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Discurso de encerramento da ministra Sonia Guajajara XVIII RAPIM – Reunião de Autoridades sobre Povos Indígenas do Mercosul – 16/11/2023
Excelentíssimo Sr. Vice-Presidente do Estado Plurinacional da Bolívia, David Choquehuanca,
Excelentíssimo Sr. Presidente do Fórum Permanente das Nações Unidas sobre Questões Indígenas, Darío Mejía Montalvo,
Parentíssimo Sr. Coordenador Executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), Dinamam Tuxá,
Ilustríssima Sra. Diretora de Promoção ao Desenvolvimento Sustentável da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), Lúcia Alberta Andrade,
Nosso objetivo aqui é refletir sobre o que tem sido feito e o que ainda está por fazer para que a participação política dos povos indígenas se torne realidade no Mercosul.
A participação social tornou-se um princípio de formulação de políticas públicas e de deliberação democrática desde os anos 1990. É algo que se consagrou pela experiência dos gestores de todo o mundo, para garantir o sucesso das políticas públicas, para todo tipo de público. Com a participação social o gestor obtém informações e pode prestar um serviço mais adequado. É um critério de racionalidade, de boa governança, de eficiência, ou seja, de boa Administração pública.
No nosso caso, entretanto, no caso dos povos indígenas, a nossa moldura jurídica e institucional é um pouco diferente. O nosso direito à participação social é também recomendável, como meio de obter uma boa gestão. Mas muito mais do que isso. Nosso direito vem do direito dos povos indígenas à autodeterminação, à autonomia, ao autogoverno e à garantia do controle dos acontecimentos que nos afetam. Tudo isso está na Declaração das Nações Unidas sobre o Direito dos Povos Indígenas. Então, a participação dos povos indígenas é não só um critério de eficiência, mas o reconhecimento de nosso direito de determinarmos os rumos do futuro de nossas comunidades, de escolhermos livremente quem desejamos ser. Cabe aos Estados garantirem os meios para concretizar nossas funções autônomas, seja em educação, em saúde, em segurança, em proteção territorial, em cultura, em política linguística.
Assim, um desafio imenso que se coloca é que essa participação deve ser pensada e executada de tal maneira que venha atender os mais diversos contextos em que os povos indígenas existem e resistem nos países que compõem o Mercosul. Aqui existem desde povos indígenas nas grandes metrópoles até povos isolados nos fundos das florestas. Povos nos mais variados biomas em países megadiversos. Povos que têm seus patrimônios linguísticos preservados e outros cujas línguas se fizeram espíritos e demandam processos de revitalização. Existem povos vivendo em terras indígenas cobertas por florestas, devidamente demarcadas e garantidas, e existem povos cujas terras não foram reconhecidas nem demarcadas, e que já foram completamente desmatadas.
Aqui faço um parêntese para reafirmar o indispensável: nenhuma política pública pode substituir o direito sagrado dos povos indígenas de terem garantida a posse plena sobre suas terras e seus territórios, e essa deve ser a prioridade para todos os países, se desejam promover um processo de reconciliação ou descolonização com os povos indígenas vivendo nesses territórios.
Em suma, somos povos que vivem cada qual em arranjo sócio-histórico único, em relação com sociedades colonas de diferentes origens, relação essa que muitas vezes é conflituosa.
Além disso, há também o desafio de procurar o consenso. A participação dos povos indígenas para orientar políticas públicas deve vir de um processo negociador dentro de cada comunidade e cada povo, resultante também da interação entre as formas de autoridade tradicionais e as formas estatais de fazer política, que foram importadas da Europa e implantadas à força no nosso continente.
Diante desse triplo desafio, que é o de (1) garantir a autodeterminação indígena (2) em um contexto de imensa diversidade sócio-cultural e (3) a partir da busca do consenso dentro dessas comunidades, existem avanços também a serem comemorados.
Estamos aqui hoje como Ministério dos Povos Indígenas, uma conquista dos movimentos indígenas no Brasil, como reconhecimento de uma participação dos povos indígenas que foi fundamental na retomada da democracia no nosso País. E por isso, avançamos em políticas públicas para promover direitos territoriais indígenas, para melhorar a gestão territorial indígena e para promover políticas específicas para as populações indígenas, dentro e fora das terras indígenas. Estamos apenas começando, e partimos de um Estado em que tudo havia sido desmontado. Então há muito trabalho a fazer.