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Discurso
Discurso da ministra Sonia Guajajara na abertura da reunião do Clube de Madri, em 13/11, no Palácio do Itamaraty
Bom dia! Bom dia a todas! Bom dia a todos. Quero saudar aqui o Ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, o presidente do Clube de Madri, Dr. Danilo, e a vice-ministra Ana Flávia, aqui representando o Ministério do Meio Ambiente. É uma enorme honra para mim poder estar aqui falando neste espaço que reúne tantas pessoas, tantas autoridades, inclusive presidentes e primeiros ministros de tantas partes do mundo.
É uma honra para o Brasil também sediar este encontro. Um voto de confiança mundial de que este governo, o governo do presidente Lula, pode contribuir com os temas mais centrais que estão em jogo no planeta neste momento e desde já abordando todos os eixos. Não são poucos os temas que estão colocando o planeta no limite, colocando as pessoas em situação cada vez mais de desespero. Precisamos repensar o modelo de desenvolvimento do mundo, porque os modelos até agora não têm trazido nenhum resultado.
Algumas tradições, povos indígenas, inclusive, gostamos de questionar o termo "desenvolvimento". Para estes povos, faz mais sentido falar, ao menos em português, em "envolvimento". Na língua portuguesa, "desenvolver" soa como "envolver menos"ou "deixar para trás", deixar de envolver. As tradições indígenas apontam que o "envolver mais" é que deve ser o sentido de um povo. Nas relações, nós com nós enquanto pessoas, mas também nós com o planeta. Então eu sei que não sei muito bem outras línguas, mas já gostaria de dizer que o título deveria ser "Como repensar de maneira urgente em envolvimento social para pessoas e para o planeta". Vou então jogar algumas questões centrais, ao meu ver, para repensar o envolvimento social.
Por exemplo, questionar o discurso de ódio e as fake news da extrema direita, que mantêm a sociedade polarizada a partir dos piores valores sociais. Questionar a guerra. O presidente Lula tem falado sempre que não é hora de investir em guerra. É preciso combater a fome. Isso não é uma afirmação retórica. Estamos vendo a mobilização de recursos crescentes em todas as grandes potências, ao mesmo tempo que vemos nestes últimos dias o sistema das Nações Unidas ter entrado em descrédito. Isto é muito grave e não é um bom sinal, mas é também um sinal que a governança de muitos dos organismos precisa ser alterada rapidamente. E este é outro discurso importante do presidente Lula. Queremos participação de todos os países. Todos os membros precisam se comprometer com este novo modelo. Mas é necessário seguir exigindo responsabilidades diferenciadas. E isso passa pelo financiamento mundial, mas também por uma nova governança global.
Questionar a fome e a desigualdade não deveria ser possível no atual estágio do século XXI, não haver o Pacto Mundial de Combate à Fome e à Desigualdade. Esperamos que a mensagem do presidente Lula seja escutada e que possamos pensar em novas e importantes iniciativas.
Questionar a fragilidade dos compromissos contra as mudanças climáticas e a preservação da biodiversidade. O mundo chegou num momento crítico. As emergências climáticas provocam reação da natureza em todo o planeta e o racismo ambiental aumentou, porque quem mais sofre são as populações que, historicamente, não só menos poluem, mas são as que mais protegem a natureza. Os impactos vão só aumentar. Precisamos, nesta Conferência do Clima, encontrar soluções urgentes e necessárias para limitar o crescimento da temperatura do planeta a um grau mínimo. Já é quase impossível, pelo tanto que já cresceu, pelo pouco que se fez e pelas guerras que hoje se fazem. Mas é urgente. E agora é necessário falar do todo.
Precisamos falar da transição justa, da transição energética, da preservação da biodiversidade, de dar apoio àqueles que mais sofrem perdas e danos com as mudanças climáticas. Muitos ainda vão insistir que não é hora de falar da biodiversidade, mas é preciso integrar todas as frentes, proteger a biodiversidade. Falar da agenda das florestas é tão importante que ganhou uma COP só para si. Mas a Convenção da Diversidade Biológica ainda não é valorizada. Os Estados Unidos, por exemplo, não fazem parte. Poucos chefes de Estado a prestigiam. Não será possível conter as emergências climáticas sem a proteção da biodiversidade. E esta precisa ser feita olhando as pessoas, olhando para os povos que vivem e protegem estes locais. Por isso, precisamos fortalecer a Convenção da Biodiversidade, mas também discutir a agenda de ação nesta COP 28.
Os povos indígenas querem seguir fazendo o seu papel e também o lugar à mesa. E neste sentido, é muito importante também ouvir a defesa integral de combate às mudanças climáticas e da proteção da biodiversidade com a garantia dos direitos humanos. É urgente e necessário vincular o meio ambiente com os direitos humanos. Ao valorizar os conhecimentos tradicionais e as culturas que pregam o envolvimento humano e a este modelo em ligação com o planeta, sabemos que enfrentaremos muitas resistências, seja em governos, em populações e em setores específicos em cada país. Aqui no Brasil, por exemplo, vinculamos nossas políticas de preservação da biodiversidade e gestão dos territórios indígenas aos compromissos internacionais. Queremos que nossos projetos sejam apoiados, mas precisamos também do apoio de solidariedade e de financiamento para que estas ações possam ser mais efetivas. Isto porque, além do cenário externo difícil, temos muita resistência interna.
Mesmo com tudo que já vem ocorrendo de impacto climático, mesmo com todo apoio que o agronegócio ainda recebe do governo, setores deste agronegócio avançam em legislações que vão contra todas as preocupações mundiais. Também por isso, buscar o envolvimento urgente pede uma dose extra de solidariedade. Peço o apoio e a manifestação de vocês contra a derrubada dos vetos do presidente Lula contra o marco temporal que está em pauta no Congresso Nacional. Avançar e aprovar esta tese é um retrocesso nos direitos indígenas e na proteção dos territórios. Sem a proteção dos territórios, violam-se mais os direitos humanos e fica mais difícil avançar em gestão ambiental e preservação da biodiversidade.
Muito obrigada!