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Seminário “Aldeando as Urnas e Reflorestando a Política” debate minuta para cotas do Fundo Partidário e tempo de mídia

- Foto: ASCOM - MPI
O primeiro dia do Seminário "Aldeando as Urnas e Reflorestando a Política", realizado na terça-feira (1º), em Brasília, reuniu autoridades do governo federal, lideranças e representantes de organizações indígenas. O propósito do evento gira em torno da construção de um texto base para regulamentar o processo de verificação de pertencimento étnico no registro dos candidatos que se autodeclaram indígenas, o que garante cotas específicas de acesso ao Fundo Partidário, o Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), assim como de tempo de rádio e televisão para candidaturas indígenas. Além disso, o objetivo é desenvolver critérios para evitar fraudes em políticas de ações afirmativas.
A ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, definiu o seminário como uma ação contra a sub-representação indígena no sistema político, voltada à inserção da participação de indígenas nos processos eleitorais, e o acesso desses candidatos e candidatas a todos os demais recursos e estrutura partidária, geralmente ofertados aos candidatos não indígenas. Segundo a ministra, a presença de indígenas em cargos eletivos possibilita a defesa de pautas específicas e, historicamente, negligenciadas, como a demarcação de terras indígenas, proteção ambiental, preservação cultural e acesso a políticas públicas diferenciadas.
“Considerando o ineditismo do debate sobre processos de pertencimento étnico das candidaturas autodeclaradas indígenas nos pleitos eleitorais, é preciso refletir sobre a implementação de ações afirmativas a partir do repertório disponível. Este repertório se concentra sobre algumas análises a respeito da aplicação da lei das cotas [Lei nº 12.711/2012] e suas previsões no âmbito do acesso à educação superior e nos concursos públicos", avaliou a ministra, em sua fala de abertura, ao classificar o tópico como delicado e sensível.
A Resolução Nº 4, de 22 de janeiro de 2021 da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI), por exemplo, determinava a possibilidade de confirmação de pertencimento étnico de pessoas indígenas a ser feita pela Fundação, o que gerou entraves que resultaram na suspensão do documento no ano seguinte à sua publicação. Celebrada por lideranças indígenas, a revogação garante que a definição/reconhecimento da condição étnica de pessoas indígenas seja feita pelos próprios grupos e comunidades indígenas, não por um órgão público, vinculado ao Governo Federal.
“De todo modo, a realização de procedimentos de pertencimento étnico que extrapolam a autodeclaração parecem necessários para assegurar que determinados certames e, inclusive, processos eleitorais sejam disputados por pessoas indígenas que efetivamente representem seus povos e os interesses de suas comunidades", concluiu Guajajara.
O secretário executivo dos Povos Indígenas, Eloy Terena, explicou aos presentes que a manutenção da agenda de crescimento das candidaturas indígenas, assim como o fortalecimento da base e da bancada dos povos indígenas nas mais diversas instâncias políticas, é um projeto que precisa de empenho contínuo.
“Trouxemos uma minuta como sugestão de ponto de partida para que vocês informem a realidade dos territórios e assim o documento final expresse concretamente os anseios das comunidades indígenas. Quando concluído, o material será consolidado para ser depois será encaminhado ao TSE para dar origem a uma resolução que garanta cotas de participação indígena na política brasileira e fixe parâmetros para os Tribunais Eleitorais Regionais verificarem quem é indígena”, descreveu o secretário.
Após a leitura da minuta, os indígenas presentes se dedicaram a aprimorar o texto base esboçado pelo MPI com contribuições. O evento também contou com a presença da ministra das Mulheres, Cida Gonçalves; do secretário adjunto do Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos, Adalto Modesto; do coordenador-geral de Articulação Institucional da Secretaria de Educação Superior (SESU) do Ministério da Educação, Artur Araújo; e da deputada federal Célia Xakriabá, bem como representações de 14 povos indígenas que já se candidataram ou ocupam cargos políticos, governamentais e em organizações indígenas.
Os educadores e acadêmicos Claudia Regina Renault (UnB), Edviges Loris (UFSC), Juliana Sales (UFSC), Wescrey Portes (UERJ) e Gersem Baniwa compartilharam informações sobre processos de definição de cotas nas instituições de ensino em que atuam, assim como experiências obtidas sobre o tema de pertencimento étnico, para agregar práticas e repertório ao debate.
Reconhecimento de candidaturas indígenas
Em fevereiro de 2024, o TSE decidiu que partidos e federações partidárias com candidaturas indígenas registradas terão o dever de garantir a distribuição proporcional de recursos financeiros entre as diferentes cotas. Entretanto, os critérios a serem adotados para tanto precisam ser subsidiados por meio de consulta e manifestação do movimento indígena para estipular o regramento a cumprir com a determinação do Tribunal.
A decisão ocorreu devido a questionamentos apresentados pela deputada federal Célia Xakriabá, da Federação Rede-Psol de Minas Gerais. Com fundamento no princípio da igualdade e em entendimento firmado pelo TSE quanto à participação feminina e de pessoas negras na política, com distribuição proporcional de recursos aos partidos e de tempo de rádio e TV, a deputada questionou o Tribunal se não seria possível o mesmo reconhecimento para candidaturas indígenas registradas por partidos e federações.
Célia Xakriabá, que lembrou da trajetória de Mário Juruna Xavante, precursor da representação indígena no Congresso ao ser eleito deputado federal em 1983, afirmou que a minuta resultante do Seminário precisa ser elaborada coletivamente e que a pauta da autodeclaração indígena tem que ser enfrentada.
“Em 1973, os indígenas passaram a ter direito ao voto no Brasil, mas isso valia para os que eram tidos como ‘integrados’, ou seja, que deixaram de ser indígenas aldeados aos olhos da sociedade civil. Só em 2002, com a alteração do código eleitoral, é que os indígenas puderam receber votos e votar em outros indígenas. É muito recente. Embora sejamos os primeiros no Brasil, somos os últimos a chegar à política”, protestou a deputada federal em seu pronunciamento.
De acordo com a ministra Guajajara, o início dos diálogos para aumentar candidaturas e organizar disputas eleitorais indígenas mais organizadas se deu no Acampamento Terra Livre (ATL), em 2017, quando uma carta pública foi elaborada em nome de um parlamento mais representativo. Em 2018, a ministra compôs a primeira chapa presidencial indígena ao lado do atual deputado federal Guilherme Boulos, Psol-SP. No mesmo ano, Joenia Wapichana foi eleita deputada federal pelo estado de Roraima, após mais de três décadas da eleição de Mário Juruna. Em 2023 foi inaugurada a bancada do cocar no Congresso, um contraponto às bancadas da bala, do boi e da bíblia.
Reflexos no MEC
O coordenador de articulação da SESU, Artur Araújo, definiu o evento como um passo histórico ao declarar que a política eleitoral partidária e o Poder Legislativo precisam ser ocupados com a voz e o compromisso dos indígenas. “Esse seminário é um marco na luta por mais candidaturas indígenas. A cada vaga conquistada no Congresso, nas Assembleias Legislativas e nas Câmaras Municipais, isso se traduz em uma vitória indígena. Para isso é fundamental garantir mecanismos que deem condições justas de competição eleitoral”, pontuou.
Araújo reforçou a necessidade de fomentar a discussão sobre a garantia de critérios de verificação de pertencimento como mecanismo essencial para obter justiça. Não só para garantir direitos, mas para combater fraudes eleitorais que usurpam candidaturas indígenas e evitar que não indígenas se apropriem indevidamente de espaços destinados aos povos indígenas. “O Seminário contribui para que haja regras claras, e garantir acesso equitativo ao fundo partidário e tempo de mídia”, acrescentou. Araújo ainda disse que a discussão será aproveitada para a regulamentação do MEC, no sentido de aperfeiçoar o acesso à bolsa permanência, política de cotas e para as universidades definirem os destinatários da política.
Aumenta o número de candidatos indígenas
De acordo com dados divulgados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o número de candidatas e candidatos que se identificam como indígenas tem aumentado desde 2014, ano em que a Justiça Eleitoral passou a registrar informações sobre cor e identidade étnico-racial (autodeclaratórias) nas candidaturas. Com o montante de 245.701 votos, 256 candidatos indígenas foram empossados no início de janeiro para assumir cargos de vereadores, vice-prefeitos e prefeitos para os mandatos de 2025 a 2028 no país. Ao todo, 2.479 candidatos se declararam indígena para concorrer ao pleito do ano passado, o que corresponde a 0,5% do total de candidatos que disputaram as eleições passadas (463.367).
Do total de indígenas eleitos em 2024, nove são prefeitos (oito homens e uma mulher), 13 são vice-prefeitos (sendo quatro mulheres) e 234 são vereadores (36 são mulheres). De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), 170 etnias foram registradas nas candidaturas indígenas. Segundo o Levantamento da Campanha Indígena da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), feito com base em dados do TSE, 1.635.530 votos foram direcionados para candidaturas indígenas no ano passado.
Os únicos estados que não elegeram indígenas para câmaras municipais e prefeituras foram Rio de Janeiro, Sergipe e Piauí. Os estados que mais elegeram indígenas são o Amazonas, com 47 eleitos; Pernambuco, com 31; e Paraíba, com 23. Já os que menos elegeram indígenas são Rio Grande do Norte, Rondônia e Goiás, com um vereador cada. No comparativo com as eleições municipais de 2020, o aumento de indígenas eleitos foi superior a 8%, uma vez que 237 candidatos indígenas foram eleitos à época. Em relação às eleições de 2016, o resultado de 2020 apresentou o aumento de 28%.