Notícias
Evento
MPI promove “Seminário Cultura e Justiça de Transição Indígena” para desenvolver estratégias de reparação histórica
- Foto: André Corrêa
Realizado pelo Ministério dos Povos Indígenas (MPI), entre segunda e terça-feira (11 e 12/12), no Auditório Paulo Nogueira, Anexo II do Palácio do Itamaraty, o Seminário Cultura e Justiça de Transição Indígena ouviu lideranças, instituições e convidados de diversos territórios do Brasil para nortear as estratégias do órgão, que visam fomentar o reconhecimento e o ensino de saberes e tradições, assim como estimular o processo de reparação das violações de direitos praticados contra os povos originários por empresas e pelo Estado.
De acordo com a secretária substituta de Articulação e Promoção de Direitos Indígenas, Joziléia Kaingang, os dados do Censo de 2010, que atribuem ao Brasil cerca de 305 povos indígenas com 274 línguas, demonstram que há elementos e características suficientes para a valorização da cultura dos povos originários, uma vez que resistiram por séculos de colonização e ainda preservam seus costumes e raízes.
“Justiça de Transição se refere ao reconhecimento do que foi feito com os povos indígenas na tomada de nossos territórios e das nossas culturas ao nos proibir de falar nossos idiomas, que correm risco de extinção. Vai além de um pedido de desculpas. O Estado precisa reconhecer o que foi feito conosco durante o período de colonização e o que é feito ainda hoje”, defendeu Joziléia.
A secretária defende que parte da reparação histórica precisa ocorrer em patamar simbólico, ou seja, que a memória indígena seja inserida como parte da memória social brasileira por meio de trabalhos, estudos e pesquisas com o propósito de enraizá-la como parte da cultura nacional.
Para sanar aspectos jurídicos da reparação, Joziléia afirmou que a união entre ministérios, como o de Direitos Humanos, Igualdade Racial e Justiça, deve resultar em medidas como a instauração de uma Comissão Nacional Indígena da Verdade. De acordo com a secretária, já há um diálogo interministerial para formular a Comissão junto ao ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida.
Cultura
O Seminário foi arquitetado pela Coordenação-Geral de Promoção de Políticas Culturais e pela Coordenação de Promoção à Justiça de Transição Indígena, com o intuito de fazer uma articulação entre representantes de etnias brasileiras e órgãos, como o Ministério Público Federal e o Ministério Público do Trabalho.
No primeiro dia do evento, a questão cultural ficou centrada na situação dos museus nacionais e na concepção atrasada dos não indígenas, que veem indígenas como os mesmos indivíduos sujeitos às condições de 500 anos atrás. Conforme representantes indígenas, os museus ainda preservam uma visão folclórica dos povos indígenas, sem apresentar abordagens contemporâneas, e há a necessidade urgente de repatriação de itens e artigos históricos que estão em entidades do exterior.
Segundo Daiara Tukano, artista plástica e mestre em direitos humanos, 85% do patrimônio artístico e antropológico indígena do Brasil está fora do país, sem os devidos cuidados e identificação. “Já a situação do acervo indígena dentro do país está em estado de calamidade. Precisamos urgentemente nos reorganizar para fortalecer nossos espaços de memória”, disse a artista.
A coordenadora-geral de Promoção de Políticas Culturais do Departamento de Línguas e Memórias indígenas, Chirley Pankará, frisou que a cultura é um importante elemento em laudos antropológicos para a demarcação de territórios e criticou as intervenções externas que ameaçam a permanência indígenas em suas reservas.
“Não se separa a cultura de território. Após tantos impactos envolvendo genocídio e ecocídio exigimos uma reparação que impeça a repetição do passado, pois ainda sofremos com a evangelização em aldeias, por exemplo, que desmerecem nossas crenças. Manter nossos costumes é algo garantido pela Constituição”, argumentou Chirley.
Itamaraty
O Ministério das Relações Exteriores apoia dezenas de ações culturais no exterior para promover a cultura indígena por meio de mostras, exposições e filmes. Atualmente, o Itamaraty vem desenvolvendo uma atuação diplomática para repatriar bens culturais importantes ao solo brasileiro.
“No começo de 2024, o raro manto Tupinambá [que atualmente está na Dinamarca] retornará ao nosso país, para o Museu Nacional. Outra iniciativa que deve ocorrer em breve é a repatriação de mais de 600 itens através de uma negociação entre o Museu dos Povos Indígenas, a embaixada do Brasil em Paris e a França”, relatou Marco Antonio Nakata, diretor do Instituto Guimarães Rosa.
Justiça de Transição
No segundo dia de Seminário, uma pesquisa investigativa da Universidade Federal do Pará, apoiada pelo Ministério Público Federal e Ministério Público do Trabalho, foi apresentada para expor as ações da mineradora Paranapanema na região amazônica. O relatório é referente a um recorte de 1864 até os dias atuais e registra as violações de direitos humanos perpetradas pela empresa no Amazonas, no Pará, em Rondônia e em Roraima.
“O Seminário é uma maneira de alinhar o que é justiça pela ótica indígena e assim definir como podemos recuperar territórios e a saúde da natureza, bem como estipular a punição aos envolvidos em casos de genocídio e a reparação ao coletivo e ao indivíduo indígena atingido. A proposta da ação é justamente apontar caminhos com o nosso olhar”, avaliou Eliel Benites, diretor do Departamento de Línguas e Memória.
Já a coordenadora de Promoção e Justiça de Transição Indígena, Julia Ospina, classificou o Seminário como uma oportunidade de ocupar espaços icônicos, como o Itamaraty, com “urucum e jenipapo” e tirar do papel necessidades dos povos indígenas.
“É um modo eficiente de entregarmos ao MPI o resultado de diálogos com a base de quem ocupa territórios, com movimentos sociais e entidades para efetuar nossas políticas públicas porque nossa missão é ‘aldear’ o Estado e ‘indigenizar’ a política.”