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Em audiência no STF, Sonia Guajajara defende autonomia dos indígenas em relação a seus territórios
- Foto: ASCOM - MPI
Realizada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), na quarta-feira (02), a quinta audiência de conciliação sobre as ações que discutem a constitucionalidade da lei do Marco Temporal (14.701/2023) para demarcação de Terras Indígenas foi marcada pelo discurso da ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara. Ela enfatizou que a tese da lei já havia sido rechaçada pela Alta Corte, em 2023, e que sua conversão em lei pelo Congresso neste ano trouxe insegurança jurídica para as populações que vivem em territórios indígenas.
“Estamos vendo o acirramento dos conflitos no campo, principalmente depois da aprovação da lei. Bahia, Mato Grosso do Sul, Ceará, Pará, Mato Grosso, Paraná, dentre outros. Povos indígenas têm sofrido bastante com o crescimento da violência armada no campo e a situação de insegurança jurídica construída”, elencou a ministra. Ela também acrescentou que apesar de a Constituição ter determinado, em 1988, a necessidade de se fazer a demarcação dos territórios indígenas em até cinco anos, a realidade é que 36 anos depois isso ainda não foi consumado.
Grande liderança pela inclusão de direitos fundamentais dos povos indígenas na Assembleia Constituinte, o cacique Kayapó Raoni Metuktire também participou da sessão e pediu reflexão dos presentes sobre a deterioração do meio ambiente causada também pela forma como os indígenas e seus territórios vêm sendo tratados.
“Convivemos com muita matança e enganação. Nós não queremos que a colonização do homem branco se repita no Brasil e não temos que seguir dessa forma. Somos humanos e precisamos viver nessa terra, estamos lutando para viver em paz com nossas culturas. Se continuarmos assim, não haverá legado para nossos netos”, refletiu a liderança.
Ainda durante a audiência, a ministra Sonia Guajajara propôs como premissa a busca por entendimentos sem a repetição do erro histórico de sacrificar, em nome de uma pretensa pacificação, os direitos ancestrais dos povos indígenas e os direitos internacionalmente reconhecidos e acolhidos pelo Estado Brasileiro.
“O que estamos discutindo aqui é o futuro das relações do Estado brasileiro com os povos indígenas neste território nacional e se a sociedade brasileira está disposta e preparada para aderir aos mais altos valores que notabilizam a humanidade e para dar fim ao genocídio dos povos e ao esbulho da Terra Indígena. Este deve ser um momento de refundação do Estado brasileiro. Uma oportunidade para resgatarmos os valores constitucionais mais genuínos e garantirmos que tenham plena efetividade”, defendeu a ministra.
Em sua fala, Guajajara frisou que, na atual gestão, o presidente homologou dez novos territórios indígenas, enquanto na década anterior à instituição do Ministério dos Povos Indígenas, o total de 11 Terras Indígenas foi homologado em todo país; e que o Ministério da Justiça emitiu portarias declaratórias de quatro novas terras. Ela destacou, ainda, que a Funai está avançando no trabalho técnico de delimitação de territórios e outras frentes do ciclo demarcatório, apesar de todas as dificuldades trazidas pela lei do marco temporal. Nesse sentido, o objetivo é continuar buscando saídas para que os povos indígenas tenham direito aos seus territórios e suas vidas protegidas.
“Por isto, também, o Presidente Lula criou pela primeira vez na história o Ministério dos Povos Indígenas. E temos a responsabilidade de consolidar um conjunto de políticas já existentes, bem como pensar novas políticas indígenas que contribuam a este novo modelo de nação, mais comprometido com o enfrentamento às desigualdades sociais. E, de nossa parte, trago o compromisso de sermos, como temos sido, propositivos e resolutivos”, afirmou.
Acordo histórico
Sonia Guajajara e o ministro Gilmar Mendes, que também participou da audiência de conciliação nesta quarta-feira, relembraram o acordo construído na semana passada referente à Terra Indígena Ñande Ru Marangatu, em Mato Grosso do Sul, como prova de que é possível, mediante diálogo, encontrar soluções pacíficas para acabar com paralisia nas demarcações, assim como a grave crise que afeta a sociedade brasileira como um todo.
“Recordo o recente acordo firmado perante esta Corte para a devolução das terras dos Guarani Kaiowá. De maneira histórica, Poderes desta República e as partes interessadas, celebraram mais do que um acordo: ajustaram um pacto pelo fim das disputas que vinham ceifando tantas vidas indígenas e transformando terras fecundas em verdadeiros campos de batalha”, ressaltou a ministra dos Povos Indígenas.
“Se nós quisermos buscar o mesmo resultado que colhemos nos últimos anos, basta repetir o que estávamos fazendo. Queremos melhoria no diálogo e convivência pacífica. Queremos avançar no que diz respeito aos direitos indígenas e das pessoas integrantes da população circundante”, declarou o ministro do STF.
Discussão de ações
O objetivo da 5ª audiência foi adentrar, ponto a ponto, três das cinco Ações de Controle Concentrado de Constitucionalidade que motivaram a criação da Câmara de Conciliação pelo ministro relator Gilmar Mendes, em agosto deste ano. As ações foram debatidas pelos presentes a partir da leitura dos artigos 5 e 6 da lei 14.701, ambos vetados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por não indicar termos e etapas processuais em que os entes envolvidos participariam nas demarcações e por prever intimação antecipada de interessados que só serão conhecidos na conclusão dos estudos, inviabilizando a conclusão da demarcação.