Entrevista da ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, ao vivo para o Canal UOL
Fabíola Cidral (UOL): Comigo nessa entrevista, nossos colunistas Tales Faria e Leonardo Sakamoto. Olá, ministra Sônia Guajajara. Mais uma vez, uma honra recebê-la aqui no nosso espaço. Bom dia. Muito obrigada por aceitar o nosso convite.
Ministra Sonia Guajajara: Bom dia. Bom dia, Fabíola. Bom dia, Tales, Sakamoto, bom dia. Obrigada também, mais uma vez, por esse espaço.
Fabíola Cidral (UOL): Olá, Tales, bom dia pra você.
Tales Faria (UOL): Bom dia, Fabíola. Bom dia, Sakamoto. Ministra, seja bem-vinda.
Ministra Sonia Guajajara: Obrigada.
Fabíola Cidral (UOL): Olá, Sakamoto, bom dia.
Leonardo Sakamoto (UOL): Bom dia Fabíola. Bom dia, Tales. Seja bem-vinda, ministra.
Fabíola Cidral (UOL): Bom, e a ministra, que está em Nova Iorque, né? Inclusive, está na comitiva do presidente Lula, que amanhã tem um compromisso extremamente importante que é abrir a Assembleia Geral da ONU. Depois de 4 anos de governo Bolsonaro, que vários, em vários momentos quis falar sobre os povos indígenas lá, mas não levando realmente a voz dos povos indígenas brasileiros. E agora Lula vai e leva a Sônia Guajajara ao seu lado. Queria muito saber, ministra, qual a expectativa pra esse discurso de Lula? Se a senhora pode adiantar um pouquinho o que ele deve falar sobre a Amazônia, o que ele deve falar sobre os povos indígenas e essas conquistas desses últimos meses do nosso país em relação aos povos indígenas?
Ministra Sonia Guajajara: Sim, então. Certamente que há uma grande expectativa do Brasil e do mundo sobre esse discurso do Lula. Depois de 4 anos que a gente estava aí todo mundo nervoso, nesse momento, quando teria abertura da Assembleia Geral da ONU, e aí o Bolsonaro ia falar, a gente ficava, na verdade, temendo, né? Todo mundo até apreensivo sobre o que que seria. E agora é esse momento de Esperança, né? Esse momento que temos um Ministério dos Povos Indígenas pela primeira vez na história. Esse momento que o presidente Lula chega comprometido com a redução do desmatamento, com a retomada da demarcação das terras indígenas, com o combate à desigualdade no nosso país. E a ministra Marina Silva, à frente do Ministério do Meio Ambiente, também, totalmente comprometida, retomando aí as políticas que deram certo no período em que foi ministra, que é nesse programa de controle e combate ao desmatamento. E estamos juntas aqui nessa comitiva pensando e trazendo mesmo essas propostas concretas. E o compromisso do desmatamento zero até 2030, que acho que esse é um dos pontos, agora, mais fortes para a gente conseguir alcançar essa meta. E claro, homologamos oito terras indígenas agora, em oito meses de governo, com a perspectiva da gente avançar mais ainda este ano.
Leonardo Sakamoto (UOL): Ministra, a senhora vai participar da abertura da Climate Week, da Semana do Clima, aí em Nova Iorque. E neste momento, o mundo inteiro está de olho na questão climática, mais do que nunca. Tivemos... aqui no Brasil, estamos atingindo temperaturas absurdas. No Rio Grande do Sul tivemos ciclones que destruíram, mataram dezenas de pessoas. Milhares de pessoas morreram na Líbia devido também a eventos extremos climáticos no mundo. Recentemente na Europa também, dezenas, centenas de pessoas morreram devido ao calor extremo. O mundo já deixou claro que a gente alterou a temperatura de forma irreversível e agora estamos correndo atrás do prejuízo, né? Que mensagem que a senhora pretende levar aí em Nova Iorque e de certa forma como é que os povos indígenas ajudam a mitigar essa mudança climática?
Ministra Sonia Guajajara: Então, Sakamoto, as mudanças climáticas já são uma realidade, né? E esses eventos extremos, essas mortes, já são coisas concretas que estão acontecendo, que já estão matando muita gente. Seja por extremos alagamentos ou secas, ou mesmo esses furacões, enfim. O fato é que nós tivemos agora os três meses mais quentes da história desde que se começou a registrar a temperatura. Os três meses mais quentes. E olha só, no dia 13 a gente estava com a marcha das mulheres indígenas em Brasília, e aquele dia 13 de setembro foi o dia registrado como o dia mais quente também no Brasil. Então isso não pode mais ser ignorado pelas pessoas, pelos estudiosos, pelos políticos. Não pode mais ser ignorado. Temos que combater urgentemente esse negacionismo climático. Mas nós, povos indígenas, temos trazido esse alerta sobre o papel dos povos e dos territórios indígenas. Comprovadamente, nós, povos indígenas, somos 5% da população mundial e protegemos 82% da biodiversidade ainda do planeta. Então se 82% da biodiversidade do planeta está nos territórios indígenas, é urgente também esse reconhecimento do poder público para demarcar, proteger e preservar esses territórios. E, para isso, é preciso preservar também os direitos constituídos, os direitos indígenas. Então é o momento que o mundo precisa olhar também para os tratados internacionais, para as políticas locais, para a gente avançar também com a garantia desses direitos dos povos indígenas.
Tales Faria (UOL): Ministra, nessa quarta-feira, o Supremo Tribunal Federal deve retomar a votação do projeto do Marco Temporal. O relator no Senado do projeto de Marco Temporal está querendo votar o texto também na quarta-feira. É o senador Marcos Rogério. E parece que, além do problema de retomar o Marco Temporal no Congresso, ameaçar retomar já que o Supremo está tendendo a derrubá-lo, o projeto recebeu vários enxertos, que preocupam ainda mais as entidades ligadas aos povos originários. A senhora poderia falar um pouco quais são esses enxertos, e como é que se sai disso? O texto tem muitos jabutis?
Ministra Sonia Guajajara: Nossa! O texto tem cerca de 14 jabutis atrelados ali ao Marco Temporal. Esse PL 2903, no Senado, e antes, PL 490 na Câmara, ele ficou conhecido como o PL do Marco Temporal. E nós temos feito esse alerta de que ele não se trata somente do Marco Temporal. Portanto, ele é muito pior ainda do que a tese que está em julgamento no Supremo Tribunal Federal. Porque é naquele momento, ali na Câmara, os parlamentares querendo se colocar contra a demarcação de terras indígenas, querendo se colocar contra políticas ambientais, eles conseguiram trazer de volta muitos PLs, PECs que já tinham sido arquivados do governo passado pra trás. A gente já tinha conseguido arquivar esses projetos de lei na Câmara. Então agora, principalmente o PL, conseguiu resgatar várias dessas medidas e embutiram todos ali no 490. Chegando no Senado, eles agora não querem mexer muito para não ter problemas quando voltar, e tal. Então ali, um artigo que a gente considera grave, é o que trata sobre a flexibilização para o acesso em territórios de povos indígenas isolados. Porque hoje a política vigente e que a gente defende é a política do não-contato. E ali flexibiliza a entrada de terceiros, fala até da Funai, nesses territórios. Mas, imagina, você aprova isso e vira lei. E olha só a Funai que a gente teve na gestão passada, né? Então é um perigo, é um perigo iminente ali para os povos isolados, uma vez que somente a aproximação deles com outras pessoas, eles já ficam doentes e até morrem, por conta do estado de alta vulnerabilidade. Bom, então esse é um ponto que a gente traz como preocupante. O outro ponto, esse está muito explícito ali, sabe, Sakamoto? Que fala assim: é possível a expropriação de indígenas dos seus territórios quando estes apresentarem alteração nos traços culturais. Imagina! De que traços culturais são esses que eles estão falando, né? E aí fala que essas terras podem ser destinadas a outros fins, conforme for interesse da União. Então, isso quer dizer que pode tirar os indígenas do território e aí ali fazer empreendimentos, fazer, enfim, fala até em destinação para reforma agrária. Aí tudo bem, é forma agrária, está aí também na pauta. Mas, enfim, não pode desalojar um para poder acomodar outros, né? Mas o PL trata disso. E aí tem mais um também que é a autorização de transgênicos em territórios indígenas, além de falar de arrendamento, de cooperação, e acaba com usufruto exclusivo, como está na Constituição. Abrindo espaço para terceiros não-indígenas explorarem os territórios. São esses quatro pontos aqui, né, que são muito nocivos.
Leonardo Sakamoto (UOL): Então, um dos pontos, que... entre esses pontos do projeto que está tramitando no Senado e foi aprovado pela Câmara, ministra, tem um que prevê a dispensa de consulta prévia de indígenas para instalar bases militares, implementar rodovias, ferrovias, hidrovias, construir hidrelétricas, linhas de transmissão e proteger riquezas estratégicas, né? Isso aí bate frente com a convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, que o Brasil é signatário, e obriga o Brasil a ouvir os indígenas antes de instalarem projetos nessas terras. O Brasil pode então com isso, aprovado esse projeto, o Brasil pode ser denunciado internacionalmente?
Ministra Sonia Guajajara: Sim, certamente. Se o Brasil é signatário da convenção 169 e agora está começando, inclusive, esse processo de escuta, né? Nós fizemos esse ano uma escuta no território Yanomami, quando foi realizado o fórum de lideranças, nós fomos para lá e as equipes técnicas de 17 ministérios estiveram ali conversando, escutando os indígenas, como um início aí desse processo de escuta. E a gente sempre batalhou, e hoje, eu como ministra também, para que a conversão 169 seja de fato implementada, né? E esse direito de escuta seja efetivado. Enfim, se agora esse PL é aprovado contrário a isso, é claro que cabe, sim, uma denúncia do Brasil na Organização Internacional do Trabalho.
Fabíola Cidral (UOL): Falando sobre alguns pontos em discussão desse PL lá no Congresso, há uma pressão muito grande por parte dos ruralistas, né? E do agro. Eu estava até lendo há pouco um artigo feito por um dos fóruns de agro do Mato Grosso, e eles usam dados de um levantamento do observatório jurídico do agro. Eles falam que os prejuízos decorrentes da derrubada do Marco Temporal podem chegar a R$ 364,5 bilhões em produtos agrícolas que deixarão de ser produzidos no Brasil. Eles colocam números muito fortes, eles falam sobre áreas que são muito produtivas e que terão que ser expropriadas, né? Eu queria é saber, ministra, qual é o levantamento, por exemplo, que o seu ministério faz agora para responder a essas críticas que acabam sendo fortes num meio que é muito polarizado brasileiro, né? Como é que a senhora responde a essa pressão do agro quando eles falam que, se não for adotado o Marco Temporal, haverá um prejuízo, um caos. Eles chegam a falar de um caos socioeconômico no Brasil com um prejuízo absurdo para o agronegócio, enfim, para a economia brasileira. Como é que a senhora responde a isso?
Ministra Sonia Guajajara: Olha, inclusive, Fabíola, na semana passada eu fui chamada, inicialmente convocada, lá na Câmara, na Comissão da Agricultura, para falar sobre a publicação do relatório do território Kapôt Nhinore, que é lá do cacique Raoni, do povo Kayapó, e também do povo Yudjá, lá no Mato Grosso. Foi publicado o relatório de identificação e delimitação daquele território pela Funai, e a gente fez o anúncio lá naquele chamado do cacique Raoni, e aí logo depois eu fui convocada pela Câmara para explicar o porquê desse relatório. Quais foram os estudos? Por que que ali é entendido como Terra Indígena, né? Então nós fomos lá, eu e a presidenta da Funai, a Joenia Wapichana, e ficamos ali por três horas e meia. Apresentamos o relatório, os estudos, todos os documentos que eles solicitaram. E agora é um território que está na fase de contestação. Porque a demarcação de Terra Indígena ela não se dá numa única etapa, né? Teve agora os estudos feitos pelo grupo de trabalho, concluiu esse relatório, publicou-se esse relatório, agora abre três meses, né? 90 dias para contestações, e só aí então vai para o Ministério da Justiça, para a portaria declaratória. Então, lá, eu fiz questão de explicar o processo demarcatório para esses parlamentares, né? Porque eles precisam parar com essa falácia de que demarcar Terra Indígena é um terror, que demarcar Terra Indígena vai desapropriar todo mundo, que a gente quer tomar o Brasil. Porque essa é a narrativa que está se querendo plantar, que coloca, inclusive, a sociedade contra os povos indígenas, né? Então eu tenho dito muito para eles, para parar de ficar incitando isso e reproduzindo uma narrativa que não é verdadeira. Nós temos já um mapeamento na Funai das áreas demandadas. Claro, nós estamos agora atualizando as etapas de cada uma dessas terras. Tem aquelas que já estão em fase de estudo. Tem aquelas que já estão na etapa seguinte, na portaria declaratória. Tem aquelas que já estão na fase de homologação. Então, nós estamos agora atualizando esses processos e a gente vai apresentar um número, inclusive, para este setor, de quais territórios que nós temos ainda que precisam ser regularizados. E aí, com isso, nós vamos colocar na mesa e dizer: olha, nós queremos isso aqui, isso aqui é território indígena, e a gente precisa resolver essa situação fundiária no Brasil, porque o conflito não interessa a ninguém, né? Nem aos indígenas e nem aos produtores. Eu acho que não dá pra gente seguir somente nessa briga infinita, que não tem fim. E o Marco Temporal certamente não vai resolver esses conflitos. Não vai. Pelo contrário, vai acirrar ainda mais.
Fabíola Cidral (UOL): Ministra, até para esclarecer, e deixar bem claro, porque como a senhora falou, são discursos mentirosos que são colocados por aí. Haverá, de alguma maneira, assim, tem alguma previsão de expropriar propriedades produtivas no Brasil? Existe essa previsão? E de quantas terras estamos falando?
Ministra Sonia Guajajara: Então, é isso que eu falei, né? Nós estamos atualizando esse mapeamento da situação fundiária. A gente não tem isso ainda com dados precisos. E aí eu também não posso colocar aqui, me adiantando, se a gente não tem uma precisão, para não gerar inclusive outras polêmicas. Mas nós estamos também nos colocando muito abertos a conversar, a dialogar. Eu tenho ido bastante ao Senado conversar com os senadores, com as senadoras, com a comissão da Agricultura, tanto do Senado quanto da Câmara, colocando ali que a gente não está para fomentar conflitos, brigas, com nenhum setor. A gente quer realmente regularizar a situação, e colocar os indígenas também... deixar os indígenas também numa situação de segurança jurídica no seu território, e a gente acabar de vez com essa briga, né?
Fabiola Cidral (UOL): Mas não vai acontecer um caos econômico no país. É um prejuízo... É isso que eu queria ouvir da sua boca, ministra.
Ministra Sonia Guajajara: Não vai haver. Claro que não. Não vai acontecer nenhum caos com o Marco Temporal não aprovado ou com o Marco Temporal aprovado. Eu tenho certeza que, na quarta-feira, depois de amanhã, o Supremo vai decidir pelo afastamento do Marco Temporal.
Leonardo Sakamoto (UOL): Ministra, desculpa interromper, mas era exatamente isso que eu queria perguntar. O voto do ministro Cristiano Zanin ele trouxe uma mudança em relação ao voto do ministro Alexandre de Moraes. O ministro Alexandre de Moraes fala assim: vamos afastar o Marco Temporal, porém, ele colocou em cima da mesa a ideia de indenização prévia, né? Aos produtores para poder haver demarcação. Ou seja, primeiro há a indenização desses produtores, depois você tem a questão da demarcação e a homologação das terras indígenas. O ministro Cristiano Zanin ele julgou isso, ele inverteu, né? Ele não coloca a indenização prévia. Como é que vocês veem esse voto do Zanin? Ele pode ser uma saída mais viável para a questão do Marco Temporal?
Ministra Sonia Guajajara: Então, Sakamoto, ali nós temos agora três votos diferentes. Nós temos o Facchin, que ele reafirma o pagamento das benfeitorias, como é hoje. As benfeitorias para os ocupantes de boa-fé. Isso é o que prevê a Constituição Federal. Ele reafirma. O Alexandre de Moraes traz a questão das indenizações prévias. Ele também votou contra o Marco temporal, mas traz a indenização prévia, antes da demarcação, e também o pagamento da terra nua. Esse é que é o ponto do ministro Alexandre de Moraes. Indenização prévia à demarcação e o valor da terra nua, o valor de mercado. O ministro Zanin ele afasta também o Marco Temporal, e traz a indenização também, mas que ela seja feita posteriormente à instauração dos processos demarcatórios, ou seja, depois do início, do rito da demarcação das terras indígenas. Então, esse voto do Zanin, do nosso ponto de vista, é o que traz mais equilíbrio para essa questão das indenizações. Então eu creio que o Supremo vai discutir agora com os ministros que estão faltando votar para ir seguindo uma linha que possa de fato trazer uma saída que não inviabilize. Porque esse voto do ministro Alexandre de Moraes afasta o Marco Temporal, mas de qualquer forma segue inviabilizando a demarcação, uma vez que ele traz essa responsabilidade de pagamento todo para a União. O que nós defendemos também é que essa conta seja compartilhada com os estados, uma vez que a maioria dos ocupantes de boa-fé dos territórios indígenas receberam títulos de posse daquelas áreas que eles ocupam pelo próprio estado. Então, o estado também precisa assumir essa responsabilidade agora, em relação aos pagamentos das indenizações.
Leonardo Sakamoto (UOL): Ministra, a senhora falou em três posições, né? Mas já ficou meio claro que também vai ter uma quarta posição, que é a do ministro Gilmar Mendes. O ministro Gilmar Mendes defendeu o Marco Temporal, né? Ele defendeu. Ele criticou as demarcações de uma maneira geral. A senhora acha que vai ter mais gente seguindo o voto dele nesse sentido?
Ministra Sonia Guajajara: Do Gilmar Mendes?
Leonardo Sakamoto (UOL): É.
Ministra Sonia Guajajara: É, porque na verdade nós já temos dois votos contrários ao Marco Temporal.
Fabíola Cidral (UOL): O placar tá 4 a 2. Até para a gente explicar para a audiência, para quem não está acompanhando. O placar agora tá 4 a 2, derrubando o Marco Temporal, contra o Marco Temporal. E ainda faltam votar Carmen Lúcia, Rosa Weber, Luiz Fux, Gilmar Mendes e Dias Toffoli. Dentro dessa pergunta aí do Sakamoto, e emendando, qual é a sua expectativa para esses votos que faltam? E para o placar final, ministra?
Ministra Sonia Guajajara: Olha, Fabíola, chutando aqui, eu acho que o Marco Temporal já era, né? Já foi. E nós vamos ter um placar aí de 7 a 4. Se não 8, viu? Se não 8. Vamos ver. Estou apostando aí positivamente.
Tales Faria (UOL): Mas em qual dessas, em qual dessas opções? Pagamento antecipado, cobrança da terra nua?
Ministra Sonia Guajajara: Eu acho que... não tem... estou falando de 7 a 11, desculpa, de 7 a 4 de maneira geral em relação à tese principal, que é o Marco Temporal. Considerando que realmente não resolve. Agora, a questão das indenizações, eu penso que os ministros vão ali discutir e juntos vão chegar no ponto de equilíbrio. E eu imagino que tende a ser essas indenizações posteriores aos processos já instituídos. É o meu ponto de vista. Então, bora ver o que que... né?
Fabiola Cidral (UOL): Ah, eu fiquei curiosa, ministra, porque a senhora mandou muito bem quando eu perguntei do placar, né? “Marco temporal já era, vai ser 7 a 4!”. Eu queria saber: isso é baseado em informações? Porque eu sei de sua atuação também nos bastidores, né, ministra? A senhora foi conversar com o Zanin, a senhora esteve com ministros. Isso é baseado em informações? É a apuração da ministra Sonia Guajajara?
Ministra Sonia Guajajara: Olha é só intuição, viu? É só intuição. Conforme já são os posicionamentos públicos de cada um dos ministros e ministras que ainda faltam votar.
Tales Faria (UOL): Mas, ministra, apesar dessa disposição favorável na Justiça, tem a pedra no sapato que é o Congresso. E a senhora falou agora que chegou a ser convocada para ir à Câmara dar explicações. A convocação foi transformada em convite, mas o fato é que está ali... Eles estão pegando no pé dos povos indígenas.
Ministra Sonia Guajajara: Estão, demais.
Tales Faria (UOL): E na reorganização dos ministérios, o Ministério dos povos Indígenas perdeu atribuições, como a de reconhecer e demarcar terras indígenas, que voltou para o Ministério da Justiça e Segurança Pública. Eu queria saber da senhora o seguinte: teve inclusive, a presidente da frente parlamentar de defesa dos povos indígenas foi na... deu uma entrevista à BBC, dizendo que o governo brasileiro estava negociando a questão indígena para conseguir apoio no Congresso do centrão. A senhora acha que o governo está falhando um pouco na defesa povos indígenas no Congresso?
Ministra Sonia Guajajara: Então, Tales, sinceramente, eu acho que não, sabe? Eu acho que não. Porque ali no Congresso, tem pautas que eles colocam na mesa, que cedem pontos. Tem pautas que eles já têm decidido que não abrem mão, né? E essa questão de terras indígenas, demarcação de terra, Marco Temporal, são pautas que eles já estão muito bem articulados. Já tem uma decisão ali, coletiva deles que eles não abrem mão. Então não adianta articulação, negociação do governo, que eles não vão abrir mão. Alguns votos que tiveram ali até de partidos de extrema-direita que votaram contra o Marco Temporal, contra o PL 490, foram pessoas ali que tiveram conversas comigo, com a deputada Célia... que conseguiram entender, sabe? E aí ficaram ali mais conscientes. Mas no geral mesmo, assim, já há uma decisão coletiva ali, entre eles, que dessas pautas eles não cedem. Não cedem. Então, não é uma falta de articulação ou de incidência maior do governo, sabe? Porque eles já disseram claramente, inclusive o presidente da Câmara, Arthur Lira, falou lá algumas vezes para nós: olha, Marco temporal, nem venham, que essa é uma pauta minha, pauta de campanha.
Tales Faria (UOL): Então depois da votação do Supremo, muito provavelmente, o Congresso vai instituir o Marco Temporal. Re-instituir o Marco Temporal. A senhora não acha?
Ministra Sonia Guajajara: Olha, realmente o PL 2903, agora no Congresso, no Senado, voltando para a Câmara, eu não tenho dúvida que eles conseguem aprovar, porque eles têm ampla maioria, tanto no Senado quanto na Câmara, né? E o que eu tenho chamado no Senado agora, inclusive, nessas conversas que eu tive foi para eles olharem para todos esses jabutis que estão ali, e que para eles não têm muito interesse, né? Não muda muito. Mas para nós é altamente danoso, perigoso. Porque é que eles não abririam mão desses pontos já que o interesse deles ali, o foco nesse PL é só o Marco Temporal? Pra que ficar insistindo nesses pontos que, pra eles, não vai fazer nenhuma diferença? Agora, na última conversa com o próprio senador Rodrigo Pacheco, eu apresentei para eles esse ponto a ponto, essas preocupações. E, inclusive, na última coletiva que ele fez, ele disse que tinha me recebido e ia solicitar a retirada desses pontos que eu apresentei. Bom, eu creio que, mesmo sendo aprovado o 2903, tem aí os vetos do presidente Lula, que a gente pode contar, e a inconstitucionalidade do Supremo. Então eu digo que Marco Temporal já era considerando também essa questão realmente legal. Porque mesmo que o Congresso aprove, ele é totalmente constitucional e isso já está mais do que comprovado por vários juristas que têm colocado dessa forma.
Leonardo Sakamoto (UOL): Com relação à questão do Marco institucional, a questão territorial, especialmente... Até já tinha falado antes com a senhora sobre isso. É claro que, mesmo aprovado pelo Congresso, como o Supremo tem uma decisão à luz da Constituição, à luz de cláusulas pétreas, né? Ele pode falar: olha, desculpa, essa legislação aprovada, ela é inconstitucional. Pode ser emenda, não importa. É inconstitucional. Então a gente derruba. Mas como a senhora mesma colocou, eu vou até além. Na minha opinião, mais preocupante para a questão indígena do que a questão territorial do Marco Institucional em si é aquela safra de jabutis que estão lá. Aquela quantidade... é o 169, é a questão do sommelier de indígena... “Ah, você deixou de ser indígena, então pega sua terra de volta”. É poder plantar transgênico, é facilitar a vida de meeiro, de arrendatário branco para a terra indígena. É todo aquele pacote que é um pacote muito ruim, né? E uma vez aprovado esse pacote, pelo menos metade desse pacote já é muito ruim... Aprovado esse pacote, a senhora acha que o Brasil pode ter problemas com o comércio internacional de commodities e de produtos agrícolas? Porque tem muita gente fora do Brasil dizendo que isso aí pode impactar inclusive no acordo com a União Europeia, né?
Ministra Sonia Guajajara: Não, eu não tenho dúvidas que sim, Sakamoto. Nós temos discutido já também isso em relação à lei anti-desmatamento, né? Que trouxe ali todas aquelas preocupações com a proteção da Amazônia e inclusive a gente têm discutido também como proteger os outros biomas. Cerrado, mata Atlântica, que estão sendo igualmente destruído. E todo o setor internacional está olhando também para essa votação no Senado. E foi exatamente esse alerta que eu fiz quando eu conversei com os senadores, né? Ali, digo: “Olha, vocês estão votando tudo isso aqui...”. Agora, o que me impressionou sabe o que foi? Que a maioria dos senadores não conheciam o PL. Não conheciam, sabe? E foi impressionante isso. Porque eles colocaram esse nome ali, o apelido de PL do Marco Temporal e olharam só para esse ponto, sabe? E não entenderam, não buscaram estudar, compreender o que que traz de fato esse PL. E eu fui apontando ali, um a um, sabe... O próprio presidente, o Pacheco, ele falou “realmente, Sônia, isso aqui não tem nada a ver... eu não tinha reparado que tinha esse ponto aqui”, sabe? Ele ficou preocupado, ele falou, em relação aos isolados, né? Então, de fato o que eu pedi também agora foi que, ao invés de se dar o parecer na Comissão de Constituição e Justiça, na quarta-feira, diretamente, era importante abrir mais o debate na própria CCJ com audiências públicas, com outras atividades ali, para que a gente pudesse esclarecer para todo mundo do que se trata esse PL. E os senadores votarem sabendo de fato no que estão votando. Porque a maioria realmente não sabe. Eles desconhecem. Desconhecem esses pontos ali no PL.
Tales Faria (UOL): Ministra, a senhora colocou como uma das prioridades do Ministério a questão da preservação dos povos isolados, dos povos originários que estão em situação de isolamento. Para eles não serem invadidos. Mas um dos principais argumentos, usados pelos bolsonaristas, é de que o indígena deseja ter o benefício que o capitalismo oferece. Como dinheiro, carros, atendimento médico, casas de alvenaria. Isso é verdade? É mentira? A senhora como indígena, que inclusive estudou etc. O que que a senhora vê? A senhora acha que os indígenas, os povos originários, querem ou não querem esses benefícios do mundo capitalista?
Ministra Sonia Guajajara: Olha, eu vou te dizer uma coisa, viu? Eles falam que os indígenas querem tudo isso para justificar a retirada do direito territorial, para acabar com a demarcação das terras indígenas, e com isso, fazer o que diz aquele artigo do PL 2903, que é a expropriação dos indígenas dos territórios quando há alteração de traços culturais. A alteração de traços culturais, eles se referem, pode ser algo como o indígena não falar mais a língua, pode ser o indígena não têm uma aparência física como se entende que é a aparência indígena. Mas a gente sabe que hoje no Brasil não se identifica mais indígena só pela aparência física, porque há uma miscigenação muito grande, né? Pode ser considerado internet, televisão dentro do território indígena. Agora, eu te digo: a gente quer, sim, tudo isso. Inclusive, eu estou ali articulando com o programa de habitação rural, para ter uma habitação rural indígena, para ter casas construídas para os povos indígenas. Tou articulando com o ministério da Comunicação para ter internet em todas as aldeias. Universidades. Queremos universidades dentro das aldeias. Mas isso não quer dizer que deixou de ser indígena. É aqui o ponto, entendeu? O fato da gente usar das tecnologias que existem hoje, de fazer um curso de graduação, de nível superior na cidade, de trabalhar na cidade... como eu hoje, que estou a maior parte do tempo fora da aldeia, mas a minha casa está lá na aldeia. Se eu deixar de ser ministra, se eu deixar de ser deputada, eu tenho minha casa lá pra onde voltar. Tá lá minha família, tá lá minha terra. Eu posso voltar para lá tranquilamente. Então você estar na cidade, não quer dizer que você deixou de ser indígena. Você receber as tecnologias nas aldeias, não quer dizer que você deixou de ser indígena. Se você usa desses meios, se você insere na sua cultura outra cultura, é uma cultura que se soma, né? Então, o que a gente diz é isso. Agrega. Não destrói, não tira quem você é.
Fabíola Cidral (UOL): Importantíssimo isso que a senhora tá falando, porque a ignorância das pessoas é muito grande em relação a isso. Até aqui no nosso chat tem um monte de gente falando um monte de besteira em relação a isso. Eu acho interessante a senhora definir: o que que é o indígena? Porque as pessoas ficam nisso, “Ah, não é mais indígena, ele não é indígena”. O que que é o indígena, ministra? Como é que a gente pode definir o que que é o indígena?
Ministra Sonia Guajajara: Olha, Fabíola, de fato, assim, nesses últimos anos, parece que houve uma escolinha de ignorância das pessoas. Ou de não querer aceitar ou não querer conhecer a realidade brasileira mesmo. Nós, povos indígenas, estamos presentes em todos os estados da federação. Em todos. E é uma situação realmente que precisa, sim, de mais cuidado, de mais atenção dos governos, porque fica aí o empurra-empurra, sabe? O município fala que é responsabilidade do governo federal, né? O estado fala que é, por exemplo, as escolas é do estado, né? Fala que não pode construir escola em áreas não demarcadas. Por outro lado, o governo federal, ainda mais nos últimos 4 anos, foi uma política de estado, não demarcar terras indígenas. O fato é que nós, indígenas, temos, sim, modos de vida diferente, né? Nós temos uma cultura diferente, nós temos uma língua materna, nós temos tradições próprias, como festas, como os rituais, os cantos... e isso precisa ser respeitado, sabe? E a gente pratica isso independente do lugar que está. Seja na cidade, seja na aldeia. A gente não deixa de ser indígena porque veio para a cidade. De forma alguma. Isso é identidade, isso é pertencimento. É você saber a sua origem. Você saber de onde que você veio, você conhecer as suas raízes, o povo que você pertence. E conhecer e viver essa cultura. Então isso às vezes é incompreendido pela maioria da população. “Ah, você ainda é indígena?”. Muita gente pergunta isso para mim, me vendo na cidade. Você ainda é indígena? Claro que sim. Eu não nasci de novo, né? Eu apenas estudei e mudei de lugar por um tempo.
Tales Faria (UOL): Ministra, entrou em pauta muito fortemente o tema da exploração do petróleo na foz do Rio Amazonas e, a propósito disso, a Petrobras argumenta que já explora petróleo em terra na Amazônia, em vários lugares, e que não é tanto problema assim. Causou problema aos povos indígenas os locais aonde houve exploração de petróleo na Amazônia?
Ministra Sonia Guajajara: Olha, não posso dizer que não causou. Porque altera, qualquer que seja o empreendimento, qualquer que seja ali uma presença de muitas pessoas, de muita movimentação. Altera, sim, o modo de vida. Altera o rio, a água, os peixes. Os povos indígenas tem, sim, cultura ainda de... se tem rio, comer muito peixe. Se tem floresta comer muita caça. Porque isso é realmente da própria cultura. Qualquer empreendimento quando chega, ele muda totalmente. Além de conflitos, né? Além de violência, que sempre chega junto com toda, com todos esses empreendimentos. Então, hoje, o que há é uma necessidade de se fazer esse processo de consulta, né? De escuta. Não só os indígenas, mas a todas as pessoas ali do entorno, as pessoas afetadas, ali, com essas obras. Para poder saber o que que essas pessoas também pensam, né? Eu acho que esse é o princípio de tudo. Tem que fazer esse processo de escuta.
Leonardo Sakamoto (UOL): Ministra, o Congresso Nacional aprovou, a Câmara dos Deputados, pelo menos, já aprovou a parte dela na mini-reforma eleitoral. E um dos prontos aprovados, né, que foi bastante criticado, inclusive pelo seu partido, o PSOL, um dos pontos aprovados foi o fim das candidaturas coletivas, né? O PSOL reclamou bastante, falou que isso atinge muito grupos, né? Que são, podem ser até majoritários numericamente, mas minoritários em direitos. Negros, mulheres, indígenas. Como é que a senhora vê isso, essa impossibilidade, se for aprovado pelo Senado também, essa impossibilidade de grupos indígenas se conectarem em candidaturas coletivas?
Ministra Sonia Guajajara: Nossa, eu vejo, assim, como um total retrocesso, sabe? Muito retrocesso. Porque hoje já há uma sub-representação muito grande de vários grupos, tanto na Câmara quanto no Senado. Principalmente no Senado. Nos últimos anos, a gente tem avançado muito com essa... quer dizer, eu não digo muito, né? Mas em relação ao que já estava... tanto nas assembleias estaduais, nas câmaras municipais, e também na Câmara Federal. Quando a gente junta grupos ali para poder ampliar esses eleitorados e também trazendo uma inovação para o sistema eleitoral para melhorar essa questão da representatividade... E aí, é claro que vai prejudicar muito. Vai prejudicar demais o acesso desses grupos como LGBTs, pessoas negras, indígenas, dentro parlamento mesmo, como um todo. Então, eu realmente considero isso um absurdo. Tanta, né? É, tanto interesse da Câmara em acabar com essa forma de candidaturas coletivas, né? Hoje, de fato, estava crescendo muito, e eu vi até uma forma de, no futuro, de regularizar mesmo, de regulamentar, essa forma de candidaturas coletivas. E eu estava bem otimista, até, que a gente estava avançando. E aí, de repente somos surpreendidos, né? Com essa mini reforma que acaba com essa possibilidade, quero considero muito ruim, né?
Tales Faria (UOL): Mas retomando um pouco a questão do petróleo. A senhora é contra ou a favor da exploração do petróleo na Foz do Rio Amazonas?
Ministra Sonia Guajajara: Olha, Tales, eu acho que isso não é só uma questão de ser contra ou a favor, sabe? Isso aí, a decisão vem dos estudos, né? Quem tem que comprovar se é possível, ou não é possível, são os estudos técnicos. E aí eu vou muito nessa linha, sabe? Então eu acho que é muito mais do que você dizer sou contra ou a favor, né? É você realmente considerar o que os estudos apontam.
Fabíola Cidral (UOL): Então, os estudos têm apontado que é não vai ser positivo para o meio ambiente e, principalmente, para os povos indígenas, mas mesmo assim a pressão segue. E aí eles falam, vamos fazer novos estudos, vamos fazer, essa. Existe neste momento uma pressão para isso? A senhora sente essa pressão? Não?
Ministra Sonia Guajajara: Tem uma pressão sim, claro que tem. Não chegou diretamente para mim ainda, né? Mas sobre o governo, é claro que existe e muito, e vai continuar, né? Vai continuar porque infelizmente, Fabíola, há esse, esse negacionismo, né? Essa, as pessoas ignoram o que nós estamos vivendo hoje. Nós começamos aqui a nossa entrevista falando dos meses mais quentes, do dia mais quente, falando de fenômenos extremos, né? E aí...
Tales Faria (UOL): Mas o presidente Lula tem sinalizado, é, favoravelmente à Petrobrás. Sinalizado, eu não estou dizendo que ele já se definiu, mas as sinalizações dele têm sido favoráveis à Petrobras.
Ministra Sonia Guajajara: Então, eu estou falando dessa pressão que existe, né, e que vem de setores que negam essas mudanças climáticas extremas que estão vivendo, né? Eu acho que ainda precisa, né, haver uma maior sensibilização, né, uma maior compreensão de que de fato nós estamos num momento que é preciso mudar as formas, né, de energia, de geração de energia, de mudar as formas de produção, né? E eu estou, assim, fazendo o meu trabalho nessa linha, que é de trazer muito esse debate, essa conscientização para essas mudanças que são necessárias agora né? Eu não posso responder por todo mundo, pelo que todo mundo pensa também dentro do governo, mas eu trago aquilo que eu acredito, e tento compartilhar isso com todo mundo, né? Que é essa urgência que a gente vive hoje e essa necessidade de mudança, né? Tanto da forma de consumo da sociedade, porque também diz respeito a todo o mundo, né? As formas de consumo precisam ser mudadas, como também nas instituições, né? Então eu acho que é isso. Falta essa compreensão ainda coletiva, ne, de que nós estamos realmente tendo que fazer uma transição, uma transição energética, uma transição ecológica. É uma transição política, né, para as pessoas terem essa consciência.
Leonardo Sakamoto (UOL): Ministra, nos últimos dias o Tribunal Penal Internacional até voltou aos holofotes, por conta dos comentários do presidente Lula, né, sobre ele, mas aí a gente lembra, né, inclusive que há ações, há uma denúncia contra o ex-presidente Jair Bolsonaro, tramitando, sendo analisada pelo TPI neste momento em Haia, na Holanda, é, por conta do crime de genocídio contra populações indígenas, né? E aí a gente tem, só pra lembrar o pessoal que está nos acompanhando, tivemos 570 crianças até 5 anos, yanomamis, mortas, né, por desnutrição e outros problemas no território yanomami. Tivemos questões relacionadas à pandemia, né, em que o governo não atendeu à populações indígenas de forma bastante objetiva, entre outras questões de ataques diretos, né, na qual o presidente Jair Bolsonaro é acusado. É a senhora, é, defende que o presidente Jair Bolsonaro possa ser chamado de genocida?
Ministra Sonia Guajajara: Olha, eu acho que ele tem que pagar por tudo que ele fez, ou que não fez, né? E durante o governo de Jair Bolsonaro, eu estava na coordenação da Apib e fui uma das pessoas que puxou, inclusive, essa denúncia, né, acusando-o de genocida. O que Bolsonaro fez foi de fato, né, não só se omitir mas, ou ser negligente, né, mas na verdade ele articulava, né, para não ter essa proteção aos povos indígenas, né? Então, de fato, eu acho que não tem outro nome para ele não, viu. O que ele fez realmente comprovou que, que, ele podia ser considerado, sim, genocida.
Fabíola Cadril (UOL): Mas aí que tá, ministra, a senhora agora está no poder, a senhora é ministra dos povos indígenas. Do ponto de vista é até estratégico, a senhora é ministra hoje. A senhora pretende acionar a justiça? É, o governo atual brasileiro, é, pretende correr atrás disso, quer dizer, para que Bolsonaro pague por esses crimes é que a senhora diz que ele fez?
Ministra Sonia Guajajara: Olha, eu acho que tem que pagar. Todo mundo tem que pagar, tem que, que, né? A justiça precisa, é, ser, ser feita, né, para que não se repita. Eu acho que esse é o grande, né. E a´PIB segue com essa denúncia, segue acompanhando. Eu sigo acompanhando aquele processo que eu também tive parte ali atrás, né?.
Fabíola Cadril (UOL): Tá, mas não vai ter um novo processo, a gente não pode entender isso, quer dizer, o governo brasileiro, o atual governo vai entrar com um processo contra ele? O seu ministério? Não terá um novo processo? A senhora vai acompanhar esses processos que já estão em andamento, é isso?
Ministra Sonia Guajajara: É, o meu ministério não vai entrar, né, não vai fazer. A gente ter esse processo que está lá, que eu fiz parte, então eu tô acompanhando aquele né? Do nosso Ministério, né, a gente não vai fazer mais. Mas também não posso responder pelos outros, né, que eu não sei como que os outros estão pensando.
Fabíola Cadril (UOL): Ô ministra, a outra questão que eu gostaria de perguntar à senhora em relação ao Supremo Tribunal Federal e da possibilidade, do sonho, enfim, da indicação, é, de uma indígena, ou um indígena, para uma vaga no Supremo Tribunal Federal. A gente tem acompanhado os burburinhos de quem Lula deve indicar para essa vaga. Há um movimento para que Lula indique uma mulher negra, né? E aí eu já ouvi também algumas pessoas falando: poxa, e um indígena, né? Existe um sonho para isso? Existe alguma movimentação? A senhora sonha em um dia ter algum representante lá no Supremo Tribunal Federal? Isso seria importante?
Ministra Sonia Guajajara: Claro que seria importante, né? Lógico! E a gente agora está no Legislativo, né? Estamos no Executivo e nós queremos chegar no Judiciário, né? Então agora temos uma vaga aí, essa vaca está, né, já bem disputada, e eu creio que, né, a defesa de uma mulher negra avançou bastante. Agora, neste momento, né, eu defendo que seja uma mulher. Então eu não estou nem já mais fazendo recortes se é mulher negra, se é mulher indígena, ou né. Eu estou defendendo que seja uma mulher, porque se não vai ficar ali uma mulher apenas, né, no, no, ali, no corpo do judiciário, do Supremo. Então, sonho sim em ter indígena no Supremo, né, em algum momento. Vamos trabalhar para isso, né? Vamos continuar também aí com essa defesa para que tenha, né? Para que a gente chegue a ocupar esse espaço, né, mas nesse momento eu torço aí para uma mulher.
Fabiola Cidral (UOL): Mas a senhora está em Nova Iorque, inclusive, com o presidente Lula. Vai falar ali no ouvido dele, ô ministra? Vai fazer essa pressãozinha, vai defender pessoalmente com o presidente?
Ministra Sonia Guajajara: Eu já falei, já falei
Fabíola Cidral (UOL): Já falou?
Ministra Sonia Guajajara: Olha, já falei, já falei várias vezes, vamos lá botar uma mulher do Supremo? Eu fico falando ali.
Fabiola Cidral (UOL): E ele responde o quê, ministra? O que é que o presidente Lula responde, quando você fala?
Ministra Sonia Guajajara: Olha, vamos ver, né, vamos ver. É simples, gente, não são coisas que, né?
Fabíola Cidral (UOL): Leva uma listinha, leva uma listinha, ministra, dá ali na mão dele e fala aqui ó.
Ministra Sonia Guajajara: Acho que o presidente Lula não tem ainda, essa, né já essa decisão. Não sei, né? Mas assim, todo mundo está fazendo sua pasta, né? Cada um vai levando a sua, a sua defesa. Então não sabemos ainda como vai ser.
Fabiola Cidral (UOL): Bom, a gente, a ministra está lá em Nova Iorque, como a gente falou, para acompanhar o presidente Lula nessa comitiva. É, reuniões importantíssimas, além, claro, é, do discurso na Assembleia Geral da ONU amanhã, que a gente vai acompanhar. Por isso a gente agradece imensamente, ministra, de a senhora disponibilizar o seu tempo aí em Nova Iorque para nos atender aqui no UOL, é, nessa entrevista, nessa conversa franca, e contando os últimos, as últimas notícias do seu ministério. Muito obrigada. Bom trabalho aí nos Estados Unidos. Até!
Ministra Sonia Guajajara: Obrigada, Fabíola, Tales, Sakamoto. Um abraço, tá?
Fabíola Cidral (UOL): Tchau, tchau Tales. Tchau, Sakamoto.
Tales Faria (UOL): Um grande abraço, ministra.
Leonandro Sakamoto (UOL): Tchau, ministra. Tchau, tchau, Fabíola, tchau, tchau, tchau.
Fabíola Cidral (UOL): E assim a gente termina mais um UOL Entrevista, uma boa conversa com a ministra. Interessante a gente ter aqui contato, né, com os ministros do governo Lula para saber o que eles estão fazendo, os próximos passos, também estão, estão vendo o entendimento, ela falando aí, justamente, que defende uma mulher no Supremo Tribunal Federal. Essa é a defesa dela. O desespero para conseguir continuar com alguma mulher lá. Só temos uma no Supremo Tribunal Federal se Rosa Weber sar e um homem for indicado. Então está aí a pressão que ela fala que está fazendo para que o Lula escolha uma mulher para o Supremo Tribunal Federal, e ela também falando sobre a expectativa da retomada do julgamento no Supremo Tribunal Federal sobre o Marco Temporal. E ela disse: o Marco Temporal já era, vamos ganhar de 7 a 4, disse a ministra, que tem feito um trabalho ali com os ministros, né? Eu acho que teve contato com algum deles falando sobre essa necessidade. Mas lá no Congresso a situação é um pouco mais complicada, o que está acontecendo no Senado e os jabutis que foram colocados nesse PL também do Marco Temporal. Assuntos importantíssimos para a gente ficar de olho aqui no nosso país. Bom o UOL Entrevista vai ficando por aqui. Agradeço a audiência, sua companhia, seus comentários no nosso chat, e eu volto logo mais, ao meio-dia, temos a nossa edição do UOL News meio-dia. Até lá.