Notícias
Em acordo histórico, povo Avá-Guarani conquista reparação por danos causados depois de 50 anos da implementação de Itaipu

O acordo foi assinado e homologado durante a cerimônia com a presença de lideranças Avá-Guarani e autoridades do governo. Foto: Mre Gavião | Ascom MPI
A ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, integrou a comitiva do governo federal para a assinatura e homologação do acordo emergencial, na segunda-feira (24), que promove parte da reparação por violações a direitos humanos das comunidades Indígenas Avá-Guarani, situadas nas Terras Indígenas (TIs) Tekoha Guasu Guavirá e Tekoha Guasu Okoy Jakutinga, no oeste do Estado do Paraná. O pacto se dá em função da instalação da Usina Hidrelétrica de Itaipu e suas consequências. A solenidade ocorreu na aldeia Yty Miri, no município de Itaipulândia (PR), e contou com a presença de lideranças indígenas e representantes de diferentes órgãos do governo federal.
A cerimônia foi realizada durante a 12ª Assembleia Geral da Comissão Guarani Yvyrupa (CGY), entidade representativa do povo Guarani, e teve cerca de 1.500 participantes, com a presença de representantes Guarani de diferentes regiões do país. Durante o evento, a ministra Sonia Guajajara falou do contexto histórico de violações de direitos decorrentes da falta de acesso ao direito territorial pelo povo Avá-Guarani e reforçou que a negociação permanecerá para que o povo indígena tenha seus direitos integralmente assegurados. “Essa entrega de hoje é importante, mas também não pode camuflar a situação de violência vivida pelo povo Avá-Guarani do oeste do Paraná. Ainda assim, este momento deve ser celebrado, porque ele é parte de uma conquista do povo Avá-Guarani. É uma reparação parcial e nós vamos continuar trabalhando conjuntamente, para que o povo tenha acesso ao seu território tradicional sagrado”, disse a ministra.
No acordo da efetivação de parte dos direitos territoriais do povo Avá-Guarani como forma de compensação coletiva por danos, a Itaipu se comprometeu a disponibilizar recursos financeiros para a reinserção habitacional das comunidades indígenas que vivem nas TIs em novos territórios. Para isso, a hidrelétrica irá adquirir imóveis destinados às aldeias dos dois territórios. A soma dos valores a serem feitos pela Itaipu custeará a compra de três mil hectares de terras, sendo o limite de aporte o total de R$ 240 milhões em 2025. Os valores devem ser empregados até o final de novembro do ano que vem.
A conciliação também determina uma série de medidas adicionais para garantir os direitos sociais e culturais do Povo Avá-Guarani, por meio da execução de diversas ações que possibilitem o acesso a serviços essenciais, como moradia, abastecimento de água potável, fornecimento de energia elétrica, saneamento básico, saúde, educação, além de iniciativas voltadas para a segurança alimentar e nutricional e o fortalecimento cultural, entre outros. A Itaipu também se comprometeu com a recuperação ambiental das áreas que serão compradas. Além disso, a União, a Funai, o Incra e a Itaipu deverão elaborar e divulgar um pedido público de desculpas aos Avá-Guarani pelos prejuízos causados durante a construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu.
A área total ocupada pelo reservatório de Itaipu é de 135 mil hectares, dos quais 77 mil hectares pertencem à República Federativa do Brasil e 58 mil hectares pertencem à República do Paraguai. O acordo é classificado como emergencial, uma vez que o pleito inicial dos indígenas é por uma área de 55 mil hectares para atender a demanda de moradia de mais de 30 comunidades.
O acordo faz parte da resolução parcial de uma ação que tramita na Câmara de Mediação e Conciliação da Administração Pública Federal, bem como da Ação Cível Originária (ACO) 3.555/DF, em curso no Supremo Tribunal Federal (STF), em razão das ações e omissões da União, da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), e da Itaipu, verificadas no processo de construção da usina hidrelétrica, cujo início se deu em 1975.
Em sua fala, a ministra Sonia defendeu que o acordo é histórico não só para o povo Avá Guarani, mas também representa um avanço para os povos indígenas do Brasil, e reflete um resultado concreto do aldeamento do Estado, com a presença de representantes indígenas em postos de gestão no poder Executivo. “Eu estou aqui, hoje, como ministra de Estado dos Povos Indígenas, mas eu sou uma de vocês, eu sou uma mulher, eu sou uma indígena. E, como indígena, eu entendo cada palavra que vocês trazem, cada reivindicação, cada problema, cada conflito, eu consigo me colocar no lugar. Eu sei bem a situação de conflito que vocês enfrentam aqui na região, eu sei bem a situação de violência, eu sei bem a situação dos assassinatos e sei também a situação de violência contra as mulheres, o quanto as mulheres aqui também ainda morrem por crimes de feminicídio. E a gente precisa olhar para isso como Estado brasileiro”, defendeu a ministra.
Celso Japoty, coordenador estadual da comissão Guarani Yvyrupa no Paraná, contou o histórico de luta do povo Avá-Guarani e explicou a importância do território para o seu povo. “Nossos anciões contam como foi essa história, onde foi construída essa usina hidrelétrica era um território sagrado para o nosso povo. Onde hoje é o Parque Nacional, onde está a Itaipu, é um território sagrado para os Avá-Guarani. De lá foi expulso o nosso povo, esse era o nosso território sagrado, onde a gente considera a terra sem males, mas hoje a gente está nessa situação de violência e conflitos”, disse a liderança.
De acordo com ele, embora não seja a totalidade da reparação ao povo indígena, o acordo só foi possível num governo democrático, comprometido com os direitos indígenas. “Três mil hectares é pouco, ainda, para as mais de 30 aldeias da região. Mas a gente sente alegria, porque é o primeiro passo para amenizar essa violência que está acontecendo com o nosso povo. E também para mostrar para a sociedade não indígena que aqui é território Guarani. A nossa luta começou daqui, a sociedade não indígena tem que entender que a gente está lutando pelo nosso direito”, completou.
Contexto dos territórios
A conciliação parcial, por meio do acordo emergencial, visa minimizar a grave situação de conflito e de vulnerabilidade a que estão expostos os indígenas. Impactados pela invasão de não indígenas em seu território desde a década de 1930 e gravemente afetados pela construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu, nos anos 1970, os Avá-Guarani têm realizado retomadas de terras desde o fim dos anos 1990. As duas áreas ocupadas pelos Avá-Guarani, contempladas pelo acordo, estão em processo de regularização.
A Terra Indígena Tekoha Guasu Guavira teve seu Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação (RCID) publicado em 2018. Contudo, sob gestão do governo anterior, uma portaria da presidência da Funai de 2020 o suspendeu, mas esse ato administrativo foi revogado em 2023 pela atual presidenta do órgão, Joenia Wapichana, de modo que o RCID segue válido. Já a Terra Indígena Tekoha Guasu Okoy Jakutinga está em fase de estudos.
De acordo com Celso Japoty, essa primeira reparação é histórica para o povo por propiciar o reconhecimento pelo Estado dos danos causados ao povo indígena desde a criação do empreendimento, em especial pelo silenciamento da história Guarani e do discurso de negação de sua presença na região. “Essa assinatura é emergencial, mas esse processo ainda vai continuar, não vai parar por aqui. A partir dessa assinatura, a Itaipu precisa apresentar o pedido de desculpas pro povo Avá-Guarani. Isso é muito importante para o nosso povo, porque foram cinquenta anos falando que os Avá-Guarani, que os povos indígenas, não existiam nessa região. A gente mostrou, através da Comissão da Verdade, que o território Avá-Guarani não tem fronteiras, fazendo parte do Brasil e do Paraguai”, explicou Celso.
No seu capítulo sobre as violações sofridas pelos povos indígenas ocorridas no período da ditadura militar no Brasil, o Relatório da Comissão Nacional da Verdade (CNV) aponta o processo violento de interferência na paisagem pela Itaipu, que alagou uma área de cerca de 135 mil hectares, em ao menos 16 municípios. De acordo com o relatório, foram cerca de 42 mil pessoas removidas ao todo da área e registrados ao menos 32 aldeamentos indígenas totalmente submersos e cerca de oito mil desapropriações apenas no lado brasileiro.
A dinâmica territorial do povo Avá-Guarani foi lembrada pelo ministro Dias Toffoli como importante para a decisão, em sua fala durante a cerimônia. Em suas palavras, o ministro explicou que o povo Guarani possui uma dinâmica própria com o seu território, verificada não apenas por sua presença nas áreas, mas também, e acima de tudo, pela relação simbólica que possuem com a terra e o território, dos quais muitas vezes sofreram esbulho desde o período da colonização, sem contudo perder o vínculo com o que chamam de “mundo original, na busca da terra sem males”.
“É certo que cada grupo Guarani tem suas próprias características, mas é verdadeiro também que entre os pontos de encontro, no modo de ver e vivenciar o mundo, está que essa relação com a terra ultrapassa a noção de tempo, ultrapassa a noção de divisas, de cercas que separam territórios, para constituir a sua compreensão como entidade viva, da qual todos que sobre ela habitam são seus frutos. Assim, enquanto nós os brancos dizemos que ‘essa terra me pertence’, os Guaranis dizem que ‘nós nos originamos dessa terra’. É uma relação completamente diferente”, disse Dias Toffoli.
Detalhes do acordo
O acordo afirma que áreas sem conformidade com as indicações da Funai e das comunidades indígenas não poderão ser compradas. A metade das áreas será destinada às comunidades da Terra Indígena Tekoha Guasu Guavira e a outra metade às comunidades da Terra Indígena Tekoha Guasu Okoy Jakutinga, observadas as ordens de prioridade elaboradas pelas comunidades indígenas, bem como a disponibilidade de venda dos imóveis por parte dos atuais proprietários.
As aquisições de imóveis serão no âmbito das Ações Judiciais em curso na Justiça Federal da 4ª Região e no Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, bem como no âmbito das Comissões de Soluções Fundiárias envolvendo membros das comunidades indígenas Avá-Guarani. A Comissão Nacional de Soluções Fundiárias promoverá, diretamente ou por delegação, as Comissões Regionais de Soluções Fundiárias, que por sua vez promoverão as sessões de mediação nos processos judiciais.
Já a avaliação dos imóveis será realizada por servidores do Poder Judiciário Estadual ou Federal das Comarcas e Seções Judiciárias e do Incra. Os imóveis adquiridos serão transferidos e incorporados diretamente ao patrimônio da União, representada pela Funai.
Se o valor de R$ 240 milhões se esgotar em 2025 e não for alcançada a aquisição da área total comprometida no acordo, as sessões de mediação terão continuidade e, uma vez obtida a conciliação, o pagamento deverá ser realizado a partir do mês de fevereiro de 2026. No entanto, se houver saldo remanescente, ele poderá ser utilizado para aquisição de áreas adicionais por demanda a ser apresentada pelo MPI, FUNAI, MPF ou Comunidades Indígenas Avá-Guarani mediante aprovação das respectivas autoridades competentes de Itaipu.
Órgãos que integram o acordo
Além do MPI, da Itaipu, da Câmara de Mediação e Conciliação da Administração Pública Federal Advogado da União e das comunidades indígenas Avá-Guarani do Oeste do Paraná, fizeram parte da assinatura do acordo a Advocacia-Geral da União, o Ministério Público Federal, a Procuradoria-Geral da República, o Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos, a Funai, o Incra, a Comissão Nacional de Soluções Fundiárias do Conselho Nacional de Justiça, a Comissão de Conflitos Fundiários do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, o Conselho Nacional de Justiça, o Comitê para Tratamento Adequado de Conflitos Fundiários do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
-
Comunidades presentes na Terra Indígena Tekoha Guasu Guavirá:
Tatury; Mirim; Tenondé Nhepyrum (antiga Porã); Karumbe’y; Marangatu; Yvy Okaju (antiga Y'Hovy); Hite; Jevy; Guarani; Yvyju Avary; Yvyraty Porã 1; Yvyraty Porã 2; Ara Poty; Arako’e; Yvy Porã; Araguaju; Pohã Renda; Nhemboete; Tajy Poty; Tata Rendy.
-
Comunidades presentes na Terra Indígena Tekoha Guasu Okoy Jakutinga:
Mokoi Joegua (Dois Irmãos); Ara Porã; Tape Jere (Curva Guarani); Pyahu; Vy'a Renda; Anetete; Itamarã; Aty Mirim; Yva Renda; Ocoy; Arapy.