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Seminário sobre Justiça Climática reúne lideranças indígenas para discutir enfrentamento às mudanças climáticas
- Foto: Gustavo Alcantara
A Secretaria de Gestão Ambiental e Territorial Indígena (SEGATI) do Ministério dos Povos Indígenas (MPI), por meio do Departamento de Justiça Climática (DEJUC), promoveu o primeiro dia do 2° Seminário Justiça Climática para Proteção dos Direitos e Soberania dos Povos Originários, na segunda-feira (09), em Brasília. O enfoque do evento girou em torno das evidências de extremos climáticos em territórios indígenas; o aumento de frequência dos riscos climáticos; e gestão de dados e informações climáticas.
Através de sua programação com três painéis, o Seminário procurou demonstrar que diante do aumento de crises resultantes das mudanças climáticas, os povos indígenas, assim como as demais populações tradicionais, já vêm sofrendo as consequências da contínua alteração do meio ambiente por parte da ação humana de maneira mais acentuada em suas aldeias e comunidades em relação a locais com recursos para resistir.
Isso ocorre dentro do seguinte contexto: ainda que o levantamento mais recente do MapBiomas comprove que as Terras Indígenas são a categoria fundiária que menos desmatou vegetação nativa entre 1985 e 2023 no país, com apenas 1% perdido durante o período enquanto que áreas privadas perderam 28%, uma parcela pequena de fundos de financiamento de fato chega aos territórios indígenas.
“A disparidade retrata um descompasso entre a responsabilidade atribuída aos indígenas no âmbito da conservação e preservação da natureza e as instituições que possuem condições financeiras para mitigar o avanço das mudanças climáticas”, avaliou a secretária nacional de Gestão Ambiental e Territorial Indígena do MPI, Ceiça Pitaguary.
“O grande objetivo, tanto do primeiro quanto do segundo seminário, é trazer indígenas, instituições não governamentais e governamentais que lidam com a temática de mudança climática para estabelecer um diálogo com um público de lideranças indígenas porque pouco ainda se entende do conceito de Justiça Climática, principalmente no tocante às formas de financiamento e demais discussões envolvendo crédito de carbono, REDD+, entre outros temas”, definiu Suliete Baré, diretora do Departamento de Justiça Climática do MPI.
Capacidade adaptativa
A Justiça Climática se trata do entendimento de que alguns grupos humanos e ecossistemas são mais afetados por impactos gerados pela mudança climática do que outros, ainda que não tenham sido responsáveis pela situação atual.
Desse modo, é preciso promover um conjunto de ações de mitigação e adaptação à mudança do clima que devem convergir com a redução das desigualdades sociais estruturais e históricas em vez de aprofundar a vulnerabilidade de populações específicas no caminho. Assim sendo, o primeiro dia do Seminário se concentrou em abordar os impactos dos eventos climáticos extremos, como eles se manifestam atualmente no Brasil e possíveis saídas.
Os impactos causados pelas mudanças climáticas são a destruição de habitações, dificuldade de acesso a serviços essenciais e de manutenção de plantio, aumento de preços de produtos, escassez de água e alimentos, isolamento, aumento de infecções e acidentes com animais peçonhentos, perda de objetos, máquinas e equipamentos, longos trajetos para garantir a subsistência e insegurança fundiária, conforme descreveu Pablo Borges de Amorim, assessor técnico da Agência Alemã de Cooperação Internacional (GIZ), especializada em cooperações técnicas de viés sustentável.
Exemplos de impactos fruto de eventos climáticos extremos que prejudicaram a população indígena do Brasil são as inundações no Rio Grande do Sul, que afetam centenas de comunidades, e as estiagens no estado do Amazonas, que influenciam desde a locomoção à pesca.
“Os riscos climáticos estão em curso, mas eles podem ser geridos com planejamentos para que haja a prevenção de seus impactos. Avaliações de riscos mostram o potencial de ocorrência desses eventos e as estimativas colaboram para reduzi-los. A questão climática é algo que não pode ser consertado pelos povos indígenas, mas com capacidade adaptativa é possível criar programas de acesso à água, cisternas, alimentos, entre outros elementos para aplacar danos”, descreveu Amorim.
Enchentes, secas e incêndios
Segundo o professor de hidrogeologia da Universidade de Brasília José Eloy Guimarães, o Brasil está passando por uma mudança no ciclo hidrológico. “O resultado disso é que os rios têm vazões muito grandes, com enchentes e inundações na época das chuvas, e vazões muito baixas na época das secas.”
Para o professor, levando em conta o Cerrado, responsável por destinar água para várias partes do Brasil e da América Latina, tecnologias simples, como recolher a água da calha de um telhado para uma caixa de infiltração, podem manter a água em locais cada vez mais compactados e impermeabilizados para que o bioma siga distribuindo água pelo território nacional em um momento de mudança dos regimes de chuva.
Por outro lado, o Brasil também vive o aumento do risco de incêndios que afetam territórios indígenas, o que demanda preparação de áreas para que as vegetações dos biomas sejam protegidas em circunstâncias de mudanças climáticas que só crescem. De acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), em função do aumento dos eventos climáticos extremos, de janeiro a agosto deste ano, foram registrados 109.943 focos de incêndio em todo o país, um aumento de 78% em comparação com o mesmo período do ano anterior, quando foram contabilizados 61.720 casos.
Conforme Isabel Schmidt, professora da ecologia na Universidade de Brasília, “há cerca de 10 anos o Brasil vem conduzindo o Manejo Integrado do Fogo (MIF) em unidades de conservação e territórios indígenas com resultados bem importantes para reduzir a ocorrência de incêndios.”
O programa das Brigadas Federais em Terras Indígenas (BRIFs) surgiram a partir de um Acordo de Cooperação Técnica entre a Funai e o Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo), vinculado ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Iniciada em 2013, a parceria viabiliza a formação e contratação de brigadistas, incluindo indígenas, que praticam o MIF para promoverem as ações de prevenção e combate a incêndios florestais nos territórios onde vivem. Atualmente, mais de 50% dos brigadistas do Prevfogo são indígenas, o que facilita o diálogo com as lideranças e o respeito às tradições e cultura de cada comunidade.
Propostas de ação
Perante o cenário climático atual, foram apresentadas propostas de ação referentes aos impactos, como mapear os riscos e identificar as principais vulnerabilidades; desenvolver/aprimorar sistemas de monitoramento; desenvolver e implementar Planos de Adaptação; fortalecer capacidades locais (educação e recursos); promover mecanismos financeiros de implementações de ações de adaptação e aprimorar políticas públicas de outros setores para priorizar os territórios indígenas.
Além disso, um pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisa Espaciais (INPE) vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Informação (MCTI) apresentou a plataforma AdaptaBrasil. A ferramenta serve de subsídio ao combate ao desmatamento e enfrentamento da emergência climática e ao Plano Clima Adaptação, política destinada a elaborar a estratégia federal de adaptação à mudança do clima. O objetivo da plataforma é consolidar, integrar e disseminar informações, possibilitar análises dos impactos da mudança do clima, observados e projetados, bem como fornecer informações aos tomadores de decisão para ações de adaptação, segundo Gustavo Arcoverde, pesquisador do INPE e supervisor do AdaptaBrasil.
Outra plataforma divulgada foi o SOMAI (Sistema de Observação e Monitoramento da Amazônia Indígena), elaborada pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), que reúne e propaga informações científicas para apoiar os povos indígenas no enfrentamento às mudanças do clima. O SOMAI disponibiliza dados abertos sobre ameaças antrópicas e climáticas para a Amazônia indígena como, por exemplo, desmatamento, concentração de focos de calor, seca, mineração, reservatórios, aumento de temperaturas, entre outros, de acordo com a apresentação de Paula Guarido, coordenadora do Núcleo de Estudos Indígenas do IPAM.
Este evento foi realizado por meio da parceria entre o Ministério dos Povos Indígenas e o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM).