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Entrevista
Ministra Sonia Guajajara é entrevistada do Canal Empreender - 17/10/2023
Maria Paula: Bem-vinda, Sonia Guajajara!
Sonia Guajajara: Obrigada. Obrigada. Maria Paula, boa noite.
Maria Paula: Eu que agradeço. Sonia, você é uma pessoa que tem um peso internacional muito forte e agora você tem também um peso aqui dentro do Brasil, que é claro, ser uma ministra de Estado. E é muita responsabilidade, né? Então, primeiro eu queria saber como é que você está se sentindo com toda essa novidade. Já tem quase um ano, mas ainda é uma grande novidade. E eu queria também saber quais as políticas que vocês estão pensando para incentivar o empreendedorismo indígena no Brasil.
Sonia Guajajara: Sim. Então, primeiro também agradecer pela oportunidade, pelo espaço de estar aqui. Para mim é motivo de muito orgulho estar nesse lugar hoje, ocupando esse cargo de ministra de Estado dos Povos Indígenas. Primeiro porque é um ministério inédito. Segundo, porque fortalece esse protagonismo dos povos indígenas, da mulher indígena. E a gente tem essa oportunidade também de mostrar que nós, povos indígenas, podemos também fazer política. Podemos ajudar na construção desse país. E é uma oportunidade também da gente discutir, debater as questões indígenas no país, que ainda carece de muita compreensão, de muito conhecimento. Muitas pessoas não têm muita ideia nem do que é o empreendedorismo indígena. Então, primeiro é a gente tentar desmistificar essas ideias que muitas das vezes são até equivocadas em relação aos povos indígenas. Então, nós hoje falamos dessa presença indígena no Brasil. Estamos presentes nos 27 estados da Federação, de norte a sul do país. Muita gente ainda pensa que só tem indígena na Amazônia, se não no Amazonas. Então, nós estamos trabalhando muito ainda essa desmistificação sobre o que é o empreendedorismo indígena, que pode ser, inclusive, o que a gente faz para proteger a biodiversidade, para proteger o meio ambiente e entender que empreendedorismo não é somente ter um grande negócio, né? O empreendedorismo indígena pode ser a valorização do que as mulheres fazem, pode ser o quintal que é aqui que a gente planta pra garantir a segurança alimentar, pode ser nossas biojoias, nossas artesanato com potencial que também gera renda, né?
Maria Paula: Então gera identidade do povo brasileiro.
Sonia Guajajara: Exatamente. A nossa identidade é uma geração de renda. E essa valorização da cultura, né? Então é muito importante olhar o empreendedorismo também, nas suas mais diversas formas.
Maria Paula: E você é uma mulher que rompe barreiras, isso que você falou primeiro, não só como mulher, mas como mulher indígena, sendo um país que, pela primeira vez, gente, como demorou para ter esse ministério. E agora você está aqui trazendo todo esse novo olhar. E esse novo olhar vai impactar muito na vida. Você está contando aí de mulheres, por exemplo, mulheres que estão fazendo joias incríveis, mulheres que estão trabalhando com sementes, colhendo o açaí. Existem inúmeras formas de empreender de uma forma consciente, porque isso também é uma coisa muito linda que você traz, que é essa noção de que os povos indígenas, só de estar vivendo, eles já estão protegendo o planeta. Tudo o que eles estão fazendo já tem uma importância enorme nesse momento de crise climática que a gente está vivendo. E ainda por cima, claro, a Amazônia, por exemplo. A Amazônia não é só floresta, rio e bicho. Tem muita gente morando lá dentro. A gente precisa entender essas pessoas também, como pessoas que produzem riquezas para esse país. Então eu queria que você falasse um pouquinho de pequenas coisas que você vê já como ministra, que podem ser incentivadas para essas pessoas que estão começando a se entender como protagonista não só na cena como brasileiro respeitado, mas também como dono de negócio, com quem está fazendo negócio também.
Sonia Guajajara: Então, vou até aproveitar já para poder começar a divulgar, né? Vamos fazer aqui um festival que se chama “Festival Brasil é terra indígena”, que vai acontecer agora em novembro, dia 17 e 18 de novembro. E ali nós vamos trazer as pessoas empreendedoras indígenas, que vão trazer o que elas produzem, seja na produção cultural, seja na produção de alimentos, seja na produção de artes. E ali cada um vai mostrar um pouco dessa diversidade também, que é produzida dentro de territórios indígenas por mulheres, por homens, por jovens. E cada um vai trazer essa demonstração.
Maria Paula: O quê, por exemplo, as pinturas?
Sonia Guajajara: É vai ter a pintura, os artesanatos, vai ter os materiais mesmo, de móveis, de artes plásticas e muitas...
Maria Paula: Que dias de novembro?
Sonia Guajajara: 17, 18 de novembro.
Maria Paula: 17 e 18 de novembro, em Brasília.
Sonia Guajajara: E é uma forma da gente ir também trazendo essas pessoas para a visibilidade. E aí, além disso, vai ter também os produtores culturais, onde vamos fazer show com essa troca de artistas não indígenas com artistas indígenas.
Maria Paula: Como eu já houve várias vezes. Eu já subi em palco inúmeras vezes em palcos com Sonia no Brasil, no exterior, e é maravilhoso isso. Uma coisa que eu estou pensando aqui é que já fomos juntas para a COP em Paris, em Bonn, Marrakech.
Sonia Guajajara: Marrakech….
Maria Paula: Enfim, já estamos há muitos anos falando nesse tema. Mas, agora, olha que bonito você falar isso, como empreendedorismo nessa feira, porque, por exemplo, quando a gente pensa numa cidade inteligente, uma cidade que o vidro recebe calor e aí evita de você ter que usar um ar condicionado, existem milhares de formas que estão sendo discutidas internacionalmente para fazer coisas inteligentes, e o empreendedorismo indígena é muito inteligente. Por exemplo, nas pinturas vocês usam materiais que protegem, que são, ao invés de usar o inseticida, ao invés de usar uma coisa tóxica, vocês usam…
Sonia Guajajara: Urucum.
Maria Paula: Urucum. E isso protege. Então tem todo um mindset mesmo, uma mentalidade muito evoluída que vocês têm já muito na cultura de vocês, e que vocês podem oferecer para o mundo nesse momento de adaptação que a gente está precisando fazer.
Sonia Guajajara: É o que a gente chama de nossas tecnologias ancestrais. E são produtos naturais que a gente faz já utilizando o conhecimento tradicional, essa sabedoria milenar dos povos indígenas, que é usar sem destruir. Porque tudo isso a gente usa extraindo da natureza, do meio ambiente de forma sustentável. Eu acho que para além de pensar só o empreendedorismo do negócio, é você pensar também, hoje, a importância de se usar esses produtos, de gerar renda com sustentabilidade.
Maria Paula: Com sustentabilidade, com consciência, trazendo consciência e inteligência para os negócios que vão ser. Então eu acho que vocês têm muito, não só o que trocar, mas ensinar inclusive para um novo modelo civilizatório mais responsável, mais inteligente e que possa proteger melhor esse planeta que a gente vive. Eu fico super feliz de estar tendo a chance de conversar com você sobre isso, porque, e principalmente no Brasil, eu tenho olhinho preto e puxado. É claro que eu tenho sangue indígena aqui na terceira geração, muita, muita gente, a maioria do país tem, não só afro, como também indígena. E isso é uma outra coisa que eu sinto falta da gente falar sobre isso e eu procurar saber qual é, qual é a origem, de onde eu venho. E acho que isso é uma coisa que quando a gente traz, por exemplo, num festival como esse, onde a gente mistura os artistas, onde a gente fala esse tipo de coisa, a gente acende uma necessidade, uma luz, dentro dos corações e mentes da juventude nesse país inteiro. E aí, é claro, a pessoa tendo essa noção, vai querer proteger, vai querer dar força, vai querer participar dos movimentos. Então eu acho que a gente está vivendo um momento muito bonito aqui no Brasil, mas não posso deixar de falar no momento internacional também. O que foi a sua participação, agora, na semana de Nova Iorque? Eu vi imagens que eu fiquei toda arrepiada. Eu já fui com você várias vezes para Nova Iorque e a gente ia. Eu tinha que pedir emprestado o apartamento de um amigo que deixava a gente ficar. Hospedava a gente com o maior carinho. Agora chega a ministra, todo um tapete vermelho. Abre a ONU. Eu fico arrepiada de falar isso. É muito lindo isso acontecendo. É um reconhecimento internacional de algo que tem muito valor. Como foi para você a sua participação em Nova Iorque? Fala pra mim um pouco do peso que isso teve e do que você acha que isso vai repercutir aqui dentro também.
Sonia Guajajara: Então, essa semana é uma semana assim muito importante, para além de importante e muito necessária para se discutir hoje as questões climáticas, como combater essa crise climática que o mundo está vivendo. E eu já participo há algum tempo das Conferências do Clima que acontecem anualmente, e também da Semana do Clima. E esse ano claro que você percebe uma diferença gigante, né? Porque a gente chegar enquanto liderança é ótimo, né? Você tá ali com uma voz nos movimentos, você tá ali com a voz do povo, né? E quando você chega como ministra, você chega como uma autoridade do país, né? Então é muito diferente. E também eu acho que é um momento muito oportuno para que a voz indígena possa estar sendo reconhecida também como uma autoridade, não só como autoridade indígena, mas como uma autoridade climática, né? Porque hoje o mundo inteiro está discutindo, buscando formas de combater essa crise climática. E a gente traz, por exemplo, a demarcação das terras indígenas como uma das grandes alternativas para conter essa crise. Uma vez que, comprovadamente, os territórios indígenas funcionam como a grande barreira contra o avanço do desmatamento, contra a destruição da biodiversidade e contra as invasões. E aí ajuda muito a proteger, né? A proteger o meio ambiente e com isso pode contribuir significativamente para acabar com essa crise climática.
Maria Paula: Pra proteger todo mundo. Eu quase te interrompi porque eles estavam passando umas imagens com o Alok e com umas cenas incríveis. Conta como é que foi esse momento. Porque aí não é só a ONU, aí é você está em Nova Iorque, protagonizando uma cena completamente inédita e de uma forma linda. Era tudo tão lindo, tudo tão colorido. Subiram aqueles drones. Conta um pouquinho desse momento pra gente.
Sonia Guajajara: Você vê que hoje o que a gente faz é uma articulação assim com várias frentes, né? Porque não adianta só você falar que tem que ser assim, os indígenas protegem, que nem todo mundo escuta. Você tem que ter as várias formas de linguagem onde todos os públicos compreendam, né? Então a gente tá com essa articulação com artistas. O Alok está sendo um grande parceiro, ele gravou agora essa nova, esse novo disco que chama O Futuro Ancestral. Então é muito legal trazer essa valorização da ancestralidade, os indígenas. Então ele tá chamando a juventude também pra entender que, não é que todo mundo tem que virar indígena, mas entender que hoje quem está protegendo, né? Qual a importância de respeitar os modos de vida dos povos indígenas? Então, muito legal, né? Ali foi um momento que o mundo inteiro viu.
Maria Paula: E o que isso traz de solução, inclusive, para um momento difícil que a gente está tendo, pois está todo mundo vendo, Tá um calor realmente absurdo. E os eventos extremos? O Sul do país tá debaixo d'água, a Amazônia tá seca, o rio está seco. Eu nunca, nunca vi nessa época do ano ainda uma seca tão forte. Então, as evidências são muito claras e as soluções que vocês trazem também são muito claras. Então acho que essa é a hora que o mundo todo está ouvindo e está se preparando para usar de forma inteligente essas soluções que vocês estão trazendo. E essas soluções são muito amplas, inclusive uma coisa que eu acho linda, e que eu acho que tem a ver com esse empreendedorismo que você falou, o empreendedorismo que não precisa ser só negócio, mas pode ser também negócio, porque a gente precisa ter uma matriz energética mais limpa.
Sonia Guajajara: Mais limpa, né? Energia renovável.
Maria Paula: Exatamente. A gente precisa fazer essa transição, e vocês sempre foram quem puxou o bonde para essa conversa. Então, é um momento muito maravilhoso da gente estar tendo essa repercussão toda. E, por exemplo, quando a gente fala numa coisa de mimetizar com a natureza, está tendo uma tendência grande de grandes empresas. Na hora que eles vão criar um produto, ao invés de simplesmente criar da cabeça, olha como é o produto. O produto tem a ver com voo, olha como é que o passarinho voa. Tem a ver com prestar atenção. É uma coisa, uma atitude, que é muito mais inteligente. E vocês mostram isso o tempo todo. Então, acho que quando você traz novas possibilidades para as pessoas empreenderem. Esse novo olhar, de que não precisa ser só o lucro, que pode ser realmente com mais inteligência, com mais respeito não só à sociedade, mas também à natureza e aos rios. E, então, é todo um novo olhar que vocês são os protagonistas, sem dúvida nenhuma, nessa nova fase do planeta. O A-MEI é um programa que fala sobre microempresas, microempreendedores. Então, eu queria voltar para a gente pensar, a gente vai ter várias COPs, a gente vai ter uma COP em Belém do Pará. E muita gente está começando a empreender lá. Então, que recado você tem para esses empreendedores que vão fazer, vão receber esses, sei lá, 80.000 turistas que vão vir do mundo? Não turistas, vão ter, claro, autoridades, especialistas, mas vai ter gente também que vai lá pra comprar, pra levar uma lembrancinha.
Sonia Guajajara: Para conhecer a Amazônia…
Maria Paula: O que você fala para esses empreendedores que vão preparar Belém do Pará para essa COP 30, em 2025, já está aí.
Sonia Guajajara: É um momento de grande oportunidade para as pessoas locais, principalmente, que podem se preparar para mostrar a alimentação da Amazônia, né? O alimento típico do Pará mostrar...
Maria Paula: O que é? A gastronomia é peixe?
Sonia Guajajara: É peixe, é farinha, é beiju de mandioca. É o açaí.
Maria Paula: O açaí é um fenômeno, não é, Sonia? Conquistou o mundo. É impressionante.
Sonia Guajajara: Além de toda essa diversidade, mesmo, cultural que tem na Amazônia e que é produzida pelas pessoas, tem a alimentação, tem as roupas, tem o próprio artesanato, as artes.
Maria Paula: Deixa eu fazer mais uma interrupção, porque as roupas… Você e Célia Xakriabá estão revolucionando a moda no país, porque vocês estão mostrando coisas tão lindas, estão vestindo o tempo todo. Então teve a marcha de mulheres indígenas, a gente estava juntas nessa marcha, foi a coisa mais linda, teve desfile de moda. Então, vocês estão introduzindo elementos para além do negócio, mas que tem uma beleza, que tem sempre um senso estético e, além de tudo, ainda tem essa coisa da identidade, de país. Quem somos nós? Parar de ver o Brasil de fora pra dentro, começar a mostrar o Brasil de dentro para fora. Então fala um pouco dessa moda também.
Sonia Guajajara: Muitas e muitas mulheres, e não só mulheres, mas homens, LGBTs, estão investindo muito agora nessa identidade indígena por meio também das vestimentas, para além dos acessórios que a gente sempre usou, né? Mas a roupa com grafismo ou com estampas próprias que retratam a natureza, os animais ou mesmo povos. E é essa inserção mesmo, sabe, pra poder trazer essa identidade indígena para o mundo da moda, mostrando também que a moda pode ser mais sustentável. A gente sabe bem que a moda também é um dos setores que acaba consumindo muito sem se preocupar muito com a sustentabilidade.
Maria Paula: Poluindo… a indústria têxtil é muito poluidora.
Sonia Guajajara: Então a gente entra também, agora, não só com a com a estética, mas também com a conscientização. Conscientizando que é possível reciclar, que é possível valorizar também essas pequenas empresas, os pequenos negócios. Muitos indígenas iniciando, estão agora também já na Fashion Week, temos alguns artistas, alguns designers que já estão participando, e é isso, você também mostra aquilo que está para além só do ser, da pessoa indígena. Mas como a gente é com a alimentação, com as roupas e com a nossa cultura.
Maria Paula: E eu queria falar a noite toda, gente. Hoje, eu falei que o A-MEI ia ser especial, tinha que ser mais longo também. Já está acabando o nosso tempo, Sonia.
Sonia Guajajara: Ah, que pena.
Maria Paula: Sonia, quero te agradecer imensamente. Quero te dar parabéns. Quero te dizer que eu me orgulho de você, que você é uma mulher incrível. Você é uma liderança não só indígena. Você é uma liderança para todas as mulheres brasileiras. E lembrar a você que está em casa, que quando a gente fala em joia é muito mais legal a gente usar, não só porque é mais bonito mesmo
Sonia Guajajara: É semente.
Maria Paula: É semente. E essas marcas importadas, tudo bem, deixa elas lá. Mas a gente tem que valorizar o que é nosso, e que é tão lindo.
Sonia Guajajara: Além de ser bonita, é proteção, essas coisas trazem um pouco também dessa energia que vem de nosso povo.
Maria Paula: Além de tudo, ainda tem a proteção espiritual. Sonia, obrigada! Obrigada por ter vindo.
Sonia Guajajara: Obrigada, querida, muito obrigada.
Maria Paula: Mais do que nunca, eu amei o programa de hoje e boa noite!