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Discurso da ministra no painel da Funai e MPI sobre demarcação de terras indígenas - 05/12/2023
Gente, e aqui na COP, [vamos] comemorar esse dia histórico. Hoje o dia dos Povos Indígenas na COP 28. Um dia que a gente chegou aqui juntos, em grande estilo, assim como nós somos. Trazendo não só a presença física, mas a força dos nossos ancestrais e essa resistência indígena que é milenar.
Então, aqui também, nesse espaço, hoje, do Pavilhão Brasil, que ficou o dia inteiro exclusivo para os povos indígenas e isso também é histórico. O Pavilhão Brasil dedicado aos povos indígenas nesse dia de hoje. Nós, aqui, assumindo essa liderança, pautando aqui esses temas centrais para incidir na decisão dessa COP. Então, hoje, orgulhosamente falo aqui como ministra de Estado dos Povos Indígenas, a primeira vez que nós, indígenas, temos essa representação no governo federal e na COP, é claro.
Maior ainda, pra nós, é dizer que eu estou aqui falando como chefe da delegação brasileira. Isso também é histórico, precisa ser celebrado por nós. Nós temos traçado aí um longo caminho desde que a gente começou a participar das COPs. E esses dias aqui eu estou fazendo questão de lembrar quando a gente começou, quando nós chegamos aqui na COP, nós chegamos em 2009 e a gente estava ali, três pessoas, quatro pessoas participando.
Lembro bem do saudoso Lúcio Terena estava lá com a gente em Copenhague na Dinamarca e o nosso querido saudoso Lúcio Terena estava lá dizendo “Soninha, vamos tentar participar, vamos entrar nos espaços onde estão discutindo. Nós estamos aqui só três, quatro pessoas. Como é que a gente vai fazer chegar a nossa voz?” E aí estava o Chico Apurinã também. Eu faço muita questão de lembrar que as pessoas que botaram o pé primeiro ali e a gente era, ali, invisível. Ninguém olhava pra nós, ninguém enxergava a gente ali. Eu vinha já com o apoio do IPHAN, que trazia uma representação indígena do Brasil, uma representação do GTA, que era também o saudoso Rubão do GTA, e o Manoel Cunha do CNS.
Então estavamos ali nós três, tentando chegar no lugar, tentando chegar noutro lugar, pedir uma palavrinha e uma voz no microfone, ali, entrando nas agendas dos outros. A gente não tinha agenda na COP. Então a gente foi crescendo dentro desse espaço, foi criado o caucus indígena, a COP hoje tem um espaço de participação global dos povos indígenas e isso foi construído a partir de 2009, né?
Então, hoje tem esse espaço próprio dos povos indígenas de discussão. Tem o pavilhão indígena no espaço da COP, onde é a referência ali, do encontro, da concentração dos povos indígenas dentro desse pavilhão, né? E a partir daí a gente lutou pra ter a nossa voz no Acordo de Paris, teve a nossa voz no Acordo de Paris, na COP... 15? Não, 15 foi na Dinamarca. Em 2015, o Acordo de Paris em 2015. E ali o Acordo de Paris reconheceu o conhecimento tradicional, o conhecimento dos povos indígenas como conhecimento científico.
Foi ali, no Acordo de Paris, onde a gente conseguiu fazer uma incidência direta e garantir ali essa participação dos povos indígenas dentro das negociações. E foi aprovado ali. Então, isso já foi resultado da nossa participação. Então nós temos hoje um ganho no Acordo de Paris, que é a conquista dessa luta, dessa presença dos povos indígenas. Nós lutamos para que esse acordo seja implementado, seja respeitado.
Sim, precisamos ainda fazer com que isso deixe de ser um desafio e passe a ser, de fato, efetivado. E continuamos crescendo. Conquistamos o Dia dos Povos Indígenas na COP, que também não tinha o Dia dos Povos Indígenas na COP, e hoje, olha só, hoje, 2023, nós estamos aqui com a maior delegação indígena de todos os tempos da história da COP. A maior delegação do Brasil, a maior delegação indígena do mundo.
Gente, isso é conquista! Nós temos que celebrar isso. Nos temos que celebrar o que a gente tem conseguido, os avanços que a gente está alcançando. E nós estamos aqui hoje com esse dia no Pavilhão Brasil, a gente não tinha espaço também no Pavilhão Brasil. E olha o que a gente passou nesses últimos quatro ou seis anos. A gente não passava perto quando passava perto do Pavilhão Brasil, era para protestar.
Ano passado mesmo, ainda, foi um momento desse. Passamos perto do Pavilhão Brasil gritando, protestando, dizendo Fora Bolsonaro e não sei o que, e genocida! Não é? Foi isso. A realidade nesses quatro anos foi essa. Nós indígenas na COP, a gente representou o Brasil. A delegação indígena do Brasil estava aqui presente, falando, falando pelo Brasil, denunciando todas as atrocidades. E hoje nós temos o Ministério dos Povos Indígenas.
Hoje nós temos a presidência da Funai indígena. Olha só. Em 55 anos, é a primeira vez que a Funai tem uma presidência indígena, uma mulher indígena. E nós estamos aqui hoje, presente, com três representações distintas. Nós estamos aqui com representação do movimento indígena, da APIB, da Anmiga, das organizações estaduais. Nós estamos aqui com o movimento indígena, como a Celia diz, com o quarto poder, da luta, que é a luta.
Nós estamos aqui com representação do parlamento brasileiro, com a deputada Célia Xakriabá e nós estamos aqui com representação do governo federal, com uma representação indígena liderando toda a delegação, indígenas e não indígenas. Olha quanto isso é grandioso pra nós. Agora, com tudo isso, gente, com a participação não acabam os desafios. Não acabam. E compete a nós hoje, como autoridades, nós estamos hoje aqui, como autoridades nessa COP, como presidenta da Funai, como secretária de Estado, como movimento indígena.
Olha quantas pessoas hoje estão assumindo esses espaços que pra nós quatro anos atrás parecia impossível, parecia impossível a gente chegar nesses lugares. A gente saiu de quatro anos de desmantelo, de desmonte, de incentivo a invasões, de retirada de direitos. Hoje nós estamos aqui podendo falar de igual para igual com qualquer pessoa que a gente quiser, com qualquer pessoa. Então, agora o que nós temos é que aproveitar esse espaço.
É um momento de oportunidade. São muitos os desafios, são muitos, são infinitos, vão continuar existindo. Vão continuar existindo, porque esse lugar também não está preparado para receber a gente. A estrutura do Estado não está preparada para receber os povos indígenas. Essa diversidade do Brasil, não está. Então a gente conquistou, a gente chegou, agora nós temos que fazer valer isso.
Nós temos que consolidar esse espaço para que outros, depois de nós, assumam e deem continuidade. Nós temos que sair dessa anonimato, sair da invisibilidade, não só com reclamação. Eu acho que cobrar é necessário. Nós temos que continuar cobrando, exigindo o respeito aos modo de vida, aos direitos indígenas, a conquistar mais direitos. Mas é diferente de reclamar. Nós temos que aproveitar isso aqui pra propor. Propor o que nós queremos. Nós temos quantas terras indígenas demarcadas no Brasil? Quantas? Todas? Vamos lutar pra isso. Vamos lutar. A conjuntura é adversa. Nós estamos hoje ocupando um lugar no Poder Executivo, mas nós temos um Congresso Nacional que está lá, uma maioria é totalmente contra nós, totalmente contra os direitos indígenas, continuando a ir à luta para retroceder os direitos, para tirar os direitos conquistados.
E eles tem maioria para aprovar o que quiserem. Então nossa luta continua do mesmo jeito, do mesmo jeito. Nós temos que continuar dentro do Congresso Nacional, fazendo o que sempre fizemos. Movimento indígena presente, articulando lá, falando com parlamentares. Então, a responsabilidade de dar certo é de todos nós, é de todo mundo, é de nós, indígenas, da sociedade civil, parceiros e parceiras que também estão com a gente, né?
É do governo federal, do Poder Executivo e do Judiciário. Essa responsabilidade para dar certo é de todos nós. Juntos, fazendo articulação, inclusive para fortalecer candidaturas indígenas e de pessoas que comungam com os nossos interesses. Porque executar política, né, garantir orçamento para os ministérios depende também do Parlamento. Depende também da aprovação do Congresso Nacional. Todo o orçamento que é definido ali depende da aprovação no teto orçamentário no Congresso Nacional, depende das emendas parlamentares que os parlamentares amigos vão colocar para nós também.
E nós estamos ali fazendo isso com muita intensidade. Tenho reunido com deputados, com o senadores lá nos gabinetes deles, lá no meu gabinete, no ministério, para falar que eles precisam colocar emendas no nosso ministério para que a gente possa, juntamente com a Funai, executar as ações lá na ponta, pra que a gente possa avançar com a demarcação das terras indígenas, pra que a gente possa implementar a política nacional de gestão Ambiental e Territorial das terras indígenas, pra que a gente possa, aí, avançar também com as políticas sociais, de garantir a cidadania para os povos indígenas.
Então, nós temos muito a fazer, muito, mas temos muito ainda que fazer. Mas também gente, é importante dizer que em dez anos, dez anos, foram apenas 11 territórios indígena demarcados no Brasil. Em dez anos foram apenas 11. Olha só quanto ficou paralisado. E nós saímos de um governo que tinha uma decisão política de não demarcar nem um milímetro de terra indígena. Nós saímos desse lugar agora, não tem nem um ano. E este ano, em oito meses, nós demarcamos oito terras indígenas. Vocês acham que isso foi só porque o Lula assumiu? Não foi. Porque nós estávamos lá todo dia falando, falando “Nós temos que demarcar, temos que mostrar que realmente estamos comprometidos e o ministério faz a diferença, que a presença da Funai faz a diferença, né?
Tivemos ali, nós demarcamos oito terras indígenas em oito meses. É pouco? É pouco, mas nós estamos dando os passos para avançar. Nós queremos avançar e vamos avançar. Vamos avançar nesse tempo ainda que nos falta. De, agora, três anos e menos de um mês e o tempo passa muito rápido, gente. O tempo corre e o tempo passa muito rápido, né?
Mas nós temos que também reconhecer como uma grande conquista esse momento que nós estamos vivendo hoje. O Ministério dos Povos Indígenas rompe padrões, quebra paradigmas. É um ministério muito sistêmico, é um ministério internacional, porque a pauta indígena não é só, não diz respeito somente a nós. A pauta indígena é civilizatória e humanitária. E nós estamos aqui nessa luta para o mundo reconhecer isso.
O mundo precisa entender a importância dos povos indígenas, o papel dos povos indígenas nesse processo de conter as mudanças climáticas, pois os líderes governamentais precisam entender isso. Precisam entender o quanto os territórios indígenas são importantes nesse processo e os presidentes dos países precisam entender isso. Os negociadores precisam entender isso. Eles não sabem, eles não entendem. Pode até escutar e não entendem.
Não entendem. Nós precisamos falar mais, falar mais, falar mais, falar com muita gente, falar com todas as pessoas, falar com quem está lá dentro, negociando. Esse espaço de negociação é um espaço muito limitado, muito restrito. Nós temos lutado aqui também, para além da maior presença indígena, ampliar também a presença indígena dentro das negociações. Nós temos que continuar falando, pois isso né. Nós temos uma grande responsabilidade agora também, um papel super importante, que é organizar agora esse caminho até a COP 30 que acontece no nosso país, acontece em Belém do Pará, na Amazônia brasileira. Nós estamos aqui como legítimos representantes dessa COP e nós temos que fazer dessa COP uma COP histórica. O que é que nós vamos levar para essa COP? Uma proposta indígena nos temas globais que estão sendo decididas nas conferências do clima. O que nós vamos apresentar ali diretamente nos espaços de incidência onde se faz ali a negociação?
Nós temos que preparar esse caminho, com organização do movimento social, ali, junto com as demandas, com a nossa proposta de governo ali dentro, chegando com o Parlamento brasileiro, ali junto, cada um cumprindo o seu papel, porque só assim a gente vai conseguir avançar. Porque nós hoje somos complementares. Nós lutamos pra ter essa representação no governo federal, então nós temos que desempenhar nosso papel ali.
Mas o movimento indígena precisa continuar junto, forte, mobilizado, organizado para propor, para cobrar, mas também trazendo as alternativas. Nós estamos hoje como esse porta voz também, de levar a voz dos povos indígenas para esses espaços que a gente está ocupando. E é o movimento indígena que nos orienta, que é a nossa base que dá essa orientação para a gente defender.
Então gente, eu acho que hoje aqui é o dia da gente trazer essas preocupações e lutar para garantir o avanço das desintrusões. Nós estamos falando da Apyterewa, infelizmente. Hoje começamos o dia com essa tragédia ali, mas isso só mostra a necessidade que é retirar os invasores dessa terra e de entregar esse território livre para aquele povo. Essa violência só mostra isso, que essa presença de invasores ali é assassinato, é violência e morte.
Então nós temos que continuar juntos, lutando pela desintrusão da Apyterewa e pela conclusão da operação de desintrusão no Yanomami. E pela desintrusão das mais 30 terras indígenas que estão ali como prioritárias para serem desintrusadas. Por exemplo, a Joênia falou aqui, as terras indígenas, nem todas estão na mão, ainda, dos indígenas, que que não tem a posse plena dessa terra.
Nós entregamos esse ano já o território do Alto Rio Guamá, lá no Pará, para o povo Tembé. Há trinta anos a terra [está] demarcada. E estava lá ainda com 2000 pessoas [invasores] dentro do território. E a gente conseguiu concluir esse ano a desintrusão dos invasores daquela terra. Entregamos para o povo Tembé, lá no Alto Rio Guamá. E nós vamos continuar lutando pra que a gente faça a desintrusão de todas as outras terras que estão ali constando como prioridade, mas que também tem outras, né?
A gente precisa retirar os invasores, né? Os garimpeiros ilegais, precisamos tirar os madeireiros ilegais. Tem que tirar os grileiros dos territórios indígenas, porque nós estamos fazendo a coisa legal. O que nós estamos fazendo é combatendo atividades ilícitas dentro dos territórios, porque o território é de uso exclusivo dos povos indígenas. E nós vamos continuar lutando por isso, né? Pra a gente garantir o cumprimento, esse direito exclusivo dos territórios pelos povos indígenas.
Então, gente, contem com a gente, estamos juntos e vamos continuar avançando, porque essa luta nossa, muito obrigada.