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Eloy Terena defende instituição de mecanismo que acelere processos de demarcação no Brasil
- Foto: ASCOM MPI
Na 8ª audiência da Comissão Especial de Autocomposição em torno do marco temporal (14.701/2023), realizada pelo Supremo Tribunal Federal, na segunda-feira (4), em Brasília, o secretário executivo do Ministério dos Povos Indígenas, Eloy Terena, defendeu a instituição de um dispositivo na lei que dê celeridade às demarcações de Terras Indígenas (TIs) ao permitir que a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) possa realizar as primeiras etapas sem excesso de judicialização.
“Um dos principais entraves do processo de demarcação está logo na fase inicial, pois cada ato da Funai é passível de judicialização. Gostaria de sugerir a edição de uma súmula vinculante para que, uma vez respeitados todos os procedimentos, o órgão possa seguir com os trâmites do processo legal”, afirmou Terena. O secretário salientou que isso traria estabilização procedimental e rapidez para os momentos de intimação, notificação e participação de entes federativos na demarcação.
“Temos que defender a estrutura da Funai porque é o órgão indigenista criado pelo estado para promover as demarcações, assim como o MPI, já que a competência de demarcação estava conosco, conforme desenhado desde o Grupo de Trabalho de transição de governo, em 2022. No entanto, quando começamos a demarcar terras no marco de cem dias do governo Lula houve reação do congresso e nos tiraram isso”, recordou o secretário executivo.
Ele ainda reforçou que há processos de demarcação de TIs tramitando desde os anos 1990 e que é preciso valorizar o trabalho da pasta e do órgão com investimento em equipe. Terena também comentou sobre a inclusão de entes federados, estados e municípios, logo nas primeiras fases do processo de demarcação.
“Sobre os entes federados, especialmente municípios que querem participação, reforço a necessidade de qualificação dos profissionais porque isso existe na Funai, com especialistas que possuem mestrado e doutorado. Não dá para deixar qualquer profissional compor um GT na etapa de abertura de processo. Tem que haver investimento por parte dos entes para fazer acompanhamento e intervenção qualificada”, acrescentou.
Etapas processuais
De acordo com Maria Janete Albuquerque de Carvalho, diretora de Proteção Territorial da Funai, o processo de demarcação começa com as etapas preparatórias, o que inclui reivindicações de áreas por meio de pedidos, cartas, ofícios e petições de diversas naturezas. Contudo, as preparatórias não têm sido avaliadas de forma adequada devido à judicialização, equipe técnica insuficiente e ameaças aos servidores.
Atualmente, há cerca de 100 processos em curso apenas para compor os GTs que abrem os processos de demarcação em decorrência. O GT precisa de profissionais de antropologia; de ciências ambientais; de agrimensura, cartografia e georreferenciamento e para o levantamento fundiário.
Em seguida, a fase de estudos conta com reuniões com a equipe do GT, elaboração de plano de trabalho com metodologia e cronograma, encontros com as comunidades, pesquisa de campo, apresentação de peças técnicas, levantamento fundiário, entre outros passos, para culminar em uma proposta final do Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação de Terra Indígena (RCID) com anuência dos indígenas envolvidos e espaço para contestação de particulares.
Então, segundo o decreto 1775/1996, o Ministério da Justiça (MJ) confere e analisa o processo com o parecer das áreas técnicas e jurídicas para decidir se aceita o georreferenciamento e a demarcação física proposto pelo RCID para emitir a portaria declaratória e autorizar a colocação dos marcos e placas. Em seguida, o MJ instrui o processo para ser homologado pelo presidente da República, embora haja cerca de 70 TIs com portaria declaratória em que não foi possível fazer o georreferenciamento por embargo judicial.
A diretora da Funai ressaltou que de 43 Relatórios publicados, 11 estão suspensos judicialmente. Já as Terras Indígenas declaradas são 69, mas 13 delas estão com processos judicializados. “A demora é um catalisador de violência. Há um grande número de indígenas assassinados e servidores hostilizados que também se tornam alvo de assassinatos”, disse Maria Janete. Ela definiu a morosidade como parte de um ciclo que se retroalimenta, pois a violência impede o avanço das demarcações desde o princípio.
Espiral do conflito
O juiz auxiliar Diego Vegas concordou com Maria Janete. “A espiral do conflito provoca demora, que provoca mais violência porque o particular não recebe dinheiro e indígena não sabe se haverá demarcação”, analisou Vegas ao sugerir menos burocracia e mais simplificação para agilizar processos de demarcação.
O diretor do Departamento de Línguas e Memórias Indígenas do MPI, Eliel Benites, expôs que para os indígenas a floresta é resultado da relação que desenvolvem com entidades sagradas e, portanto, isso estabelece uma maneira diferente dos não indígenas de lidar com a natureza e o território.
“Essa fase primária de demarcação é o que nós chamamos de memória. Devolução dos territórios é a devolução da memória dos povos, mas existe um choque em termos de valores porque pedem pagamento de benfeitorias nas terras que não foram feitas para os indígenas e ainda é preciso levar em conta quanto tempo a floresta leva para se recompor para habitá-las conforme nosso bem-viver. Sugiro a presença de arqueólogos no GT de abertura de processos para resgatar vestígios que darão robustez aos relatórios”, avaliou o diretor.
“Vejo nesta Comissão a possibilidade da construção de um caminho mais célere porque do jeito como o processo é feito, ele causa instabilidade dentro dos territórios indígenas. Temos que ter otimização do procedimento administrativo para evitar etapas desnecessárias em processos onerosos. Até chegar no MJ, muitos processos têm mais de 15, 20 anos”, ponderou Sheila de Carvalho, secretária Nacional de Acesso à Justiça do MJ.
Paralisação
A discussão sobre a celeridade do processo ocorreu após a Funai expor o passo a passo do procedimento administrativo de demarcação. Foram discutidas novamente as propostas para os artigos 5º e 6º da lei do marco temporal e foi iniciada a discussão acerca do artigo 4º, vetado pelo presidente da República. Os artigos contêm os dispositivos acerca do marco temporal e renitente esbulho, que significa a remoção à força de quem habita um território.
“A posição do governo e do MPI é muito clara. Somos contrários ao marco temporal. Precisamos destacar que, nas discussões sobre disputas territoriais, o que sempre foi pedido eram indenizações. Ninguém falava sobre marco temporal. Agora nos deparamos com a paralisação dos processos demarcatórios por causa da lei. O que foi feito em termos de emissão de portarias e homologação recentemente é o que era possível. Por isso, nesta Comissão, nos predispomos a distensionar os conflitos no campo e destravar os processos”, declarou o pesquisador Douglas Kaingang.
A consultora jurídica do MPI, Alessandra Alves, adiantou que é necessário avaliar a responsabilidade orçamentária ao indenizar particulares e fazendeiros que pedem ressarcimentos. “A União não tem condições de arcar com todas as indenizações por terra nua. Temos que pensar ao longo dos trabalhos a divisão de custos, quem paga e quem recebe pela terra e traremos propostas sobre o tema nas próximas audiências”, concluiu.
Em 2023, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) criou 11 metas nacionais para o Poder Judiciário válidas para 2024, que serão ampliadas para 2025. A meta 10 prega a identificação e julgamento de 35% dos processos relacionados às ações ambientais, 35% dos processos relacionados aos direitos das comunidades indígenas e 35% dos processos relacionados aos direitos das comunidades quilombolas, distribuídos até 31/12/2023.
A próxima reunião da Comissão Especial será realizada no dia 11 de novembro, segunda-feira, das 13h às 19h.