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Em ato histórico, MPI retoma atividades do Conselho Nacional de Política Indigenista
- Foto: Leo Otero | Ascom MPI
Durante a 1ª Reunião Ordinária do Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI), o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) realizou a cerimônia de posse dos membros da entidade nesta quarta-feira (17), no Salão Negro do Palácio da Justiça, em Brasília. A ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, e Dinamam Tuxá, coordenador-executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), foram escolhidos como presidenta e vice-presidente do CNPI, neste primeiro dia de reunião do Conselho. Ceiça Pitaguary, responsável pela Secretaria Nacional de Gestão Ambiental e Territorial (SEGAT) do MPI, se tornou a primeira suplente da SEGAT no CNPI e presidiu a sessão durante a parte da tarde.
Após cinco anos de extinção pela gestão passada, a retomada do colegiado consultivo paritário, conforme prevê o decreto presidencial n° 11.509/2023, é uma conquista da participação democrática indígena na elaboração, acompanhamento, monitoramento e deliberação sobre a implementação de políticas públicas destinadas aos 305 povos que habitam o Brasil.
"Hoje, não são as balas de borracha as nossas anfitriãs. Hoje é o dia de retomada. Retomar é recuperar algo que nos foi tomado. Existência, território, línguas, rituais, cultura, costumes, saberes, pertencimentos, reconhecimentos e até nossas próprias vidas. Estamos retomando essa instância legítima no âmbito do estado brasileiro para discutir e fazer política com espírito e esperança renovados", declarou a ministra Sonia Guajajara no discurso de reabertura do Conselho.
No evento, foi feita a apresentação dos 64 representantes do conselho consultivo, incluindo 30 indígenas, 30 indicados pelos ministérios, autarquias e órgãos do governo, além de quatro organizações indigenistas. Houve também a assinatura dos termos de posse e a leitura, o debate e a aprovação do regimento interno do CNPI. Diferente da primeira versão, que durou de 2015 a 2019, o Conselho atual conta com representantes indígenas de todos os estados brasileiros.
Os membros indígenas do CNPI foram eleitos por meio do programa "Participa, Parente!", do MPI, cujo principal objetivo é promover etapas de escutas junto aos povos indígenas para obtenção de demandas, informações e realização de consultas prévias. Desse modo, o intuito é obedecer a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). A normativa que tem o Brasil como signatário prega o envolvimento dos povos indígenas nos processos de construção de políticas que os afetam.
De novembro de 2023 a abril de 2024, oito encontros ocorreram de maneira descentralizada para abranger regiões do território nacional, conforme divisão observada pelos indígenas. Ao todo, foram escolhidos pelos próprios indígenas o total de 90 representantes para a composição do CNPI, sendo 30 titulares, 30 suplentes e mais 30 como a segunda leva de suplentes. As reuniões serão promovidas quatro vezes ao ano.
Reconhecimento
A presidenta da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Joenia Wapichana, definiu a reconquista do CNPI como uma honra e um avanço no reconhecimento da necessidade de ter indígenas ocupando assentos importantes para a proposição coletiva de políticas de interesse dos povos indígenas.
"Depois de uma gestão de negacionismo e exclusão, temos como nova função a participação democrática na reconstrução do país e do desenvolvimento que queremos em nossas casas e comunidades. Nossa função é executar [as políticas] com o jeito dos povos indígenas", disse a presidenta.
Segundo Dinamam Tuxá, o CNPI vem para somar ao governo na luta pela derrubada do Marco Temporal e para manter o governo em constante diálogo e alinhamento com as bases indígenas. Ele também comemorou o fato de o governo ter atendido o anseio dos indígenas em ter representantes em cada estado do país.
"Diante do desmonte da política indigenista e ambiental, vamos levar no mínimo 20 anos para reconstruir principalmente o cenário de demarcação territorial indígena, em um contexto contínuo de violência e de mazelas sociais. O Estado brasileiro tem a missão institucional de sanar a violação de direitos e promover a garantia de nossas terras", defendeu Dinamam.
Histórico
Em abril de 2024, o movimento indígena comemora 20 anos de realização do Acampamento Terra Livre (ATL) pelas mãos do movimento indígena. Foi no ATL que a criação de um conselho que avaliasse políticas indigenistas, vinculado ao Palácio do Planalto, surgiu como uma das principais reivindicações.
Em 2006, através de um decreto presidencial, houve a instituição da Comissão Nacional de Política Indigenista, que tinha a prerrogativa de elaborar o projeto de lei para a criação do CNPI, para então integrar a estrutura do Ministério da Justiça (MJ). Em abril de 2007, a Comissão foi nomeada e funcionou com reuniões a cada dois meses. A composição contava com 13 representantes do governo, três da presidência, dois do MJ e oito de outros ministérios. Ao todo, 20 indígenas representavam as regiões do país com dois representantes da sociedade civil.
A Comissão tinha caráter temporário e demorou anos para alcançar o status de conselho. Duas das principais pautas da Comissão foram as discussões sobre a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e a apresentação de um novo estatuto dos povos indígenas, que foi entregue ao Congresso para substituir o PL 2.057/1992. Desatualizado, o estatuto foi alvo de consulta e de oficinas feitas nas várias regiões do país entre 2008 e 2009. O texto original foi submetido em plenária do ATL.
Já em 2010, o decreto 7.056 reestruturou a Funai sem a participação da Comissão, portanto, sem presença de indígenas. Contudo, em dezembro de 2015, por meio do decreto n° 8.593 assinado pela presidenta Dilma Rousseff, foi criado o CNPI para controlar as ações do estado referentes aos povos indígenas. Essa versão possuía 45 componentes - 15 do poder executivo federal, dois de entidades indigenistas e 28 representantes dos povos e organizações indígenas.
Em abril de 2016, o Conselho foi instalado e viveu durante três reuniões, pois logo Dilma Rousseff sofreu o Impeachment. Os anos seguintes foram marcados por uma sequência de ações contra os povos e direitos indígenas, com um governo, empossado em 2019, abertamente anti-indigenista, que rotulou os indígenas como empecilho ao desenvolvimento do Brasil.
A co-fundadora da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (ANMIGA) e conselheira titular do CNPI, Braulina Aurora Baniwa, afirmou que a presença e luta de uma ministra, deputados, vereadores e lideranças femininas abriram caminho para os indígenas ocuparem lugares estratégicos na tomada de decisões.
"Com a retomada [do CNPI], superamos a situação em que políticas públicas voltadas a nós não eram pensadas por indígenas. São anos de luta pela nossa visibilidade e por nossas vozes em diferentes espaços. Como mulheres, queremos ser ministras, presidentas e reitoras. Como indígenas, queremos escolher nosso destino", disse Braulina.
Confira a lista de conselheiros do CNPI publicada no Diário Oficial da União da quarta-feira (17)