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Entrevista
Brasil unido no combate ao trabalho infantil
O secretário Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, do MMFDH, Maurício Cunha - Foto: Agência Brasil
O último dia 12 marcou o Dia Nacional e Internacional de Combate ao Trabalho Infantil. Com o lançamento de uma campanha nas redes sociais, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH) se uniu à mobilização. O objetivo é sensibilizar a sociedade para o problema, além de estimular o registro de denúncias por meio do Disque 100.
Alvo de campanhas e ações do Governo Federal, o trabalho infantil tem diminuído no país. Em 2016, havia 2,1 milhões de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos nessa situação. Em 2019, esse número caiu para 1,8 milhão. Os dados são do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE).
No Brasil, é considerado trabalho infantil: atividades econômicas e de sobrevivência, remuneradas ou não, praticadas por crianças ou adolescentes com menos de 16 anos, com exceção da condição de aprendiz, a partir dos 14 anos.
Também como parte da campanha do dia 12 de junho, o MMFDH lançou uma cartilha para incentivar e valorizar a atuação do trabalho de aprendiz para jovens de 14 a 24 anos, já que essa modalidade também faz parte da proteção contra o trabalho infantil.
O secretário Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, do MMFDH, Maurício Cunha, comentou sobre a atuação do Governo Brasileiro para combater o trabalho infantil e conscientizar a sociedade sobre os males que ele representa para a infância e a juventude.
A data lembrada no último dia 12 é mundial para colocar luz sobre esse tema tão sensível. Como trabalho infantil é tratado no Brasil? O que caracteriza a situação de trabalho infantil no país?
O Brasil é signatário das grandes convenções, dos acordos internacionais da Organização das Nações Unidas (ONU) e da convenção da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que disciplinam essa matéria. O trabalho infantil no nosso país é proibido para pessoas com menos de 16 anos, a não ser a partir dos 14 anos na condição de aprendiz. Ou seja, de 14 a 16 anos é possível, na condição de aprendiz, e acima dos 16 anos. Mesmo entre 16 e 18 anos, existem algumas restrições para o trabalho do adolescente. Ele não pode trabalhar em condição insalubre, trabalho noturno, perigoso. Tudo isso vem atender a Doutrina da Proteção Integral que está na nossa Constituição, no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), como forma de proteção da infância. O Brasil tem uma das melhores legislações do mundo no que diz respeito à proteção contra a exploração do trabalho infantil.
Segundo o IBGE, 1,8 milhão de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos estavam em situação de trabalho infantil em 2019. Qual o perfil dessas crianças e adolescentes?
Mais ou menos 65% deles são meninos negros que trabalham em diversos ambientes. Quando a gente vai pensar no trabalho doméstico, que é diferente dos afazeres domésticos, o trabalho doméstico é você trabalhar fora da sua família, em uma situação de exploração, uma criança que vai cuidar de outra criança ou de um idoso, aí muda um pouco. Mais de 90% são meninas e adolescentes. E 45% de todas essas ocupações são em trabalhos considerados perigosos. Isso nos chama a atenção dentro da lista Trabalho Infantil Perigoso (TIP), colocando em risco a saúde, o desenvolvimento e a segurança dessas crianças e adolescentes.
Na comparação com anos anteriores, essa realidade no Brasil vem melhorando? Ainda temos que avançar?
Historicamente, o trabalho infantil vem diminuindo no mundo todo graças a todo esse trabalho de conscientização, de normatização, de regulamentarização. No Brasil, isso também vem diminuindo. Nós temos fortalecido o Sistema de Garantias de Direitos para que essa diminuição permaneça, que ela seja consistente. Em 2016, 2,1 milhões. Em 2019, caiu para 1,8 milhão. Contrariamente a todas as previsões que diziam que, na crise sanitária, aumentaria a exploração do trabalho infantil no Brasil, pelo menos no que diz respeito às denúncias na Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos, esse número caiu em 2020. Se você pega a série histórica entre 2012 e 2018, nós tínhamos uma média de 6.500 denúncias por ano de exploração de trabalho infantil na Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, no Disque 100. Em 2020, esse número caiu para 2.300, uma redução de mais de 60%.Nós ainda estamos estudando o nexo causal disso, mas, possivelmente, esteja relacionado ao Auxílio Emergencial do Governo, que deu para as famílias manterem as suas crianças em casa sem ter que utilizar-se da exploração do seu trabalho para o aumento da renda.
Há algumas décadas era comum vermos crianças fazendo trabalhos domésticos em casas de famílias ou até em carvoarias e em outras atividades perigosas. Quais são as piores formas de trabalho infantil no Brasil e também as mais comuns?
Nós temos 93 tipos de trabalhos tipificados no nosso decreto na famosa lista: Trabalho Infantil Perigoso (TIP). Nós temos a exploração sexual que nos preocupa muito. É uma das piores formas. Tem crianças trabalhando em bares, restaurantes, motéis, carvoarias. Temos o trabalho infantil doméstico, que é considerado também uma das piores formas. É um trabalho análogo à escravidão. O que nos preocupa no Brasil é o trabalho doméstico e a exploração sexual de adolescentes.
E tem havido uma mudança de comportamento da população em relação ao trabalho infantil? Qual a importância de leis, de campanhas de conscientização nesse sentido?
Tem. Nós acreditamos que sim. As novas gerações estão compreendendo mais que criança é para estudar, brincar e ser protegida. O mundo do trabalho é um mundo do desempenho, dos resultados, é um mundo adulto. Nós temos estudos que mostram que, quanto mais cedo a criança começa a trabalhar, menor será a renda dessa pessoa ao longo de sua vida. As famílias precisam entender isso. Ainda existem alguns mitos de que o trabalho infantil é bom para o desempenho moral da criança, não, uma infância sadia que vai ser bom para a vida moral dessa criança, para a disciplina dessa criança no futuro. A criança não tem que estar submetida a normas estritas e de desempenho do mundo do trabalho. Para isso, nós temos os canais de denúncia. O trabalho infantil deve ser denunciado no Disque 100, na Ouvidoria Nacional ou para outros atores do Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente.
O Brasil assumiu o compromisso na ONU de erradicar o trabalho infantil até 2025. O Governo Federal está caminhando para cumprir essa meta?
Estamos trabalhando arduamente para isso com uma série de ações. Talvez não consigamos cumprir em 2025, mas vamos continuar perseguindo esse alvo. Nós temos projetos no âmbito do Ministério da Cidadania, por exemplo, o Criança Feliz, o Bolsa Família, o Benefício de Prestação Continuada (BPC), o próprio Auxílio Emergencial. No âmbito do MMFDH, criamos a Escola Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. Inclusive, quero divulgar os nossos cursos livres, gratuitos, totalmente on-line, para o Brasil inteiro. São cursos que tratam da defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes. Criamos também um acordo de cooperação técnica com a Polícia Rodoviária Federal, o Projeto Mapear, que mapeia os pontos de exploração sexual nas rodovias federais brasileiras. Existem 470 pontos críticos hoje no Brasil, principalmente em postos de gasolina em áreas urbanas.
Uma criança que entra no mundo do trabalho de forma equivocada pode correr riscos físicos ou psicológicos?
Sem dúvida. Como eu falei, uma criança não é um pequeno adulto. Ela é uma criança. Então, ela não tem ainda o desenvolvimento físico, psíquico, emocional, cognitivo para entrar no mundo do trabalho. Ela acaba sendo explorada porque é uma mão-de-obra mais barata. Criança tem que brincar, estudar e ser protegida. Prova disso é que uma criança sofre seis vezes mais acidentes de trabalho do que um adulto, porque ela não tem o desenvolvimento apropriado para isso. Tem uma série de sequelas que a exploração do trabalho traz para a vida das crianças e dos adolescentes, porque elas não estão prontas para esse mundo do desempenho e dos resultados financeiros.
Para finalizar, o que o senhor teria a dizer para os pais e a sociedade em geral sobre essa conscientização? Cada um tem o seu papel no combate ao trabalho infantil?
Exatamente. Vamos proteger as nossas crianças e adolescentes. Vamos semear na infância educação para que elas tenham um futuro melhor, para que elas estejam na escola. Quem tem o dever de prover financeiramente para a família são os adultos daquele arranjo familiar. E, aos atores do sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente, por exemplo, professores, se uma criança sai da escola, tem uma evasão escolar, fica três, cinco dias sem aparecer na escola, o Conselho Tutelar já tem que ser notificado. Vamos atrás dessa criança porque ela pode estar sendo vítima de exploração de trabalho infantil e o futuro dela certamente será prejudicado. Em qualquer sinal de exploração de trabalho infantil, não hesite, Disque 100.
Acesse a cartilha para incentivar e valorizar a atuação do trabalho de aprendiz