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Indígenas definem prioridades para transição climática justa em seminário da SEGATI
- Foto: Gustavo Alcantara
No último dia da 2ª edição do Seminário Justiça Climática para Proteção dos Direitos e Soberania dos Povos Originários, realizado na terça-feira (10), em Brasília, lideranças e representantes do movimento indígena definiram os principais problemas climáticos, assim como sugestões de estratégias para resolvê-los, e consolidaram recomendações para enviá-las aos ministérios competentes. Ao todo, três painéis foram apresentados, tendo como temas políticas de enfrentamento à crise climática, planos locais de enfrentamento às mudanças climáticas, e mecanismos financeiros de implementação das políticas climáticas.
A seca extrema na Amazônia e no Pantanal foram apontadas como responsáveis por gerar cenários de insegurança alimentar, escassez hídrica, incêndios e isolamento de comunidades indígenas. Já as inundações causam interrupção imediata de serviços básicos, deslizamentos de terra, além de prejudicar o acesso à água potável, a comunicação e o abastecimento de comida ou itens necessários ao dia a dia.
As soluções indicadas para os problemas foram a elaboração de planos de contingência nos territórios indígenas, com ação da Defesa Civil municipal e estadual; a integração das Coordenações Regionais da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI) da Secretaria de Saúde Indígena (Sesai); o fomento à participação das comunidades indígenas em planos, como o Plano Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC); e inclusão das questões indígenas no Plano Plurianual, no Fundo Clima, no Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio) e envio de emendas parlamentares para territórios.
Também foi sugerida a criação de um Comitê Integrado de Indígenas para Gerenciamento de Desastres e instituição de sistemas de alertas, medidas e protocolos específicos para indígenas.
Com relação aos recursos hídricos, foram elencados como prioridades o acesso à água; a criação de zonas de amortecimento no entorno e a proibição do uso de agrotóxicos perto de Terras Indígenas; o estabelecimento de sistemas de saneamento resilientes; a educação ambiental culturalmente adaptada para jovens e anciões; o impedimento de retrocessos legislativos quanto ao acesso e à qualidade da água para os povos indígenas; e punições para empresas que contaminam a água.
Pela ótica da agricultura, as prioridades foram a produção sustentável de alimentos; o fomento às práticas tradicionais de produção; o cultivo de florestas doces, com vários tipos de safra de frutas; a troca de sementes e banco de sementes; instituir formas de produção e manejo sustentáveis; fortalecer a medicina tradicional por meio da Secretaria de Saúde Indígena (SESAI); tratar da merenda escolar indígena no Plano Plurianual (PPA) e no Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE); e obter assistência técnica para certificação da produção.
Plano Clima
O Atlas Digital de Desastres do Brasil registrou que, no período de dez anos, entre 2014 e 2023, 83% dos municípios brasileiros foram afetados por desastres climáticos. Por isso, a Coordenadora geral de adaptação à Mudança do Clima do MMA, Inamara Mélo defende que o país precisa se preparar para o contexto de crise climática com uma agenda composta por vários planos setoriais.
O Plano Clima foi instituído em 2009 para consolidar a execução da Política Nacional de Mudança do Clima, sob orientação e supervisão do Ministério do Meio Ambiente. Retomado no final de 2023, a elaboração do novo Plano Clima é conduzida pelo Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima (CIM), integrado por representantes de 22 ministérios, pela Rede Clima e pelo Fórum Brasileiro de Mudança do Clima. O prazo de execução do Plano é de 2024 a 2035.
Atualmente em desenvolvimento, o Plano Clima é dividido pelos eixos Adaptação e Mitigação. O eixo de Adaptação, que em breve entrará em período de consulta pública, inclui 16 setores estratégicos incluindo povos indígenas, igualdade racial e povos e comunidades tradicionais. Já o eixo de mitigação é voltado à redução das emissões de gases de efeito estufa, cuja alta concentração na atmosfera provoca as mudanças climáticas.
“São medidas de adaptação para este contexto de crise envolvendo a agenda de povos indígenas. Nós temos um planejamento que está sendo finalizado, terá consulta pública a partir do mês de janeiro de 2025 para trazer um conjunto de ações e de metas para lidar com esse momento de mudanças até 2035”, disse Inamara.
Restauração
Lúcia Alberta Andrade de Oliveira, diretora de Promoção e Desenvolvimento Sustentável da Funai, apresentou um balanço do órgão indigenista referente aos últimos dois anos de atuação, com destaque para as demarcações e informações sobre o enfrentamento à crise climática. A diretora anunciou que a Funai vem delineando um programa de restauração de Terras Indígenas que sofrem com degradação ambiental devido a garimpo, desmatamento, criação de gado ou desastres antrópicos.
“A partir de um mapeamento da Funai junto com outros parceiros, identificamos cerca de dois milhões de hectares dentro de Terras Indígenas que precisam de algum tipo de restauração. Da forma como essa degradação acontece, há uma interferência muito grande na qualidade de vida dos povos indígenas, trazendo doenças, diminuindo a produção e tornando os povos indígenas dependentes de cestas de alimentos”, afirmou a diretora.
A coordenadora do Departamento de Gestão Territorial, Ambiental e Mudanças Climáticas (DGTAMC) do Conselho Indígena de Roraima (CIR), Sineia do Vale, apresentou o Plano Indígena de Enfrentamento às Mudanças Climáticas elaborado no estado de Roraima. Ela defendeu a implementação de planos de enfrentamento com políticas claras feitas por indígenas em seus territórios, pois vivem na pele o impacto das mudanças climáticas.
Sineia também destacou a falta de transparência sobre mecanismos de financiamento para contornar eventos climáticos extremos e cobrou celeridade no cumprimento de medidas firmadas em eventos climáticos.
“Além de os recursos de financiamento chegarem pouquíssimo às pontas, as políticas para redução das emissões não estão ocorrendo como deveriam. As temperaturas seguem aumentando e isso impacta a vida social e cultural dos indígenas. A solução está em cumprir as leis ambientais e constitucionais que temos e injetar recursos em planos regionais”, definiu Sinéia, que também é co-presidenta do Fórum Internacional de Povos Indígenas sobre Mudanças do Clima, o Caucus Indígena, e coordenadora do CIMC (Comitê Indígena de Mudanças Climáticas).
Financiamento
A obtenção de recursos para financiar projetos de mitigação ou adaptação às mudanças climáticas em territórios indígenas foi abordada pelo gerente de projetos do MPI, João Lucas. Ele expôs que a conservação e preservação de Terras Indígenas representa um benefício global para o todo o planeta, sendo este um dos principais argumentos para atrair investimento e atenção internacional para programas e ações contempladas por fundos globais.
O gerente de projetos relatou que há uma preocupação maior da comunidade internacional para apoiar a causa indígena por meio dos fundos. No entanto, o apelo pelo combate às mudanças climáticas nos territórios ainda não surtiu o efeito necessário. “Temos dados que apontam que menos de 1% de todo o financiamento climático chega aos povos indígenas do mundo diretamente, apesar de 36% da área de floresta do planeta estar em territórios indígenas. O volume de recursos ao qual os indígenas têm acesso não traduz a urgência do problema”, reforçou.
Ainda assim, João Lucas frisou que a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, a COP 30, que será realizada em novembro de 2025, em Belém, no Pará, gera a expectativas de maior mobilização de recursos para financiar iniciativas que atendam às necessidades indígenas.
O evento foi realizado por meio da parceria entre o Ministério dos Povos Indígenas e o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM).