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Discurso da ministra Sonia Guajajara no evento Painel Pacto Global - 08/12/2023
Bom dia a todos e todas. Gostaria de saudar a Rachel Maia e o Carlos Pereira, do Pacto Global, anfitriões deste espaço. Saudar também o Embaixador Osmar Chohfi, presidente da Câmara de Comércio Árabe Brasil e a todos que me antecederam.
Conheci o Pacto Global há pouco tempo, na verdade. Mas desde o início me encantei por esta iniciativa.
É uma iniciativa muito forte porque parte da ONU tem legitimidade pra falar em nível global e pra fazer falas importantes.
A contribuição para a construção dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, para o enfrentamento às mudanças climáticas, precisa vir de todos os setores.
A educação ambiental é uma forma de envolver as famílias. As novas políticas, compromissos e formas de alocação de recursos ou desonerar impostos são compromissos dos governos.
A sociedade civil já há muito faz sua parte. Mas sem o compromisso efetivo das empresas, do setor privado como um todo; sem entender que é necessário um novo consenso global para rumarmos para esta economia de onde todas as emissões possam ser compensadas, meta decisiva não só dá Convenção e do Acordo de Paris, mas decisiva para a Humanidade.
Vou destrinchar um pouco mais a frente. Mas antes de destrinchar, quero agradecer também, porque este foi o primeiro convite que recebi, ainda no início de outubro, para este período de debates da COP 28.
Queria muito estar presente no debate todo, mas vou embora em 3 dias e precisei ir equilibrando várias agendas. Assumi a chefia da delegação brasileira na primeira semana, processo do qual muito me orgulhei, mas acabou que tive que jogar alguns compromissos pra segunda.
Queria ficar não só pela qualidade das mesas, mas também por reconhecer neste gesto de um convite tão longo, a confiança de que poderia de fato contribuir nestes debates. Espero só que no final desta fala tenha valido a pena a confiança do pacto global.
De toda forma, como disse à Camila quando ela esteve em Brasília, queremos muito aprofundar esta parceria em 2024.
Estamos aqui pra falar da transição justa para uma economia Net zero no sul global. Os desafios são enormes.
Vou trazer, primeiro, alguns exemplos bem concretos e recentes. O primeiro é sobre o desafio que enfrentamos no Brasil, a respeito da possibilidade de derrubada do veto do presidente Lula ao PL 2903. Veto este que cancela não só a aprovação do Marco Temporal pelo Congresso, mas uma série de outras regras inconstitucionais e que ferem os direitos dos povos indígenas foi derrubado no Congresso.
Falo a respeito disto aqui porque é um exemplo concreto da necessidade de articular todos os setores da sociedade. Os povos indígenas são cada vez mais reconhecido no mundo e nas convenções como atores fundamentais para a preservação da Biodiversidade e redução do impacto das mudanças climáticas.
Insistir na tese do Marco Temporal vai dificultar muito ao Brasil avançar nos seus compromissos, seja os de adaptação e mitigação. E compromissos que todos os países do mundo precisarão adotar de maneira mais intensa e mais rápida. São vários os motivos da relação do PL 2903 com os debates e encaminhamentos que ocorrem aqui em Dubai.
A insegurança nos territórios indígenas é um incentivos aos criminosos, seja os do garimpo e do desmatamento ilegal. Eles se sentem fortalecidos e promovem a ocupação e a destruição dos territórios indígenas. O desmatamento ilegal acaba, depois, chamado de “expansão da fronteira agrícola”. Como o presidente Lula diz, nosso agronegócio, setor que sim é importante para a economia brasileira e precisa também colaborar com o esforço da transição justa, não precisa de mais terras no Brasil. É possível fazer mais e melhor sem expansão da fronteira.
Por outro lado, preciso garantir a estabilidade jurídica dos territórios indígenas para se atingir a marca do desmatamento zero no Brasil de maneira ainda mais rápida.
O incentivo à atuação do garimpo e desmatamento ilegal e a insegurança dos territórios também impedem a construção de políticas de proteção e desenvolvimento da sociobidiversidade nos territórios indígenas.
Uma das nossas principais políticas é a Política de Gestão Territorial e Ambiental Indígena. Tão importante quanto o processo de demarcação é a gestão do territorial por meio dos povos indígenas, aplicando seus conhecimentos tradicionais e modos de vidas e protegendo a biodiversidade. É assim que nos tornamos guardiãs e guardião da floresta e dos territórios. A política estruturada dando apoio a estas inciativas, garantindo direitos e o fluxo econômico integrado com a natureza, só é viável com a segurança jurídica dos territórios. E isto só é viável sem a tese do Marco Temporal e com uma Funai fortalecida para efetivar estudos técnicos necessários e justos no processo de demarcação.
Fica nítido, não vai existir transição justa pra economia de Net zero sem o respeito aos direitos humanos e aos direitos dos povos indígenas.
Outro exemplo é de uma situação que tá crescendo no Brasil e que antes de ontem saiu mais uma notícia: a respeitos de camponeses que permitiram que se instalassem usinas eólicas em sua região e passaram a ser violados em seu próprio territórios em razão de cláusulas abusivas. Vejam, estamos todos de acordo que as metas do Acordo de Paris precisam ser atualizadas. O acordo de triplicar o uso de energias renováveis é decisivo para que não ultrapassemos o 1,5º graus, mas isto não pode ser feito à custa dos direitos humanos. A transição, para ser justa, não pode deixar ninguém para trás.
O mesmo está ocorrendo com povos indígenas em alguns contratos de mercado de carbono, que hoje não está regularizado e que permite ocorrer cláusulas que dificultam a execução do próprio Plano de gestão territorial indígena produzido pela comunidade.
Projetos que são fundamentais para garantir a rápida e necessária transição energética ou para viabilizar mais rapidamente o acesso a recursos para a proteção efetiva da biodiversidade não prescindir de garantias para as comunidades direta e indiretamente relacionadas.
Estes casos mostram que os futuros compromissos brasileiros para mitigação e adaptação, no Brasil e em todo o mundo, precisarão vir com uma grande dose de direitos humanos. A COP 29 vai se debruçar sobre os meios de implementação e o financiamento para as novas metas. Entendemos que além do necessário e urgente recursos (que também precisa vir de todos os setores e não só dos Governos), os meios de implementação precisam abordar sobre metodologia e sobre como avançar viabilizando direitos.
Tenho dito em vários locais que estamos de fato em uma COP decisiva:
A COP que busca avançar em compromissos mais robustos que os de Paris, para evitarmos ultrapassar 1,5ºC, a COP que busca uma meta global de adaptação, que celebra o Fundo de Perdas e Danos, que se aproxima de um grande acordo para a triplicação das energias sustentáveis e que organizou a primeira mesa de alto nível sobre a transição justa, na qual eu estava representando o Brasil como chefe de delegação
Ela é decisiva não só pela urgência, mas porque se compromete com novas e melhores metas, alargando os temas da convenção.
Se olharmos o caminho que vai da adaptação, passando pela conceituação de transição justa, até chegarmos na alocação de recursos para Perdas e Danos, conseguimos achar um fio condutor que está sendo muito bem dito nesta COP e que citei há pouco: não é pra deixar ninguém para trás. Esse é um dos lemas mais fortes aqui em Dubai e precisa aparecer nos documentos.
Isto, pra nós, quer dizer que não é mais possível pensar na COP e nas suas inovações se não falarmos que este é o ciclo de integrar meio ambiente e direitos humanos.
Nós do MPI, e com certeza todo o governo, porque isto também é vontade do Presidente Lula, vamos fazer nossa parte não só para a COP de Belém ter a marca dos direitos humanos, mas também nestas negociações e nas da COP 29, pra seguir avançando nesta relação entre meio ambiente e direitos humanos.
Na quarta feira, por exemplo, já lançamos a coalizão indígena pra fazer da COP 30 aquela que terá maior participação indígena, e uma participação com qualidade efetiva e capacidade de contribuir com ls negociadores de todo mundo.
Um resumo até aqui, para podermos voltar até o início do debate: precisamos fazer mais, em menos tempo, e fazer sem deixar ninguém para trás, com garantia de direitos humanos e melhor qualidade de vida. E fazer isto, a partir do Sul Global, caminhando para uma meta de saldo zero de emissões envolve uma mudança enorme de paradigmas.
Não é um desafio fácil. E só vai avançar se tiver compromisso de todos atores. Nós do MPI sabemos bem disso e por isto estamos juntos do Pacto Global. E sabemos que já podemos contar com várias empresas. Mas ainda precisamos ir além. E aqui retomo ao início da minha fala.
Uma transição rápida e justa, consolidando uma nova matriz energética no Brasil e no mundo e avançando, portanto, para novas dinâmicas de produção e consumo é uma oportunidade incrível de consolidar novas tendências, de incentivar nossas cadeias econômicas e fortalecer novos setores. O Brasil e a América Latina tem tudo para ser protagonista e poder assumir um espaço que outros modelos de desenvolvimento no mundo que nos legaram a papéis de terceira classe.
Para isto ocorrer, no âmbito das negociações, precisamos liderar os processos. O princípio das responsabilidades comuns porém diferenciadas, tão arduamente conquistado nas negociações ambientais mas pouco compreendido nas negociações comerciais, é justamente o que nos garante este papel protagonista.
Para valorizar este principio precisamos dizer quais são as principais responsabilidades do nosso região e região .Estas passam por olhar a proteção da floresta, da biodiversidade e de seus povos, reduzir a emissão de carbono via desmatamento como um ativo positivo. Se nos dispomos a cumprir bem nosso papel, poderemos ter acesso a mais recursos para implementá-los e isto será certeza de poder seguir o desenvolvimento da região, mas agora com projetos inclusivos, sem deixar ninguém para trás.
Novos setores e novos projetos, um novo modelo de desenvolvimento sustentável são oportunidades para novos negócios e reposicionamento do país e das empresas, sem sombra de dúvidas.
Fazer isto com esta garantia de inclusão e respeito aos direitos, não pode ser visto mais como um “custo” pelo setor privado, mas sim como o diferencial que vai permitir ao Brasil e ao mundo avançar muito mais e evitar passarmos da meta de 1,5º.
O setor privado precisa entender que se engajar neste processo é se engajar num jogo onde todos ganham. Também por isto me assusta tanto este interesse tão forte em questionar direitos indígenas.
O oposto disto, se falharmos enquanto engajamento de todos e projeto societário, estaremos avançando fortemente para não conseguirmos barrar ir além de 1,5º e meio. Os impactos disto também serão sentidos por todos. Acho que este ano de 2023, o ano mais quente da história já nos mostrou muitas tragédias.
Não tenho dúvidas que, para além das ilhas e territórios que ameaçam desaparecer com a subida dos oceanos e que precisam de alternativas urgentes, os fenômenos extremos das Emergências Climáticas apontam que o Brasil será dos mais atingidos.
Aqui sim teremos um custo efetivo, um custo de ter que se adaptar para evitar mais tragédias, mas sem o papel de liderança internacional, sem acesso a meios de implementação e com uma sociedade ainda mais dividida buscando culpados.
Não vejo ninguém ganhando neste cenário, nem mesmo o setor privado. Voltando aos exemplos citados: os setores que querem o Marco Temporal também sairão perdendo se esta tese for implementadas. Aqueles que querem ganhar mais contratos abusivos precisarão rever seus contratos locais sob risco de denuncias internacionais e do Brasil ser condenado nas negociações e perder seu protagonismo.
Como muitos protestos mundo afora dizem: não existe um Planeta B. Os relatórios técnicos apontam que estamos chegando muito próximo do nosso limite. Esta COP busca avançar em acordos e novas metas de mitigação e adaptação, com propostas para não deixar ninguém para trás.
Não temos muito mais escolhas a fazer sobre qual processo se engajar, o de protagonismo no enfrentamento às mudanças climáticas com direitos humanos ou no de reação a cada evento extremos que gere desestruturação de nossos laços econômicos e sociais.
Precisamos do apoio de todo o setor privado. O Pacto é de fato decisivo para estas iniciativas e contem com o Governo Lula, com o Ministério dos Povos Indígenas para fazermos o necessário para avançar.
Muito obrigada.