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MPI e MDHC promovem ato em memória de Bruno Pereira e Dom Phillips
- Foto: Washington Costa
O Ministério dos Povos Indígenas (MPI) e o Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania (MDHC) promoveram um ato em memória do indigenista brasileiro Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips, nessa quarta-feira (5), no Cine Brasília, no Distrito Federal. Durante a ação, a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, afirmou que a pasta trabalha diariamente para que não se repitam assassinatos de defensores de direitos humanos, do meio ambiente, de comunicadores e de indígenas ao exercerem suas atividades e viverem suas vidas.
“Temos trabalhado para implementar as medidas cautelares emitidas pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) em relação ao Vale do Javari. Essas medidas representam um reconhecimento internacional da gravidade da situação e da necessidade urgente de proteção para os povos indígenas e defensores de direitos humanos na região”, declarou a ministra ao abrir a solenidade.
De acordo com Guajajara, as medidas cautelares são um chamado à ação para o país, um lembrete de que a proteção dos direitos humanos é uma responsabilidade coletiva. “Essa tragédia é um reflexo das ameaças constantes enfrentadas por aqueles que defendem os direitos humanos e a liberdade de expressão no Brasil e no mundo. É um lembrete doloroso de que a luta pela justiça é contínua e exige nossa vigilância e nosso compromisso constantes”, disse Guajajara.
Já o secretário Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos do MDHC, Bruno Teixeira, fez um pedido formal de desculpas do Estado brasileiro aos familiares dos profissionais assassinados há exatos dois anos. Ele frisou que a ausência de estado favorece a pistolagem em territórios indígenas e de comunidades tradicionais, além de afirmar que o crime atingiu não só os parentes das vítimas, mas todo o país.
Teixeira ainda defendeu a consolidação do Plano de Proteção do Vale do Javari para enfrentar, entre outras coisas, a criminalidade na região localizada estado do Amazonas. O Vale do Javari é a segunda maior Terra Indígena do Brasil.
A secretária nacional de Acesso à Justiça do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), Sheila de Carvalho, definiu o crime como bárbaro e causador de um dano irreparável à sociedade. A secretária também classificou o Plano de Proteção como um mecanismo ímpar, feito a partir das medidas cautelares da CIDH.
“Os Ministérios dos Povos Indígenas, da Justiça, Reações Exteriores, Direitos Humanos e a Comissão Interamericana buscam respostas efetivas, que se concretizarão em investimento e políticas públicas de prevenção, reparação do território e das comunidades afetadas, imersas nessa dinâmica de violência”, analisou Sheila.
Honra e dignidade
Beatriz Matos, viúva de Bruno Pereira e diretora do Departamento de Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato do MPI, contou que, na noite de 5 de junho de 2022, ela recebeu uma ligação notificando o desaparecimento de Bruno Pereira. Em seu depoimento, a viúva lembrou os momentos de terror que vivenciou ao ficar sem as devidas informações por parte da gestão passada, que tratou o caso com negligência e descaso por parte tanto do ex-presidente da República quanto da própria Funai.
“Bruno e Dom agora estão sendo lembrados com honra e dignidade. Foi horrível viver naquele governo fascista e exterminador, contrário ao trabalho da Funai. É preciso que esse momento se reverbere em ações concretas, como a valorização da Funai, do Ibama e de quem defende os direitos humanos. É necessário aumentar o orçamento desses órgãos e gerar mais condições para que pessoas como eles trabalhem livres”, defendeu a diretora do Departamento de Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato do MPI.
Para Alessandra Sampaio, viúva de Dom Phillips, é fundamental resgatar e recontar o que aconteceu com a dupla de ativistas, assim como apontar quem são e a motivação dos responsáveis. “Os nomes deles são símbolos da proteção do bioma amazônico. Eles são guardiões da natureza e, nós, como família, seguimos acreditando na justiça. Queremos que a justiça também se estenda a outros casos não resolvidos e que os povos do Javari e outros territórios sejam resguardados”, defendeu Alessandra.
Violência contra jornalistas
A jornalista Beatriz Barbosa, representante do Repórteres sem Fronteiras, relatou que a realidade dos jornalistas e comunicadores não mudou nos últimos dois anos. Foram 85 agressões e ameaças de morte por parte de madeireiros, fazendeiros e até de policiais, assim como assédio judicial por autoridades da Amazônia Legal, composta por nove estados brasileiros.
Ela ressaltou que a linha de frente da cobertura de crimes ambientais e violação de direitos humanos sofre com padrões de violência sistematizados que silenciam os comunicadores com medo e censura.
“A Amazônia ocupa um lugar central no debate da emergência climática, e o jornalismo é primordial para informar causas e consequências desse processo. A cadeia de violência precisa ser rompida pelo Estado. O fim da intimidação virá com a responsabilização exemplar de mentores e executores desses crimes. Esse recado é fundamental para o fim dessas práticas”, analisou a jornalista.
Programação
O ato desta quarta-feira faz parte das ações previstas na mesa de seguimento adotada no âmbito da implementação das Medidas Cautelares 449-22, outorgadas pela CIDH, e foi idealizado juntamente com os representantes do caso na esfera internacional e os demais órgãos estatais participantes.
Para cumprimento das Medidas, o MPI construiu uma parceria com o MDHC e as organizações da sociedade civil citadas para dar visibilidade ao caso, uma vez que ele trata de assuntos contemporâneos que ainda afligem a região e ainda necessitam de resolução.
A abertura do evento ainda contou com pronunciamentos de representantes da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai); União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Unijava), Artigo 19, Instituto Vladimir Herzog e da CIDH. Após as falas iniciais, foi realizada uma mesa redonda sobre “A memória no Vale do Javari a partir da luta dos defensores de direitos humanos, comunicadores e ambientalistas”. Participaram da mesa representantes da Defensoria Pública da União (DPU), do Observatório dos Povos Indígenas Isolados (OPI), entre outros.
Documentário
Após os pronunciamentos e discussões, foi exibido o documentário “Vale dos isolados: o assassinato de Bruno e Dom”. Lançado em 2023, com roteiro de Cristine Kist e direção da jornalista Sônia Bridi, da Globo, o documentário “Vale dos Isolados” aborda o assassinato dos ativistas como sinal da negligência do Estado e como parte de um ciclo histórico de violência no Vale do Javari. O filme recebeu o prêmio Vladimir Herzog de melhor produção jornalística em vídeo e é o resultado de um consórcio envolvendo 16 veículos de comunicação de várias partes do mundo.
A equipe responsável pela obra audiovisual passou mais de três meses fazendo entrevistas e registros no local, como o caminho feito pela dupla antes de ser emboscada e detalhes do aliciamento de ribeirinhos e indígenas para o tráfico. O duplo homicídio revelou a jornada de dois profissionais que se converteu em um marco da luta pelos direitos dos povos indígenas e da preservação do meio ambiente.
Vale do Javari
Localizado no estado do Amazonas, na fronteira com o Peru e a Colômbia, o Vale do Javari possui 8,5 milhões de hectares demarcados, com homologação concluída em 2001. A região é reconhecida por concentrar a maior quantidade de povos isolados do planeta.
De acordo com informações de 2020 do Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) Vale do Javari, habitam a região cerca de 6.300 indígenas, distribuídos em 48 aldeias das etnias Kanamari, Kulina-Pano, Matis, Matsés, Korubo, Tsohom Djapá e Marubo, além da presença de povos isolados.
Por ser uma região de fronteira, o Vale do Javari se tornou rota do tráfico de entorpecentes, provenientes da Colômbia e do Peru, e de escoamento de caça, pesca e recursos naturais extraídos sem autorização.
Assassinatos
No dia 05 de junho de 2022, o indigenista Bruno Pereira e o jornalista britânico Dom Phillips foram vítimas de uma emboscada ao realizarem uma expedição no Vale do Javari, palco de conflitos em decorrência do tráfico de drogas e extrativismo ilegal.
Bruno Pereira atuou como coordenador de Povos Isolados e de Recente Contato da Funai, porém, foi exonerado em 2019, depois de anos mapeando o crime organizado nas imediações e participando de ações para coibir atividades ilícitas. Ele colaborava com a Univaja quando foi morto. O caso não foi o primeiro na região. O servidor da Funai Maxciel Pereira dos Santos também foi assassinado em uma emboscada no Vale do Javari, em 2019.
Dom Phillips, que trabalhava como correspondente do jornal britânico The Guardian e escrevia um livro sobre como salvar a Amazônia, e Bruno investigavam um arranjo criminoso dedicado à pesca indevida. Eles foram vistos pela última vez ao se deslocarem, de barco, da comunidade de São Rafael até o município de Atalaia do Norte, onde encontrariam lideranças indígenas. Os corpos foram encontrados enterrados em mata fechada, próximos à calha do Rio Itacoaí.
Investigações da Polícia Federal apontaram o chefe de uma organização transnacional armada, Rubens Villar Coelho, conhecido pelo apelido Colômbia, como mandante dos homicídios. Ele está preso, assim como seu segurança pessoal, Jânio Freitas de Souza, e aguarda julgamento com os demais acusados, Jefferson da Silva Lima e os irmãos Amarildo e Oseney da Costa de Oliveira.