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Indígenas celebram o retorno do manto Tupinambá no Rio de Janeiro
- Foto: Leo Otero | MPI
Nesta terça-feira (10), uma comitiva com cerca de 170 indígenas vindos de Olivença, no sul da Bahia, realizou uma cerimônia de encontro com o manto Tupinambá, na biblioteca do Museu Nacional, localizado na Quinta da Boa Vista, no Rio de Janeiro. Na quinta-feira (12), o Ministério dos Povos Indígenas (MPI), em conjunto com os Ministérios da Educação (MEC) e da Cultura (MinC) e com a parceria do Ministério das Relações Exteriores (MRE), irá realizar a cerimônia oficial de celebração pelo retorno do Manto Sagrado Tupinambá ao Brasil com a participação de lideranças do povo indígena.
Desde o dia 7 de setembro, os indígenas Tupinambá estão no Rio de Janeiro realizando seus rituais sagrados de vigília. Na terça, se encontraram com o manto sagrado que retornou ao Brasil em julho, vindo do Museu da Dinamarca, após tratativas entre os governos brasileiro e dinamarquês. O manto foi levado à Europa em 1689.
Em grupos de aproximadamente 15 pessoas, os indígenas se revezaram para homenagear o manto considerado ancestral, que mantém conexão espiritual com o povo. Um dos pedidos da cacica Jamopoty Tupinambá foi que o manto fosse exibido em pé para seus descendentes.
“Hoje choramos porque ele voltou para nós. Isso é afirmação cultural, afirmação de um povo. Nos fizeram extintos e hoje nós temos um manto de mais de 330 anos, que ficou na Dinamarca preservado para mostrar ao mundo que nós estamos aqui, estamos vivos e somos a raiz de um povo”, disse a cacica Jamopoty, em discurso aos Tupinambá.
“Nós viemos porque o manto queria nos ver. Nossos parentes também terão a oportunidade de visitá-lo e vê-lo. Não somos os indígenas de 1500, somos um povo novo, mas que ainda precisa demarcar nossa terra. Tiraram nosso direito de viver e tiraram nosso idioma, mas aqui permanecemos. Nós somos Tupinambá”, complementou.
A caica é uma das filhas de Nivalda Amotara e Aloísio Tupinambá. Ambos foram os primeiros indígenas a terem acesso ao manto, em 2000, quando ele foi cedido como parte da exposição em comemoração aos 500 anos de redescobrimento do Brasil no Parque Ibirapuera, em São Paulo. As primeiras pessoas a verem o manto entre os Tupinambá foram as três filhas de Amotara, uma das principais responsáveis por dar início ao processo de retorno da entidade sagrada.
Protocolos de acesso
De acordo com Karkaju Pataxó, coordenador-geral de Promoção de Políticas Culturais do MPI, o Ministério fez mediações entre o Museu Nacional e o povo Tupinambá para organizar e viabilizar a visita. Ao todo, duas visitas técnicas ao território foram feitas, na Serra do Padeiro e em Olivença, para realizar escutas junto aos indígenas.
“O retorno do manto abre espaço para um debate de como deve ser feito o processo para estabelecer protocolos de acesso aos possíveis artefatos, peças e relíquias que voltam do exterior. Temos que observar cada povo indígena em suas especificidades porque, por exemplo, no caso dos Tupinambá, o manto é uma entidade e as diferentes cosmologias precisam ser respeitadas”, ponderou Karkaju.
Por meio da Secretaria de Articulação e Promoção de Direitos Indígenas (SEART) e o Departamento de Línguas e Memórias Indígenas (DELING), o Ministério dos Povos Indígenas vem desenvolvendo recomendações e protocolos para que povos indígenas tenham acesso a bens e objetos de suas culturas que estão em museus nacionais ou localizados no exterior. O processo é conduzido pelo Grupo de Trabalho de Restituição de Artefatos Indígenas, criado em 2023, em virtude da necessidade de lidar com o retorno de peças inestimáveis para o Brasil.
História reescrita
Segundo Crenivaldo Veloso, historiador no setor de etnologia e etnografia vinculado ao Departamento de Antropologia do Museu Nacional, a ação iniciada por Amotara conduziu o processo que ficou conhecido como Levante Tupinambá. Tendo como principal consequência o reconhecimento dos Tupinambá, em 2001, como povo indígena, mesmo sendo uma das populações que tiveram mais contato colonial ao longo da história.
Para o historiador, os Tupinambá tiveram suas identidades negadas por parte da sociedade brasileira. Desse modo, o manto é uma força e representa a vitalidade da cultura indígena, que lida com marcas de relações coloniais. O manto ficou por séculos sob propriedade da família real dinamarquesa.
“O evento de hoje, no museu mais antigo do país, que também tem seus traços de história colonial de tutela em relação aos materiais e saberes indígenas, é um momento em que a história é reescrita”, avaliou Veloso.
Devolução e exibição
A devolução do manto ao Brasil contou com a articulação entre instituições do Brasil e da Dinamarca, incluindo o Ministério das Relações Exteriores do Brasil, por intermédio da Embaixada do Brasil na Dinamarca, os Museus Nacionais dos dois países e lideranças Tupinambá da Serra do Padeiro e de Olivença (BA). Desde julho, o manto está acondicionado no Museu pela equipe de restauração, onde precisa permanecer em condições específicas de armazenamento, referentes ao clima, temperatura e iluminação, para que não se deteriore e seja visitado pelas gerações futuras.
Antes do retorno, Glicéria Tupinambá, da aldeia de Serra do Padeiro na Terra Indígena de Olivença, já vinha estudando o manto como aluna do curso de Antropologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ela viajou pela Europa atrás dos 11 mantos que existem para aprender sobre as técnicas para criar uma nova obra. A nova versão, no entanto, não é feita com penas vermelhas de guará como os mantos do passado.
Fundado em 1818, de acordo com a vice-diretora do Museu Nacional, Andreia Ferreira da Costa, o Museu atualmente é um órgão suplementar do Fórum de Ciência e Cultura da reitoria da UFRJ. “Há planos de uma reabertura parcial para 2026, quando o Bloco 1, cujo tema é história, será inaugurado com uma exposição disponibilizando o manto para o público em geral”, revelou Andreia.
A vice-diretora afirmou que a abertura total do Museu será em 2028 e que o governo federal está comprometido com a reinauguração do Palácio de São Cristovão, que pegou fogo em setembro de 2018 e grande parte do acervo se perdeu.
No Museu Nacional, comitiva com aproximadamente 170 Tupinambá teve acesso ao artefato ancestral