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Direitos Indígenas
MPI realiza seminário “Povos Indígenas e Direito Originário: 35 anos da Constituição Federal”
- Foto: Mré Gavião | Ascom MPI
Ocorreu nesta segunda-feira (08/10) no auditório Celso Furtado, no Ministério do Planejamento e Orçamento, em Brasília, o seminário “Povos Indígenas e Direito Originário: 35 anos da Constituição Federal”, promovido pelo Ministério dos Povos Indígenas (MPI) em colaboração com a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).
Na abertura do seminário, o secretário executivo do MPI, Eloy Terena, falou sobre a importância de se comemorar os 35 anos da Constituição num momento em que se deu, há algumas semanas, uma grande vitória dos povos indígenas no âmbito do Supremo Tribunal Federal, com a reafirmação do direito originário e o afastamento da tese do marco temporal. “A outra questão importante é que hoje podemos contar com um grande número de juristas indígenas discutindo o direito dos povos indígenas na academia e também na prática, o que é fundamental. Isso não era realidade talvez há 20, 30 anos”, disse. A abertura contou ainda com as falas de Joenia Wapichana, presidenta da FUNAI; Ceiça Pitaguary, secretária de Gestão Ambiental e Territorial Indígena, e de Jozileia Kaingang, secretária substituta de Articulação e Promoção de Direitos Indígenas.
Joenia Wapichana coordenou a primeira mesa com a participação do professor de direito da Universidade de Brasília José Geraldo de Souza Júnior, e dos advogados Paulo Pankararu, Fernanda Kaingang, e Paulo Machado Guimarães que discutiram a perspectiva pluriétnica da Constituição de 1988, que reconheceu a diversidade e pluralidade do povo e do Estado brasileiro.
Wapichana, que também é advogada, disse que o pluralismo jurídico e a diversidade cultural do país foram reconhecidos pela Constituição Federal e que esses princípios trazem muitas obrigações e desafios. “Esses desafios estão pairando sobre as nossas mesas, pois pela primeira vez é assegurada a participação de representantes indígenas dentro do sistema de gestão governamental, um sistema público, um espaço de tomada de decisão. Isso é importante”, disse Wapichana em relação à constituição do MPI, à atuação parlamentar indígena e a governança indígena na FUNAI.
O professor José Geraldo de Souza Júnior disse que, com a Constituição de 1988, o Estado não produziu nenhum direito para os povos indígenas, e sim reconheceu um direito que já existia. “Um direito que está inscrito nas tradições nos modos de ser e de existir, de produzir e reproduzir a sua existência e de pensar a sociedade e o mundo”. Segundo o professor, os dois artigos da Constituição referentes aos indígenas (231 e 232) traduzem esse direito e representam “um tremendo movimento revolucionário transformador da ideia de Constituição”. Os artigos seriam como um pedido de desculpas pelo momento colonial, pela desumanização e tutela dos indígenas, cujo pressuposto estava , segundo o professor, na definição dos indígenas como “silvícolas”. “Quer dizer, um subproduto da condição ecológica”, disse.
A advogada Fernanda Kaingang apontou que a população indígena do Brasil foi reduzida por uma chacina histórica de cinco séculos que ainda não terminou. “O extermínio permanece. Nossos povos são prova disso. No Mato Grosso do Sul, na Amazônia. Ouro banhado com sangue Kayapó, com sangue Yanomami e ferro banhado com sangue Krenak. Soja produzida com sangue Kaingang e necroprodutos no Mato Grosso do Sul com sangue Guarani Kaiowá. Essa é a realidade que nós vivemos e é por isso que essa Constituição Federal é tão preciosa para nós”, disse Kaingang, enfatizando que a cultura indígena depende da biodiversidade e da preservação do meio ambiente. “O território não é uma fonte de recurso para a gente. Ele é fonte de vida. O [Ailton] Krenak chama o Rio Doce de avô, e a gente chama a formiga de ancestral. A relação é completamente diferente. Então você explicar isso dentro do Congresso dominado por interesses econômicos, é um desafio perene”.
Paulo Pankararu, primeiro advogado indígena do Brasil, recordou os momentos da Constituinte quando foi para Brasília muito jovem com uma delegação dos povos indígenas do Nordeste. “Eu participei das campanhas de defesa de um novo capítulo sobre os direitos dos povos indígenas. Foi um momento muito rico, que inclusive influenciou a minha formação também. Depois de promulgada a Constituição, considerei que era importante fazer o curso de Direito e atuar como advogado”.
O advogado Paulo Machado Guimarães destacou vários embates jurídicos dos indígenas por seus direitos antes da promulgação da Constituição e disse que o texto da nova Carta é resultado da colaboração da antropologia, da atuação da igreja católica e da luta do movimento indígena. Segundo ele, os antropólogos reunidos na Associação Brasileira de Antropologia e outras organizações atuaram de forma sistemática, apoiando a causa indígena. Outra vertente de militância veio do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), como uma autocrítica da Igreja Católica sobre o processo de colonização. Mas, segundo Guimarães, o fundamental foi “a crítica que a prática do movimento indígena impulsionava”. “Os povos indígenas não admitiam ser tutelados porque a prática da tutela era abusiva. A FUNAI conduzia a tutela como se os indígenas fossem absolutamente incapazes. Esse me parece ter sido o fator mais candente à amálgama de todo esse processo”, disse lembrando da disposição do povo Kayapó de ir a Brasília acompanhar o processo constituinte. “A partir daí foi só o trabalho de mobilizar os povos indígenas de todas as outras regiões. E foi exatamente esse processo de mobilização que assegurou realmente a construção e a consolidação dessa Constituição pluriétnica. Parabéns à luta dos povos indígenas!”.
Mesa da tarde abordou a constitucionalização dos direitos indígenas
Retomando os trabalhos da tarde, o secretário executivo Eloy Terena coordenou a mesa Constitucionalização do Direito dos Povos Indígenas na CF/88 que reuniu o jurista Conrado Hubner, e as advogadas Samara Pataxó e Melina Fachin.
Samara Pataxó lembrou que, assim como Terena, foi de uma das primeiras gerações de indígenas que tiveram acesso à educação básica e que se formaram nas universidades. “Eu não aprendi sobre direito indigenista na faculdade, eu aprendi junto com a luta do movimento”, disse Samara destacando que a cada dia fica nítido que, de maneira intuitiva, os povos indígenas são constitucionalistas. “Nós somos também guardiões da Constituição, porque a gente, mesmo nossas lideranças que não sabiam ler nem escrever, e muitas que não falam português direito, sabem da importância de defender a nossa Constituição e os direitos ali reconhecidos”.
O professor e jurista Conrado Hubner disse que defender os direitos territoriais indígenas é antes de tudo defender o constitucionalismo. “Mas não qualquer constitucionalismo, não o constitucionalismo alemão, não o constitucionalismo americano, não o constitucionalismo francês nem australiano, é o constitucionalismo brasileiro. Porque esse constitucionalismo é muito particular”, disse Hubner, destacando que esse condicionalismo precisa ser teorizado e interpretado e que os advogados indígenas podem contribuir para isso. “Os povos indígenas, sobretudo quando se sujeitam à formação jurídica, arejam a formação jurídica e começam a produzir ideias que nos ajudam a elaborar”.
A advogada Melina Fachin refletiu sobre o diálogo entre a CF e o direito internacional que vem fortalecer os direitos constitucionais indígenas, como se dá no âmbito da Declaração das Nações Unidas sobre o direito dos povos indígenas, da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho e no sistema interamericano dos direitos humanos, além da jurisprudência das cortes internacionais que ajudam a promover direitos e evitar retrocessos.