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Território Aroeira: MS recebe a primeira etapa regional da Conferência das Mulheres Indígenas
Na última semana, nos dias 29 e 30 de novembro, a ministra Sonia Guajajara fez a abertura da primeira etapa regional da Conferência das Mulheres Indígenas. Realizado na TI Limão Verde, no município de Aquidauana (MS), o encontro acolheu debates para avaliação de estratégia nacional para a promoção de políticas públicas e diretrizes de prevenção, enfrentamento e erradicação da violência contra as mulheres indígenas. Na ocasião, as mulheres indígenas presentes discutiram e apresentaram recomendações às políticas apresentadas.
A Conferência é uma iniciativa conjunta do Ministério dos Povos Indígenas (MPI), do Ministério das Mulheres (MMulheres) e da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (ANMIGA), com o apoio da ONU Mulheres e da Open Society Foundations. “Nessa etapa das conferências, queremos discutir políticas públicas para as mulheres indígenas e estabelecer o programa das mulheres guardiãs, tanto as mulheres guardiãs da cultura e do território, quanto as mulheres que lutam contra a violência”, disse a ministra dos Povos Indígenas durante a abertura do evento.
Iniciativa pioneira do MPI, o Programa Guardiãs foi implementado para o desenvolvimento de uma estratégia nacional de atendimento às demandas das mulheres indígenas e para a articulação das ações e políticas de governo voltadas a este público. No âmbito do programa, será indicada uma guardiã mentora para cada bioma e 27 articuladoras, representantes dos estados e do Distrito Federal, que irão colaborar para o monitoramento e a promoção de ações, além da formação de uma rede de apoio às mulheres indígenas em suas regiões.
Uma das ações que vai compor o Programa Guardiãs é a Casa da Mulher Indígena, parceria entre o MPI e o MMulheres. Serão implantadas seis casas, uma em cada bioma brasileiro, priorizando os territórios indígenas com índices mais altos de violência contra mulheres. O projeto atenderá mulheres indígenas com protocolos específicos que respeitem as particularidades dos territórios e dos seus modos de vida, e que contemplem também as diferentes formas de violência que atingem esse público.
Cada etapa regional das conferências recebe como título o nome de uma espécie relevante na região. “Estamos trazendo o nome das nossas árvores, dos nossos biomas, para fortalecer a representatividade indígena, sensibilizando e levando conhecimento aos não indígenas sobre o que esses biomas significam para nós”, comentou a ministra dos Povos Indígenas.
Nomeada como Aroeira, a etapa no MS reuniu mulheres indígenas do DF e do Goiás, além das representantes do estado que sediou o evento, para dois dias de programações. Foram realizados debates e rodas de conversa guiadas por seis eixos temáticos: Direito e Gestão Territorial, Emergência Climática, Políticas Públicas e Violência de Gênero, Saúde, e, por último, Educação e transmissão de saberes ancestrais para o bem viver. A etapa Aroeira foi organizada localmente pela Kuñangue Aty Guasu, entidade representativa das mulheres Kaiowá e Guarani.
A ministra defendeu a necessidade de ações específicas, adaptadas às particularidades locais e regionais. E comentou sobre o histórico de violências sofrido pelos povos indígenas do Mato Grosso do Sul e a necessidade de atenção especial para as mulheres. “Nós sabemos que tem uma violência que é decorrente dos conflitos fundiários, mas tem também uma violência interna que a gente precisa discutir. Mato Grosso do Sul é um estado com alto índice de feminicídio, precisamos enfrentar isso com o apoio dos homens que estão do nosso lado, apoiando e respeitando as mulheres, também dentro de suas casas”, reforçou a ministra.
O estado tem a maior taxa média anual de homicídios de mulheres e adolescentes indígenas reportados no Brasil entre 2003 e 2022. Os dados são do relatório técnico desenvolvido pelo MPI em parceria com a Universidade Federal do Paraná (UFPR), com base nos dados registrados no Sistema de Informação de Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde. De acordo com o relatório, divulgado em abril deste ano, foram registrados 394 homicídios de mulheres e adolescentes indígenas, ao todo, neste período. O maior número de registros foi na região Centro-Oeste, com 157 casos e uma taxa de 9,7 por 100 mil mulheres. Apenas no MS foram registrados 149 homicídios no sistema.
As conferências serão encerradas com a etapa nacional, em março de 2025, em Brasília, quando será apresentada a estratégia nacional para mulheres indígenas, por meio do Programa Guardiãs. A estratégia articula ações para a garantia dos direitos humanos e sociais das mulheres indígenas, com o fortalecimento e reconhecimento da necessidade de políticas públicas interseccionais que envolvam representantes das mulheres indígenas de todo o país em sua construção.
De acordo com Jozileia Kaingang, diretora executiva da Articulação Nacional das Mulheres Guerreiras da Ancestralidade (ANMIGA), o objetivo é entregar ao Estado as recomendações para a construção conjunta das políticas voltadas para as mulheres indígenas. “Existe, dentro dos ministérios, tanto o das Mulheres, quanto o dos Povos Indígenas, a discussão sobre a implementação de um programa chamado Guardiãs e sobre a Casa das Mulheres Indígenas. Os ministérios têm se debruçado a pensar políticas públicas que nos alcancem. E este é o momento em que nós precisamos efetivar a convenção 169 da OIT na sua totalidade, com a consulta prévia, livre e informada”, comentou.
A Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) determina, em seu artigo 6º, a necessidade da consulta livre, prévia e informada aos povos indígenas, no caso de qualquer medida que possa afetar suas vidas ou territórios. As etapas regionais da conferência cumprem o papel de efetivar a aplicação desse instrumento e ampliar a participação social para a criação de estratégias que sejam efetivas e adequadas às realidades desses grupos.
No evento, Pagu Rodrigues, que é indígena Fulni-Ô e diretora de Proteção de Direitos do Ministério das Mulheres, destacou em sua fala o compromisso do governo federal com a defesa de direitos. “É mais do que urgente que as mulheres estejam vivas para que continuem fazendo suas lutas. Quando falamos de uma estrutura racista, como foi a formação do estado brasileiro, é fundamental que a gente pense em quem está nessa base. E nós reforçamos o nosso compromisso com o território. Queremos chegar onde for possível, para que todas nós possamos ter realmente uma vida livre de violências e com a garantia da proteção das mulheres indígenas, que enfrentam o racismo ambiental todos os dias”, defendeu.
Em dezembro, estão previstas mais duas etapas regionais. A primeira na próxima semana será a etapa Araucária, realizada entre os dias 9 e 13, em Curitiba (PR). O evento terá a organização conjunta da Articulação dos Povos Indígenas do Sul (Arpinsul) e pela Aty Guasu e contará com a presença de mulheres indígenas do Paraná, do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina. A segunda, nomeada de Jurema, acontece entre os dias 16 e 19 do mesmo mês, desta vez, no município de Paulo Afonso, na Bahia. Participarão mulheres indígenas de Pernambuco, Alagoas, Sergipe e do norte da Bahia. Outras quatro etapas regionais serão realizadas no início de 2025.
Contra a violência aos povos indígenas
Na oportunidade, a ministra Sonia Guajajara também comentou sobre o episódio de violência contra indígenas que se manifestavam por água potável no município de Dourados, na última semana. “Condenamos todo e qualquer tipo de violência. E quero ressaltar que não pactuamos e que não concordamos com toda essa violência que aconteceu na Reserva Indígena de Dourados. É inadmissível um comportamento como esse, do uso da força policial contra um povo que está lutando por um direito básico e fundamental de todo ser-humano, que é o acesso à água”, defendeu a ministra. A situação é acompanhada pelo Departamento de Mediação de Conflitos (DEMED) do MPI, em conjunto com o Ministério Público Federal (MPF), o Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) de Mato Grosso do Sul e a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).
Em sua fala, a ministra reforçou também o compromisso do Ministério com a defesa dos direitos indígenas e apresentou as ações já previstas para solucionar o problema de oferta de água nas aldeias da região. “Estamos buscando soluções, não mais com uma medida paliativa, mas com medidas estruturantes e permanentes para garantir a água não só em Dourados, mas também em outras regiões que precisam”, reforçou. Durante o evento, a ministra anunciou o investimento emergencial pelo MPI de R$2 milhões para a construção de dois poços artesianos na Reserva Indígena.
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