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MPI se alinha com Arquivo Nacional para organizar e disponibilizar acervo da Funai e órgãos indigenistas extintos
- Foto: Albino Oliveira
Durante a Oficina de Gestão Documental e Arquivística, realizada em Brasília, na sexta-feira (26), foi definido que o Ministério dos Povos Indígenas (MPI); o Arquivo Nacional (AN), órgão ligado ao Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos (MGI), e a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) criarão um Grupo de Trabalho (GT) para firmar um Acordo de Cooperação Técnica (ACT), cujo foco será construir uma política de gestão documental e arquivística com ênfase no direito à memória e às histórias dos povos indígenas.
Duas reuniões do GT serão conduzidas, uma em fevereiro e outra em março, para analisar a assinatura de um Acordo de Colaboração Técnica no mês de abril. O foco das reuniões será fixar prazos, cronograma e um plano de trabalho com ações para entregar produtos derivados a partir do ACT, que tem duração de 24 meses com possibilidade de renovação.
De acordo com Joziléia Kaigang, secretária substituta da Secretaria de Articulação e Promoção de Direitos Indígenas (Seart), o MPI vem dialogando com a Funai e o Arquivo Nacional desde o ano passado, diante da proposta de formular uma política de gestão de documentação institucional para salvaguardar a memória dos povos indígenas, assim como suas línguas, culturas e saberes ao promover ações a favor da justiça de transição.
“Estamos considerando nossas responsabilidades em relação ao movimento de construção da memória da verdade indígena. Precisamos compreender essa documentação institucional, por onde passa, quais os desafios para organizar o arquivo, como será gestada a documentação e como ela poderá atuar junto aos povos para compor a memória pela nossa perspectiva”, explicou Jozileia, após classificar os registros como comprovação da relação que se estabeleceu historicamente entre Estado e povos indígenas.
“Arquivos são importantes para nossa luta. Essa relação histórica foi pautada por uma regulação e os arquivos têm uma legitimidade. São a memória viva das violações que ocorreram com os povos indígenas”, resumiu.
Estado como instrumento
Conforme Julia Ospina, coordenadora de Promoção à Justiça de Transição Indígena, essa relação legitimou a violação dos direitos dos povos indígenas e se perpetua até os dias atuais, produzindo contextos que permitem a continuidade de ações criminosas pelas novas gerações.
“A presença indígena no governo atual, que se posiciona como produtor da política e registro documental institucional, cria uma relação em que o Estado será um dos instrumentos para o fortalecimento no processo da recomposição, dos seus modos de ser e do bem viver dos povos indígenas”, disse a coordenadora.
A oficina foi feita por Julia Ospina e pelo professor Eliel Benites, diretor do Departamento de Línguas e Memórias Indígenas (DELING), setor do MPI que vem articulando junto à Funai e ao Arquivo Nacional a construção da política de gestão de documentação institucional a partir da perspectiva dos povos indígenas.
“Como indígenas no espaço público, diante dessa parceria, temos como perspectiva compreender os fluxos de produção de documentos e refletir sobre como nós os produzimos, ao recebermos orientações técnicas e de gestão. As ações que adotamos precisam refletir na manutenção e no fortalecimento das identidades dos povos indígenas”, avaliou Eliel.
Força e Visibilidade
Para a Diretora-Geral do Arquivo Nacional do MGI, Ana Flávia Magalhães Pinto, é preciso que se estabeleça um esforço para firmar a gestão documental de acervos correntes intermediários, que são aqueles mais utilizados na administração pública em geral. No caso do MPI, ela citou a incorporação da Funai à pasta em 2023, porém, o órgão tem 56 anos de existência e 20 quilômetros lineares de documentos em comparação com um Ministério com apenas um ano de criação.
“A documentação trata da interação entre povos indígenas e o Estado brasileiro. Temos que pensar uma ação coordenada em que a agenda da memória indígena ganhe força e visibilidade para além das instituições”, disse a diretora do AN.
Segundo Artur Nobre Mendes, Coordenador-Geral de Gestão Estratégica da Funai, o órgão está há cerca de oito anos recolhendo e consolidando a documentação física do Fundo Funai, que está pulverizada em 39 coordenações regionais descentralizadas pelo país, para dar tratamento adequado, processamento técnico, disponibilização para acesso e classificação de itens que vão além dos registros em papel. O acervo conta com vídeos, gravuras, fotografias, peças, artesanato e outros objetos.
O acervo da documentação gerada pela Funai depois de sua criação, em 1967, deve estar completamente reunido em Brasília até o meio de 2024. O motivo da consolidação se deve à adesão da Funai ao Sistema Eletrônico de Informações (SEI), o que fez com que toda a documentação de 2015 em diante passasse a ser digital, mas isso não se aplica ao material produzido anteriormente.
“É preciso recolher e reunir tudo porque não temos pessoal e recursos para manter os arquivos em cada unidade. Foi uma escolha dolorosa, mas foi preciso para que não se percam. Por isso a conjunção de esforços é para superar recursos limitados”, afirmou Mendes. Ele acrescentou que ainda há uma massa documental gigantesca de outros órgãos indigenistas, extintos no passado, que o MPI herdou e datam desde a Proclamação da República.
“O que precisa ser feito é a salvaguarda da documentação e depois trabalhar para disponibilizar o acesso público. Pretendemos desenvolver um repositório de toda essa documentação para que as pessoas possam pesquisar de casa, com a internet”, descreveu o coordenador-geral.
Museu dos Povos Indígenas
Os demais fundos documentais absorvidos pelo MPI estão atualmente no Rio de Janeiro, no Museu do Índio - que aguarda decreto federal para ser renomeado como Museu dos Povos Indígenas. São fundos de órgãos que em algum momento da história do Brasil participaram da política de estado indigenista.
Portanto, estão incluídos os fundos: do Serviço de Proteção ao Índio (antecessor direto da Funai); do Conselho Nacional de Proteção aos Índios (CNPI); da Fundação Brasil Central, responsável pela expansão da fronteira e colonização na região do Mato Grosso e Rondônia, e da Comissão de Linhas Telegráficas Rondon, uma das primeiras atividades estatais de contato constante com povos indígenas.
Lucas Zelesco de Oliveira, chefe do Serviço de Gestão Documental da Funai, fez uma exposição do histórico de armazenamento da Funai na oficina. Para ele, a grande utilidade da parceria entre o Arquivo Nacional e o MPI está no fortalecimento de uma base para que haja organização e refinamento da documentação para dar retorno à sociedade.
Zelesco defende que haja uma estrutura organizacional de preservação e consulta, com regulamento e legislação que precisam estar incorporados às práticas da Funai. “Um pesquisador que se debruce sobre nossa documentação certamente conseguirá encontrar material que permita extrair elementos sobre a histórica violação de direitos e mostrar a necessidade de reparação aos indígenas.”