, desde a primeira de 1785. Lendo os jornais de 1798 e 1799, pode-se observar o esforço e a luta de Pitt, para derrubar as barreiras e as resistências na instituição do imposto de renda. As edições de dezembro de 1798 dedicaram, quase que diariamente, matérias sobre o imposto de renda. A lei que instituiu o imposto data de 9 de janeiro de 1799. O livro “1001 dias que abalaram o mundo” de Michael Wood e Peter Furtado, Editora Sextante, aponta os 1001 dias mais importantes na história da humanidade. Entre eles, o dia 9 de janeiro de 1799, dia da edição da lei que institui o Imposto de Renda na Inglaterra.
A taxa era de 10% para renda total no ano acima de 60 libras. O imposto podia ser pago em até seis quotas. A instituição de um imposto sobre a renda gerou controvérsias. Charles Fox declarou na Câmara dos Comuns: “Quais serão as consequências desta lei? Os seus únicos resultados serão o imediato aniquilamento de nosso comércio, a destruição de nossas fortunas e provavelmente de nossa liberdade pessoal”. Na mesma Câmara dos Comuns, Sir John Sinclair opunha-se ao novo tributo: “Se nos impuserem esse imposto, será lícito que algum dia nos livremos dele? Enquanto durar a guerra, isso não será possível. Se na paz esse acréscimo às rendas públicas for julgado indispensável? Agora, o ministro Pitt, usando de grande moderação, pede apenas um décimo de nossas rendas, mas o que impedirá de, no futuro, exigir um quinto ou mesmo um terço? Faz-se mister ainda observar que essa lei será pretexto para uma infinidade de exigências altamente vexatórias.” A reação foi veemente e, em alguns casos, agressiva. Alguns temiam que, terminada a guerra, o imposto continuasse a ser cobrado. Havia os que acreditavam que, com o tempo e a necessidade de mais recursos, a base de cálculo fosse aumentada. Outros achavam que interferiria na vida particular do contribuinte.
Os primeiros resultados da arrecadação não corresponderam à expectativa. Alcançaram, mesmo assim, mais do que o dobro do “assessed taxes”. Em 1802, o imposto sobre a renda foi suprimido, não por causa da demissão de Pitt, que ocorrera pouco antes, mas como consequência da paz transitória entre Inglaterra e França. Um ano após, as hostilidades recomeçaram. Novamente, o imposto sobre a renda foi lembrado como fonte de recursos. Addington, que sucedera a Pitt, restabeleceu o imposto em 1803, com uma série de aperfeiçoamentos:
- rendimentos classificados e tributados por categoria, de acordo com sua origem. Essa classificação por categoria (cédula) vigorou no Brasil até o exercício de 1989;
- implantação da cobrança na fonte;
- isenção para pequenos rendimentos;
- dedução para encargos de família.
As alterações tributárias afetaram positivamente a arrecadação. Quando Pitt retornou ao governo, em 1804, manteve o sistema de Addington. Em junho de 1815, Napoleão Bonaparte foi derrotado em Waterloo, Bélgica. Terminava a guerra. Apesar do bom resultado, o imposto sobre a renda havia sido instituído como forma de angariar receita para financiar a guerra. Não havia clima político para mantê-lo e foi novamente suprimido em 1816. O governo inglês foi obrigado a buscar outras fontes de renda. Napoleão não foi batido por Wellington. Venceu-o o imposto de renda imaginado por Pitt.
ARRECADAÇÃO DO IMPOSTO DE RENDA NA INGLATERRA, DE 1798 A 1815
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Fontes: Report of the Commissioners of the Inland Revenue, 1870, vol. II, Appendix, p. 184 e The income tax: a study of the history, theory and practice of income taxation at home and abroad, de Edwin Seligman, p. 115.
A Inglaterra passou por um período de crises e déficits orçamentários. Em 1842, Robert Peel, que chefiava o governo nos primeiros anos da era vitoriana, restabeleceu o imposto sobre a renda, apesar de, em outras épocas, ter sido feroz crítico e adversário intransigente desse tributo. Foi aumentado o limite de isenção e a tributação recaiu para renda anual superior a 150 libras. O Parlamento inglês concordou com o retorno do imposto, acreditando que seria suprimido, quando o caixa do tesouro permitisse. Há registro de discursos de políticos e ministros que se comprometiam a extinguir o imposto, quando fosse possível. Em 1852, o imposto foi suspenso. Retornou no ano seguinte e devia ser extinto em sete anos. Não o foi. Mais uma vez um conflito internacional motivou a cobrança do imposto de renda e o aumento das alíquotas. Dessa vez, foi a Guerra da Crimeia.
Instituído como um simples imposto de guerra e para cobrir dificuldades financeiras, o imposto de renda passou a ser permanente e se transformou na principal fonte de recursos em muitos países.
A instituição do imposto na Itália
Em 1864, o Parlamento introduziu no sistema tributário da Itália um imposto sobre os proventos do comércio, indústria e profissões sob a denominação de “imposta sui redditi della richezza mobile”. Englobava num só imposto as rendas mobiliárias de toda e qualquer natureza. Sofreu alterações em 1877 e, desde então é cobrado. Mesmo na avaliação de pessoas ligadas ao governo, o imposto de renda italiano foi exagerado e pesado e levou alguns contribuintes a buscar alternativas para não pagar ou pagar menos imposto, apesar da obrigação de a fonte pagadora reter o imposto dos empregados.
A instituição do imposto na França
Embora a instituição do imposto de renda no sistema tributário francês só tenha sido efetivada na década de 1910, havia tradição na cobrança de tributos diretos.
No final do século XVII e início do XVIII, a França criou um tributo cobrado em função da classe social. Foi logo extinto. Em 1710, Luís XIV instituiu o dixième, que incidia sobre os rendimentos das pessoas físicas com uma alíquota de 10%. Mais tarde, em 1749, o dixième tranformou-se no vingtième e a alíquota foi reduzida para 5%. A concessão de diversas isenções e a falta de uma administração adequada descaracterizaram a proposta inicial. Consoante o professor Seligman, da Universidade de Colúmbia, o dixième e o vingtième foram meras sombras de um Imposto de Renda. Em 1789, com a Revolução Francesa, o sistema tributário francês sofreu profunda transformação.
As tentativas de implementação do imposto sobre a renda na França se arrastaram pela segunda metade do século XIX e início de século XX. Em 1871, após a crise decorrente da guerra contra a Prússia, a França implantava um imposto sobre a renda dos valores mobiliários. Sua implantação foi facilitada porque a Assembleia Nacional, composta por maioria de deputados de origem rural, queria transferir a tributação da terra para valores mobiliários.
Nos últimos vinte anos do século XIX, foram vários projetos para implementar o imposto de renda na França, a maior parte inspirada na bem sucedida experiência inglesa.
Em 1907, Caillaux, que anos após, como ministro, teria papel fundamental na instituição do imposto, defendia a necessidade e a justiça de tributar a fortuna, por meio de impostos diretos, em vez de esmagar a pobreza com tributos indiretos. Em 1909, depois de passar dois anos no Parlamento, o projeto Caillaux teve aprovação da Câmara. Restava ter aprovação também do Senado, onde permaneceu até 1914, quando finalmente foi convertido em lei.
A eclosão da Primeira Guerra Mundial em 1914 retardou a primeira aplicação do imposto para 1916. O projeto acabava com o sistema indiciário e estabelecia a apresentação de declaração. Combinava um imposto cedular, dividido em oito cédulas, conforme a origem dos rendimentos, com um imposto complementar progressivo. Esse sistema serviria, menos de uma década após, de inspiração ao modelo de imposto de renda de pessoa física adotado no Brasil.
A instituição do imposto na Alemanha
Datam do início do século XIX as primeiras recomendações de cobrança do imposto de renda na Alemanha, notadamente fruto de monografias de financistas e trabalhos acadêmicos. O sucesso do “income tax” inglês motivou mais ainda a adoção do imposto.
Em 1891, foi introduzida a cobrança de um imposto pessoal que abrangia as rendas profissionais, mobiliárias, imobiliárias e provenientes de exercício de profissões liberais. As alíquotas ensejavam progressividade e oscilavam de 0,6% para rendas até 1.050 marcos a 4% para rendas superiores a 200.000 marcos. A declaração de rendimentos, que servia de base para apurar o imposto, foi muito criticada por descer a minúcias e conter muitos questionamentos.
O sistema alemão obteve consideráveis receitas e levou vários estados a adotá-lo. Até 1920 o imposto de renda alemão era administrado pelos Estados.
Após a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), o caixa do tesouro alemão encontrava-se em sérias dificuldades. Em março de 1920, o imposto de renda sobre as pessoas físicas e outros impostos diretos foram atribuídos ao governo central, que ficava com 1/3 da receita e transferia 2/3 para os Estados e comunas.
A instituição do imposto nos Estados Unidos
Em meados do século XIX, alguns estados do sul instituíram imposto sobre salários, vencimentos, honorários e os do norte sobre capital e propriedade. Com a guerra de Secessão (1861-1865), os estados do sul aumentaram a base tributária, mas sem atingir toda espécie de renda. Não alcançou grandes arrecadações, com exceção do Estado de Virginia. Com arrecadação aquém do previsto e desejado, os americanos entenderam que o imposto não se prestava a ser cobrado pelos governos estaduais e sim pelo governo federal.
Instituiu-se em 1861 um imposto federal sobre as rendas pessoais, que começou a ser cobrado um ano após. Inicialmente era uma taxa fixa de 3%, com isenção até 800 dólares anuais. No ano seguinte, foram incluídas alíquotas progressivas: 3% para renda entre 600 e 10.000 dólares e 5% para renda superior a 10.000 dólares. No último ano da guerra de Secessão, a tabela progressiva havia sido alterada: 5% para renda entre 600 e 5.000 dólares e 10% para rendas maiores que 5.000 dólares.
Durante a guerra civil, o imposto foi aceito, sem grandes resistências. Cessada a hostilidade, passou a sofrer críticas, algumas de ordem constitucional. A cobrança do imposto ficou insustentável e foi suprimido em 1872. Embora de curta duração, o imposto demonstrou resultados consideráveis, principalmente nos anos de guerra, quando as críticas eram menores.
Em 1894, os agricultores reclamavam da alta contribuição tributária ao passo que os industriais, capitalistas e comerciantes eram tratados favoravelmente. Nesse ano, foi aprovado um projeto de restabelecimento do imposto de renda, gravando para as rendas pessoais que fossem superiores a 4.000 dólares uma alíquota fixa de 2%.
Os contribuintes recorreram aos tribunais sob a alegação de que a Constituição americana previa limitações à tributação direta . A questão foi parar na Corte Suprema que declarou o imposto inconstitucional por considerá-lo tributo direto.
Premido pela necessidade de recursos, o governo de William Taft iniciou, em 1909, a discussão de uma reforma constitucional, que permitisse a definitiva instituição do imposto sobre a renda, única maneira de implantá-lo no país, de forma a evitar discussões doutrinárias que levavam a decisão para a Corte Suprema. Finalmente, em 1913, foi aprovada a Emenda Constitucional nº 16: "O Congresso terá o poder para impor e arrecadar impostos sobre as rendas, seja qual for a proveniência destas, sem distribuí-los entre os diversos Estados ou levar em conta qualquer recenseamento ou enumeração". Estava instituído o imposto de renda nos Estados Unidos.