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Em sessão solene, Sonia Guajajara convoca indígenas a ocuparem cargos políticos
- Foto: Washington Costa
Requerida pela deputada Célia Xakriabá (Psol-MG), a Câmara dos Deputados realizou, na terça-feira (23), uma sessão solene no Congresso Nacional em homenagem aos 20 anos do Acampamento Terra Livre (ATL). Durante a solenidade, a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, lembrou da proximidade do período eleitoral municipal e convocou o movimento indígena a expandir a representatividade social na política por meio da eleição de políticos indígenas.
A sessão foi marcada por uma sucessão de pronunciamentos de autoridades do Ministério dos Povos Indígenas, de deputados, lideranças indígenas e representantes de entidades do movimento indígena. Diversos nomes da causa indígena, como Galdino Pataxó, morto queimado por cinco jovens, em Brasília, no ano de 1997, e Nega Pataxó (Fátima Muniz de Andrade), assassinada no sul da Bahia em janeiro de 2024, foram homenageados.
“Precisamos eleger vereadoras, vereadores, prefeitas e prefeitos nos nossos municípios e essa base eleitoral nos dará mais vozes e mais legitimidade em nossa luta”, afirmou Guajajara. Ela lembrou os esforços do ATL para barrar a PEC 215/2000, cujo propósito era transferir a competência de demarcação de Terras Indígenas da União para o Congresso, e celebrou o fato de os indígenas não terem sido recebidos por balas de borracha e gás de pimenta para a sessão em decorrência da mudança de postura do Estado brasileiro.
Organizado entre segunda e sexta-feira (22 a 26), o ATL tem a expectativa de reunir de seis a sete mil indígenas de todo o país em Brasília. O Acampamento sempre ocorre no mês de abril, reconhecido como o mês de grande mobilização indígena para a conquista de direitos. A maior demanda apresentada pela iniciativa é a demarcação de território. Portanto, o tema do ATL é “Nosso marco é ancestral”.
“O ATL não é mais a maior movimentação indígena do país e sim do mundo. Isso é uma conquista. Nos 20 anos de Acampamento, estive à frente das mobilizações por dez anos. Foi essa força coletiva que criou o MPI e mudou a FUNAI. É essa plurietnicidade dos nossos povos que enriquece nosso país. Aliás, nós somos a constituição desse país”, declarou a ministra em seu discurso no Plenário.
De 2004 para cá, ano de inauguração do ATL, o total de 67 Terras Indígenas foram homologadas, sendo dez delas finalizadas nos primeiros 16 meses de atuação do MPI. Ainda assim, 254 territórios em alguma etapa de demarcação seguem na fila para serem homologadas e ainda há áreas que não tiveram os processos de início de demarcação oficializados. Lembrando que a demarcação é prevista na Constituição de 1988 como um direito indígena que deveria ser concluída dentro do período de cinco anos.
Só a luta faz a lei
Neste contexto, em um ato histórico, o Plenário da Câmara, que comporta 513 deputados, foi tomado por mais de 500 indígenas portando cocares e pinturas corporais, o que trouxe um peso simbólico ao preencher o coração político com centenas de lideranças indígenas. Entretanto, apesar de haver motivos para comemorar, o movimento indígena utilizou a ocasião para protestar contra as decisões tomadas no Congresso que perpetuam a condição de exclusão e extermínio dos indígenas brasileiros, como a tese do marco temporal.
“Foi em 2004 que o movimento trouxa para cá [no ATL] a reinvindicação da ratificação da convenção 169 da OIT [Organização Internacional do Trabalho] e hoje, passado 20 anos, já colhemos resultados daquelas demandas e seguimos lutando por espaço na sociedade brasileira ao mostrar nossa capacidade de assumir cargos importantes”, disse Joenia Wapichana, presidenta da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI) e primeira deputada federal indígena eleita. A Convenção assinada pelo Brasil prega a consulta aos povos indígenas em matérias que o afetem.
“Viemos aqui dizer que a prioridade é quebrar barreiras. O marco temporal não deixa uma obrigação constitucional, que é demarcar, proteger e fazer respeitar nossos bens, ser cumprida. A obrigação de cuidar de nossas terras também é do parlamento”, defendeu a presidenta.
Coletiva
Antes da sessão solene, uma coletiva de imprensa foi realizada no salão verde da Câmara dos Deputados. Célia Xakriabá abriu a coletiva e cobrou celeridade em cerca de dez projetos de interesse da agenda indígena que estão tramitando no Congresso. Eles versam sobre saúde, segurança para mulheres indígenas, acordos ambientais e instituição de políticas públicas.
“Tenho falado aqui, nesse Congresso, todas as gravatas não podem sufocar o pensamento dessa casa. Os voos que os parlamentares pegam semanalmente não podem desconectá-lo do chão porque não existe economia, soja ou parlamento se não existir planeta”, protestou a deputada, que pediu o fim da tese do marco temporal ao classificá-la como econômica e política.
“Prometeram segurança jurídica com o marco temporal e o que estamos vivenciando é uma profunda guerra nos territórios indígenas que assassinaram lideranças no Mato Grosso do Sul e na Bahia”, reforçou a deputada.
Conforme o relatório “Conflitos no Campo de 2023” da Comissão Pastoral da Terra, publicado na segunda-feira (22), ocorreram 2.203 conflitos por disputa fundiária no Brasil. Os fazendeiros foram apontados como os principais responsáveis pela violência (31,2%). A seguir vêm os empresários (19,7%), o governo federal (11,2%), grileiros (9%) e os governos estaduais (8,3%).
Os indígenas fazem parte do grupo que sofreu mais violência em 2023. De 31 homicídios, 14 eram indígenas.