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Entrevista
Ministra Sonia Guajajara em entrevista ao vivo para a rádio Voz do Brasil - 02/10/2023
Ouça aqui o audio do programa Voz do Brasil de 02/10/2023:
Mariana Jungmann: Começou hoje uma nova operação de desintrusão de terras indígenas, desta vez no Pará.
Luciano Seixas: Pessoas não-indígenas que ocupam irregularmente duas terras no estado vão ser retiradas em uma ação envolvendo vários órgãos.
Mariana Jungmann: E quem vai dar mais detalhes sobre essa ação é a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, que está aqui conosco ao vivo no estúdio. Boa noite, ministra.
Sonia Guajajara: Olá, boa noite! Boa noite, ouvintes aqui da Voz do Brasil.
Mariana Jungmann: Ministra, vamos começar explicando então qual é a situação hoje dessas duas terras indígenas no Pará que estão passando por esse processo de desintrusão, inclusive explicar o que é essa desintrusão e quantos indígenas vivem lá.
Sonia Guajajara: Bom, é uma operação que vai fazer a desintrusão, ou seja, a retirada de pessoas que hoje vivem ali de forma ilegal, dentro do território indígena. É o território indígena Apyterewa, e o território indígena Trincheira/Bacajá. Então é uma média de 2.400 indígenas que vivem ali nessa terra do povo Parakanã, povo Mebêngôkre, Kayapó e Xikrin. Então essas terras, a Trincheira/Bacajá foi demarcada ainda em 96 e a Apyterewa em 2007. Então, toda essa falta de fiscalização, de monitoramento, de proteção territorial ocasionou que aumentou essas invasões ali e nesses últimos anos aí, com forte incentivo, indução do governo passado, com essa narrativa de que iriam ser legalizadas as pessoas que ocupassem essas áreas. Acabou que aumentou muito, né? Então, hoje soma-se uma média de 2.000 pessoas que ocupam essas áreas.
Luciano Seixas: E essas pessoas estão irregularmente? São 2.400 dos povos originários e 2.000 invasores, é isso?
Sonia Guajajara: Exato. Lembra que na TI Yanomami era cerca de 30.000 indígenas e 20.000 garimpeiros. E agora no Pará está nessa mesma média, metade-metade.
Luciano Seixas: Na região, quais são as atividades que estão sendo realizadas lá dentro?
Sonia Guajajara: Olha, ali tem atividade pecuária, de pecuária, criação de gado, tem muito gado já ali dentro. Tem pesca ilegal, tem garimpo também. É uma região de forte garimpo ilegal. E plantio de monoculturas também. Então eu sei que não é uma situação fácil também, porque vai envolver ali governos municipais, parlamentares que se envolvem. Mas a gente sabe também que qualquer ocupação ilegal é crime, né? E precisa a nossa legislação brasileira ser cumprida. Então, o que hoje nós estamos fazendo é uma ação que cumpre uma decisão judicial, inclusive do Supremo Tribunal Federal, por meio de uma ADPF que é a ADPF 709 de 2020.
Mariana Jungmann: Pois é, ministra, no cumprimento dessa ação judicial a senhora falou… Vamos falar um pouco da desintrusão em si, então, para cumprir essa decisão judicial. A senhora mencionou que tem hoje gado lá, garimpo também, exige maquinário. Como é que está sendo feito esse processo, esse trabalho todo de retirada?
Sonia Guajajara: Foi feito um comunicado via rádios, via toda a comunicação local para as famílias saírem de forma voluntária e de forma mais tranquila possível, para poder não chegar já com essa repressão. Então foi feito esse comunicado já e agora foi instalado nesse final de semana o acampamento lá das forças de segurança, que vão ficar ali durante 90 dias. E envolve vários órgãos, tanto ministérios aqui do governo federal, a Secretaria-Geral da Presidência, o ministério dos Povos Indígenas, o ministério do Meio Ambiente, por meio do Ibama, a Funai, o Incra, que estão ali, inclusive para auxiliar essas famílias. E aquelas que foram indenizadas naquele período da demarcação, que foram indenizadas naquele período e não saíram ou voltaram, não serão mais indenizadas. Mas aquelas famílias que forem identificadas que ainda não foram beneficiadas, elas terão ali todo esse encaminhamento de reassentamentos, de serem assentadas e também políticas sociais.
Luciano Seixas: Ministra, qual é o objetivo desse trabalho? De que forma isso ajuda na defesa dos direitos dos povos indígenas?
Sonia Guajajara: Olha, você faz essa reintegração da posse de um território indígena. Então, com isso você traz ali o usufruto de forma mais tranquila dentro do território, né? Além de proteger a vida dos indígenas que estão e vivem esse conflito permanente ali, por conta dessas invasões, e também protege o meio ambiente, protege esse território. A Trincheira/Bacajá e a Apyterewa são campeãs de desmatamento dos últimos anos. São áreas campeãs, as duas que o ano passado explodiram ali com esse desmatamento e exploração ilegal do garimpo. E com isso a gente consegue fazer também essa restauração do meio ambiente e devolve o território para os povos ter ali usufruto, conforme as suas tradições e as suas iniciativas próprias.
Mariana Jungmann: A senhora mencionou vários órgãos governamentais que vão estar participando desse processo. E aí, depois que acabar o processo de retirada dos não-índios de lá, como é que fica? Esse pessoal continua lá? O governo vai continuar? O Estado vai continuar presente? Como é que vai ser?
Sonia Guajajara: Olha, é preciso continuar, viu? E a exemplo do que está sendo feito também ainda na TI Yanomami, de manter ali essa fiscalização, da mesma forma a ideia é manter ali toda essas ações de fiscalização para evitar a volta dessas pessoas para dentro do território. Assim como auxiliar… o ministério vai auxiliar os indígenas no plantio, nas suas iniciativas e também o Incra, o MDS, o MDA vai auxiliar essas famílias que serão retiradas do território.
Luciano Seixas: Prefeito. A gente está falando dessa situação em duas terras indígenas lá no estado do Pará. A senhora fez referência também aos Yanomami. Quantas operações dessas de desintrusão já foram realizadas até agora, ministra?
Sonia Guajajara: Nós fizemos a desintrusão na Terra Indígena do Alto Rio Guamá, também no estado do Pará, que foi de maio a junho desse ano. Já houve operação no Território Indígena Munduruku, também no Pará, no Território Indígena Uru-Eu-Wau-Wau, lá no estado de Rondônia, para além do Yanomami que segue. E nós temos uma lista de 32 terras indígenas a serem desintrusadas, com menos porte do que essa, porque essa é considerada uma das maiores invasões. E aí a gente vai seguir nesse mesmo ritmo, né, para fazer a desintrusão de 32 terras indígenas.
Mariana Jungmann: Agora, ministra, então, uma pergunta que vale tanto pra essas duas que estão passando por esse processo agora quanto pras outras. Por que a necessidade então de retirar os não-índios? Qual é o prejuízo que essa convivência dos indígenas com os não-indígenas causa para as comunidades tradicionais?
Sonia Guajajara: Então, o território indígena é um bem da União. É uma terra pública. Os indígenas têm, legalmente, segundo a Constituição Federal, o usufruto exclusivo dessas terras. Esse ano, com toda essa movimentação de aprovar, não aprovar o marco temporal, com essa decisão do Supremo Tribunal Federal, essas disputas se acirraram muito. E agora, o que a gente quer é também acalmar, sabe? Mas também mostrar que não se pode permitir essa ilegalidade e a prática de ilícitos dentro desses territórios. Constitucionalmente, o usufruto é dos indígenas nesses territórios. E o que a gente vê é uma destruição absoluta. Essa exploração ilegal, o desmatamento, esses plantios de forma desenfreada, que desmatam hectares e hectares de áreas para dar lugar as monoculturas.
Mariana Jungmann: Os garimpos.
Sonia Guajajara: Os garimpos… Então traz um prejuízo enorme o uso ilegal, predatório da terra, não só para os indígenas, mas para todo o meio ambiente e, consequentemente, para todas as pessoas.
Luciano Seixas: Em última instância, o que o ministério então quer é dar tranquilidade para os povos indígenas e para a sociedade brasileira em geral, garantindo a lei. É isso?
Sonia Guajajara: Exato. O que nós estamos fazendo é tudo legal. Está tudo dentro da legislação vigente brasileira. E essas terras, então, já têm uma determinação judicial. E o que nós estamos fazendo agora é articular para que se cumpra a lei. E aí a gente trabalha também com essa intenção de evitar a ilegalidade tanto dos indígenas para não estarem ocupando propriedade privada, como muita gente tenta dizer que a gente fica fomentando isso, que não é verdade. O que há é uma luta pela retomada do território tradicional. Então o indígena luta para ter de volta uma terra que era dele e que foi dada de forma ilegal, às vezes pelo próprio Estado. Da mesma forma que a gente também não vai concordar com a invasão e a exploração ilegal do território indígena. Então nós estamos fazendo tudo conforme a nossa própria Constituição.
Mariana Jungmann: Tá certo. Ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara. É sempre um prazer ter a senhora conosco aqui na Voz do Brasil. Obrigada pela sua entrevista.
Sonia Guajajara: Obrigada. Boa noite.