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MPI participa do Tribunal Popular da Ferrogrão, promovido por povos indígenas impactados pelo empreendimento
Representantes indígenas dos povos povos Kayapó, Munduruku, Panará, Xavante, Apiaká, Arapiuns, Tupinambá, Kumaruara participam do Tribunal Popular da Ferrrogrão - Foto: Ascom | MPI
Numa demonstração de unidade, representantes dos povos indígenas, quilombolas, assentados, ativistas ambientais, acadêmicos e especialistas se reuniram na última segunda-feira (4) em Santarém (PA), para o Tribunal Popular da Ferrogrão, que julgou e condenou simbolicamente o projeto de ferrovia previsto para ligar Sinop (MT) a Itaituba (PA) e ampliar o escoamento de soja, milho, e seus derivados pela região Norte do Brasil, barateando sua exportação. Estiveram presentes representantes dos povos Kayapó, Munduruku, Panará, Xavante, Apiaká, Arapiuns, Tupinambá, Kumaruara, além da equipe da Secretaria Nacional de Gestão Ambiental e Territorial do Ministério dos Povos Indígenas, representada pela secretária Ceiça Pitaguary e pela assessora Elis Nascimento.
O julgamento abordou três temáticas nas acusações contra o réu, representado por um saco de soja com o nome das grandes empresas do agronegócio: a consulta prévia, livre e informada aos povos indígenas; as falhas dos estudos de impacto ambiental do projeto; e os impactos que já estão em curso antes mesmo do início da construção da ferrovia.
Em seu discurso, a líder indígena Alessandra Munduruku declarou que os povos indígenas estão sendo violados em seu direito de serem consultados. “A Ferrogrão só faz audiências nas cidades, como Itaituba, Sinop e Novo Progresso, mas não dentro das aldeias. Nossos povos Munduruku, Kaiapó, Panará temos protocolos de consulta e precisamos ser respeitados”, disse.
Kleber Karipuna, coordenador-executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e representante da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB) , disse que a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário e que garante a consulta prévia, livre e informada dos indígenas sobre os empreendimentos que atingem os seus territórios, tem força de lei no país, mas não está sendo respeitada, e que o processo de consulta deve ser conduzido pelo governo e não pelos empreendedores.
A Secretária Nacional de Gestão Ambiental e Territorial Indígena do Ministério dos Povos Indígenas, Ceiça Pitaguary, acompanhou o Tribunal Popular e analisou o desafio político que envolve o projeto. “Conseguimos colocar um governo de esquerda, um governo popular, mas não conseguimos a mesma proeza de colocar também no Congresso deputados e senadores que sejam aliados da causa indígena, que possam somar ao que propomos como Ministério”, disse. “Mas o que temos de alinhamento da nossa ministra e da Funai é que os povos indígenas têm de ser escutados. Têm que colocar seu testemunho, tem que ter consulta livre, prévia e informada. É isso que defendemos enquanto Ministério”, disse, reforçando que houve um alinhamento entre MPI e o Ministério dos Transportes de escutar todas as vozes dos que se sentirem impactados pelo projeto. “Iremos até o final defendendo os direitos dos povos indígenas, que é para isso que o Ministério foi criado”.
Outra questão abordada durante o julgamento foi os impactos sociais e ambientais do projeto, como o aumento da especulação fundiária, a grilagem de terras públicas, e o desmatamento. O representante da Comissão Pastoral da Terra (CPT) falou sobre a especulação imobiliária que já ocorre na região de Itaituba, com vários empreendimentos urbanos chegando perto de aldeias, afetando a pesca e o modo de vida local. Há também o crescimento da especulação dos aluguéis nas cidades e pressão sobre agricultores para venderem suas terras, além das ameaças à vida de lideranças locais.
O projeto da Ferrogrão foi objeto de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) por prever por lei, aprovada a partir de uma Medida Provisória (MP) do então presidente Michel Temer, a diminuição de 862 hectares do Parque Nacional do Jamanxim, no Pará, para destiná-los às faixas de domínio da ferrovia e da BR-163. Em 2021, o ministro Alexandre de Moraes suspendeu a eficácia da lei, por entender que o território de unidade de conservação não pode ser alterado por meio de uma MP, e suspendendo também os processos relacionados à Ferrogrão. Em maio de 2023, o ministro autorizou a retomada do projeto, e deverá em março agora decidir sobre o caso.
O Tribunal Popular foi organizado pela APIB, COIAB, Comissão Pastoral da Terra (CPT), Associação Pariri, Instituto Kabu, Movimento Tapajós Vivo, GT Infra, Amazon Watch, Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), além das organizações Fase e Stand Earth.
*com informações do site do STF