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Na sede da ONU, em Nova York, Sonia Guajajara defende liderança indígena no processo de Justiça Climática
- Foto: Leo Otero | Ascom MPI
Iniciada no dia 6 de abril, a ministra dos Povos Indígenas encerrou a segunda missão internacional diplomática de 2024 com um discurso realizado no Plenário Principal da ONU, na segunda-feira (15), em Nova York, na Cerimônia de Abertura do 23º Fórum Permanente das Questões Indígenas. Durante sua fala, Sonia Guajajara defendeu a Justiça Climática e disse que cerca da metade dos minerais da transição energética estão em territórios indígenas, assim como boa parte do potencial de energia renovável. Consequentemente, isso exige a presença dos povos indígenas nas negociações ambientais.
“Não se pode permitir que isto leve a mais violações [de diretos indígenas]. Podemos pensar em estratégias políticas e projetos de energia renovável liderados por indígenas como elementos integrais da transição energética. Tais iniciativas, assim como as demais pensadas a partir da gestão dos territórios dos povos indígenas, promovem capacitação econômica e coesão social. Temos que falar da Justiça Climática. Não é possível imaginar o racismo ambiental crescer neste processo. Temos que mostrar que a extrema direita e os negacionistas climáticos crescerão se aumentarem as desigualdades sociais com as mudanças do clima”, defendeu a ministra.
Guajajara ressaltou que além da proteção e regularização das Terras Indígenas, os povos precisam de apoio para seguir na linha de frente da proteção. Portanto, ela pediu por integração da agenda ambiental com a agenda dos direitos humanos para proteger ambientalistas e a promoção de consultas para garantir o consentimento livre, prévio e informado aos indígenas, previstos na normativa 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). A ministra indicou a COP30, a ser realizada em Belém-PA, em novembro de 2025, como epicentro da promoção da agenda socioambiental indígena.
A ministra defendeu a incorporação de conhecimentos ancestrais, como os sistemas alimentares, ao conhecimento científico e o fortalecimento das línguas, da cultura e dos modos de vida indígenas. “É necessário fortalecer a juventude, aumentar o protagonismo das mulheres indígenas e reconhecer os direitos das pessoas com deficiências. Tudo isto só será efetivo se conseguirmos crescente participação dos povos indígenas como tomadores de decisão. Não só nos espaços internacionais como também nacionais”, frisou a ministra.
Parte do corpo consultivo do Conselho Social e Econômico da ONU, o Fórum Permanente sobre Questões Indígenas foi criado no ano 2000 para tratar de temas relacionados ao desenvolvimento econômico e social, cultura, meio ambiente, educação, saúde e direitos humanos dos indígenas. A ministra já participou de várias sessões do Fórum como liderança da sociedade civil. Em 17 de abril do ano passado, ela compareceu à 22ª sessão já como ministra dos Povos Indígenas do Brasil.
Lacunas de financiamento
O tema do encontro direcionou os holofotes para os direitos indígenas de buscarem livremente o próprio desenvolvimento econômico, cultural e social sem interferência externa, assim como a valorização das vozes da juventude indígena. A ONU aponta que para concretizar a liberdade de autodeterminação dos povos indígenas é preciso acesso à financiamento, consolidação de direitos conquistados e participação em estruturas governamentais.
Ainda assim, a ONU destaca que o financiamento, em particular a assistência proveniente de recursos do exterior, fica muito atrás das necessidades reais dos indígenas. “Embora os povos indígenas sejam guardiães de 80% do que resta da biodiversidade, fundos para o direito de posse e manutenção de suas terras representam menos de 1% do auxílio para o clima internacional”, destacou no release oficial do Fórum Permanente.
Outros pontos destacados pelas Nações Unidas como centrais para os problemas enfrentados pelos povos indígenas são a falta de investimento em mulheres e meninas indígenas. O Fórum reforçou a necessidade de atenção especial para a promoção de iniciativas lideradas por mulheres indígenas para o fortalecimento de direitos econômicos, a fim de empoderá-las. A existência de estereótipos que reforçam a discriminação racial também foi indicada como algo nocivo que ainda prejudica as populações indígenas.
Outra complicação mencionada, foi a dificuldade de coleta e análise de dados para viabilizar doações diretas para populações indígenas, especialmente quando estão destinadas a mais de um grupo ou povo de uma só vez. A falta dessas informações reforça a insuficiência do financiamento que acomete diversas iniciativas e demandas indígenas. Segundo a ONU, a solução está na implementação de mecanismos que eliminem obstáculos burocráticos e assegurem que os povos indígenas tenham autonomia ao conduzirem suas ações.
Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA)
Além de participar como uma das vozes indígenas que abriram o evento, ao lado David Choquehuanca, vice-presidente da Bolívia, e Hindou Oumarou Ibrahim, presidente do Fórum Permanente de Questões Indígenas, a ministra Sônia Guajajara participou de uma ação paralela da OTCA voltada à promoção do mecanismo indígena amazônico.
A Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou em dezembro de 2022 a Resolução A/77/439, que concede à Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) o status de Observadora Permanente, ou seja, garante o direito da entidade de participar das sessões e trabalhos da ONU e permite interação com órgãos privados e públicos no cumprimento de objetivos.
Desenvolvida pela Bolívia e apoiada pelos demais países membros da Tratado - Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela -, a resolução institui a OCTA como única organização formal para conduzir o processo de desenvolvimento sustentável da Amazônia.
Durante a reunião da OTCA, Guajajara defendeu a instalação de um Grupo da Trabalho interno para mobilizar e organizar os povos indígenas para a COP30 com o intuito de deixar um legado relevante, com a representação indígena mais histórica das Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas. “A estruturação imediata desse Grupo de Trabalho serve para que nós possamos fazer esse debate mais aprofundado e trazer os temas que serão debatidos na COP 30. Não podemos permitir que se confundam o tema da bioeconomia apenas como uma forma de mais uma vez colocar preços nos produtos da socio biodiversidade praticada e construída pelos povos indígenas.”