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“Onde os direitos indígenas forem debatidos, queremos a presença dos povos”, defende Eloy Terena durante o G20 Social
A mesa foi realizada durante o G20 Social, no Rio de Janeiro. Foto: Amanda Lelis | MPI
Na última sexta-feira, dia 15, o Ministério dos Povos Indígenas realizou a mesa de debate “Aldeando a governança global: protagonismo indígena e o futuro das decisões climáticas”, durante a programação do G20 Social. A atividade reuniu representantes de diferentes ministérios e do movimento indígena para discutir estratégias de fomento à participação indígena em espaços de negociação da agenda climática global.
Participaram Eloy Terena, secretário-executivo do MPI, João Paulo Ribeiro Capobianco, secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente e André Aquino, diretor de Fomento Florestal, no mesmo ministério, Thiago Rocha Leandro, diretor de Assistência Técnica no Ministério da Cultura, Kleber Karipuna, que é coordenador executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e Jozileia Kaingang, diretora executiva da Articulação Nacional das Mulheres Guerreiras da Ancestralidade (ANMIGA). A mesa foi mediada por Elis Nascimento, do MPI.
Durante o debate, foram expostas as iniciativas em curso no MPI para qualificar e ampliar a participação indígena nestes espaços, até o próximo ano. “O MPI, junto com outros ministérios, está programando uma série de entregas importantes. A partir do início do ano que vem, vamos colocar em prática um conjunto de ações que irão desaguar na COP 30 e que vão se traduzir em políticas para os povos indígenas”, disse o secretário-executivo.
Entre as estratégias em curso, apresentadas pelo secretário-executivo, está o Programa Kuntari-Katu: Líderes Indígenas na Política Global. A iniciativa é uma parceria do MPI com o Ministério de Relações Exteriores e o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima e promove, desde setembro deste ano, a formação de jovens indígenas para participação de agendas internacionais.
O primeiro seminário foi realizado em setembro e estão previstos ainda outros quatro seminários ao todo, até a COP 30, além de curso de inglês, mentoria e participação em agendas internacionais. Quatro jovens do programa participaram da COP 16 da Biodiversidade, realizada em Cali na Colômbia, e uma participante está em em Baku, no Azerbaijão, acompanhando a comitiva brasileira na COP 29 do Clima, que acontece até dia 21 de novembro. “Neste programa, temos a missão de formar diplomatas indígenas. Mas não no conceito tradicional da carreira da diplomacia. Nós queremos investir na formação de indígenas, jovens, mulheres que estejam preparados para sentar nas mesas de negociação e discutir de forma qualificada”, explicou Eloy.
Além do programa Kuntari-Katu, Eloy também destacou o empenho do governo brasileiro para avançar nas demarcações de terras indígenas e nas operações de desintrusão e retirada de invasores ilegais dos territórios. “As demarcações são a principal pauta, hoje, do movimento indígena e também do MPI. E, até a COP 30, queremos fazer a desintrusão de outras terras que estão contempladas pela ADPF 709, que é uma ação constitucional que resultou nesse grande movimento estrutural dentro do Governo Federal. Que faz a máquina administrativa mover servidores, mover recursos, mover planejamentos para que, de fato, as terras indígenas sejam entregues novamente aos seus povos”, enfatizou.
Marcos Kaigang, que é secretário Nacional de Direitos Territoriais Indígenas no MPI, apresentou os resultados das desintrusões realizadas pelo governo neste ano. “Fazer a proteção das terras indígenas também é um mecanismo para frear os avanços das mudanças climáticas. A gente vê ameaças em diversos biomas pelo Brasil. Hoje, a maior biodiversidade e riqueza ambiental que temos no país está, comprovadamente, em terras indígenas. Se não houvesse esse compromisso do Estado brasileiro, a gente veria esses territórios sendo ainda mais desmatados e as mudanças climáticas afetando cada vez mais a todos”, defendeu.
Outras ações, que estão em desenvolvimento pelo MPI, expostas durante o debate foram as quatro Estratégias Nacionais de Política para Indígenas, uma focada nas mulheres indígenas, outra nos indígenas em contexto urbano, outra para indígenas LGBTQIA+ e, a última, para juventude indígena. De acordo com o secretário-executivo do Ministério, o trabalho de planejamento e elaboração de cada uma destas políticas está sendo feito em parceria com o movimento indígena, com ampla participação das organizações regionais, para que o resultado contemple as diferentes realidades dos povos do país.
Financiamento aos guardiões das florestas
André Aquino, do MMA, apresentou os mecanismos de financiamento para povos indígenas e outros povos e comunidades tradicionais, propostos pelo Brasil aos líderes do G20. As propostas estão focadas em garantir meios para a continuidade da proteção das florestas e para a reparação histórica aos povos indígenas e comunidades locais que, historicamente, tiveram seus conhecimentos tradicionais apropriados por grandes corporações. Entre eles, foram apresentados o Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF) e o Fundo Nacional para Repartição de Benefícios.
O primeiro, com o objetivo de recompensar aqueles que protegem as florestas tropicais e contribuem para a regulação do clima global e para a conservação da biodiversidade. O TFFF foi lançado na COP 28 e propõe o pagamento por hectare de vegetação protegida e a penalização por hectare desmatado ou degradado, garantindo ainda recursos para a proteção da biodiversidade e pela manutenção dos serviços ambientais.
O segundo, por sua vez, foi implementado a partir da Lei da Biodiversidade (Lei nº13123/2015), e tem o objetivo de valorizar o patrimônio genético nacional e os conhecimentos tradicionais associados, garantindo a repartição de benefícios aos detentores deste conhecimento, quando explorado economicamente. O Fundo Nacional para Repartição de Benefícios é vinculado ao MMA, administrado pelo BNDES e gerido por um comitê composto por governo e sociedade, sendo 8 membros do governo e 77 representantes de povos indígenas, povos e comunidades tradicionais, agricultores familiares e membros da academia.
Em sua fala, o coordenador da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), Kleber Karipuna, defendeu o estreitamento do debate entre o governo e o movimento indígena, para resultados efetivos, e defendeu o financiamento direto para os povos indígenas pelos serviços prestados de proteção das florestas. “Os povos indígenas precisam ser incluídos no debate sobre esses fundos globais que estão sendo pensados para proteção da biodiversidade, para combate à mudança do clima, ou outros. Não adianta que a filantropia ou os governos planejem o anúncio de um novo compromisso bilionário para financiar as ações de enfrentamento à crise climática, se esse olhar não estiver focado no apoio direto aos povos indígenas e comunidades locais a nível global, que são os atores que mais podem contribuir para o enfrentamento à crises atuais”, disse.
Kleber Karipuna também argumentou que os líderes do G20 devem reconhecer a demarcação de territórios indígenas como estratégia de enfrentamento aos desafios das mudanças climáticas. De acordo com ele, a APIB compõe a Aliança Global de Territórios, que é formada por representantes de 24 países, com organizações representativas dessas regiões. “Defendemos juntos o reconhecimento, a proteção, a garantia, a regularização de áreas de povos indígenas e comunidades locais a nível global como estratégia para proteção da biodiversidade e enfrentamento da crise climática”, explica.
De acordo com ele, este também foi o mote que o movimento indígena brasileiro levou para o G20 Social, com o objetivo de incidir junto às vinte grandes potências econômicas globais. “A gente precisa fortalecer esse debate, para que ele saia do discurso dos grandes líderes globais e passe a ser efetivado como metas estratégicas, importantes e específicas. Queremos que essa seja uma meta estratégica para constar nas NDCs de cada país para enfrentamento desses desafios da crise climática”, afirmou. As NDCs, Contribuição Nacionalmente Determinada em português, são os planos de redução de emissões de gases de efeito estufa dos países signatários do Acordo de Paris. Cada país apresenta sua meta como um compromisso com a agenda internacional contra as mudanças do clima.
Em sua fala, Eloy parabenizou os indígenas presentes no G20 Social, reforçando a missão do MPI de articular a presença indígena em espaços decisórios. “Onde estivermos debatendo o direito dos povos indígenas, também queremos a presença dos povos. Essa é uma das grandes missões do Ministério: o princípio do diálogo intercultural”, reforçou.
Eloy comentou sobre o contexto atual, em que os povos indígenas estão ocupando diferentes espaços na gestão pública, após um período de muitas violações de direitos. “É um avanço, mas é preciso, a todo momento, ressaltar que essa presença indígena é fruto de uma conquista muito grande do movimento indígena. E que, até pouco tempo atrás, isso não nos era permitido. Nos era negado o direito de debater, de participar, de sentar à mesa e participar das decisões”, disse.
Metas mais rígidas aos desenvolvidos
O G20 Social antecedeu a reunião dos líderes do bloco, realizada até esta terça-feira, dia 19, no Rio de Janeiro. Nesta segunda, dia 18, foi publicada a Declaração de Líderes do G20 Brasil, com os compromissos assumidos pelos países membros, que reforça a necessidade de uma ação conjunta e urgente para frear o avanço das mudanças climáticas.
Em discurso aos líderes do G20 na terça-feira, o presidente Lula defendeu que sejam reconhecidos os papeis das florestas no combate às mudanças climáticas e dos povos indígenas e comunidades tradicionais. Em seu discurso, o presidente também argumentou contra o negacionismo e a desinformação e cobrou compromisso dos países membros do G20, diante dos extremos climáticos atuais. “Não transigiremos com os ilícitos ambientais. O desmatamento será erradicado até 2030. Queremos que o mundo reconheça o papel desempenhado pelas florestas e que valorize a contribuição dos povos indígenas e comunidades tradicionais”, disse o presidente. “Mesmo que não derrubemos mais nenhuma árvore, a Amazônia continuará ameaçada se o resto do mundo não cumprir a missão de conter o aquecimento global”, disse.
Lula chamou atenção para a responsabilidade dos países desenvolvidos e defendeu que antecipem suas metas de neutralidade climática para o ano de 2040 ou 2045, ao invés de 2050, como os demais membros do bloco. “O Acordo de Paris está chegando a Belém com dez anos e seus resultados ainda estão muito aquém do necessário. Não há mais tempo a perder. O G20 é responsável por 80% das emissões de gases do efeito estufa”, discursou.