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Discurso da ministra Sonia Guajajara durante reunião com prefeitos e secretários municipais de Saúde em Imperatriz (MA)
'Aldeiar' o Estado brasileiro não é só com a presença ocupando um cargo dentro das instituições, mas promovendo essa interação, que é diferente de integração. Essa interação de conversar, de fazer as pessoas conhecerem a nossa realidade, de dar oportunidade para as pessoas interagirem e vivenciarem. E isso dentro das instituições estaduais, federais, governamentais e não-governamentais. Então isso mostra que nós estamos construindo ainda essa compreensão das pessoas no Brasil inteiro, de quem somos nós, quem são os povos indígenas, como nós vivemos, qual a nossa realidade, como nós estamos agora olhando para o futuro.
Então, esse é um momento especial para nós, povos indígenas. É um momento também de inovação na política brasileira e na nossa história. Porque nós não estamos só contando a história ou escutando a história a partir de outros contarem sobre nós, mas nós estamos vivendo, fazendo essa história, fazendo essa história em muitas frentes de luta. E por isso que é importante aqui, agora, pensar como trabalhar diretamente com a criança, com a juventude e também com aqueles que já estão no curso superior. Porque nós sabemos o quanto é difícil a nossa juventude passar por meio das cotas nas universidades e se manter na cidade. É muito difícil. Se você tem a universidade dentro do território, é muito mais oportunidade para que não só entre, mas que permaneça. Então, aqui é o começo disso também, dessa história onde a juventude chega e vai poder concluir o ensino superior. E é um momento, também, em que o mundo inteiro olha para os povos indígenas.
Nós estamos numa crise jamais vista na história do país. Nós estamos saindo do terceiro mês mais quente da nossa história, o terceiro mês mais quente. No dia da Marcha das Mulheres, lá em Brasília, nós tivemos a marcha no dia 13 de setembro. Foi ali considerado o dia mais quente no Brasil, mais quente. Olha só. Nós estamos vivendo uma emergência climática. O mundo inteiro está discutindo como é que vai agora reduzir e como é que vai acabar com esses efeitos, dessas mudanças que estão acontecendo. É cheia, é estiagem. No sul do Brasil, hoje tem uma comitiva presidencial indo para Santa Catarina. Cidades alagadas. Acabamos de vir de Manaus com as cidades ali onde tinham rios e agora está tudo deserto, peixe morrendo, gente sem água. Então nós estamos vivendo uma emergência climática no Brasil e no mundo. E os territórios indígenas têm se apresentado comprovadamente como uma das últimas alternativas para conter essa crise climática. Isso não pode passar despercebido para ninguém. Não pode.
Por isso que é importante a presença de cada um, de cada pessoa não-indígena que está aqui hoje para, a partir dessa vivência, entender que é importante a proteção das culturas dos povos indígenas, dos modos de vida dos territórios. Não só como um benefício ou como um favor para os povos indígenas, mas como uma defesa da sua própria vida, da sua própria existência. E aí, gente, pra terminar, eu falo sempre, sempre mesmo… Toda vez que eu tô com um microfone, que eu vejo muita gente, eu sinto vontade de falar isso, porque eu acho que é um dado importante, que todo mundo precisa saber: nós, povos indígenas, nós somamos apenas 5% da população mundial. 5% da população no mundo, mas 82% da biodiversidade preservada no mundo está dentro territórios indígenas. Isso é muita coisa, é muita coisa. Isso é um dado comprovado das Nações Unidas. É importante que todo mundo saiba, pra olhar para nós não como os coitadinhos, não como os preguiçosos, porque somos nós quem mais trabalhamos para manter essa biodiversidade viva. Quer um trabalho maior que esse? E é exatamente desta proteção é que se garante, inclusive o ar que todo mundo respira, a água que todo mundo bebe. Então tem pessoas mais trabalhadoras do que nós, gente? Não tem. Nós fazemos a parte mais difícil, que é proteger a vida. Que é proteger a vida.
Então aqui também vai ser esse espaço de troca, de levar informação, das pessoas conhecerem quem são os indígenas, o que que a gente faz, qual é o papel desses povos, desses territórios preservados. A gente não vive, como é muito narrado por aí, competindo ou invadindo terra. De forma alguma. A gente não faz isso. E nós estamos trabalhando pra esse entendimento da sociedade, de que cada município precisa ser planejado também a partir da realidade que tem. E nós, povos indígenas, precisamos estar dentro desse planejamento. Dentro desse planejamento do município, valorizando toda essa riqueza de gente, de cultura, de território e da biodiversidade.
E aí, pra terminar agora de verdade, eu quero também saudar a tia Maria Santana, que é a nossa matriarca aqui da região, é mãe do Silvio, é minha tia e mãe das mulheres guerreiras aqui também da Lagoa Quieta. Maria Santana, que nos recebeu ali, a tia Iraci, que traz aqui suas netinhas, seus netinhos, mostrando também a importância de dar continuidade a essa cultura viva, né, tia Iraci? E vejo aqui tantas mulheres, a Sulueni, a Surama, Jacirene, tantas mulheres que estão aqui, que sempre foram guerreiras da Araribóia, e continuam aqui lutando para manter essa cultura viva, para manter essa identidade do povo Guajajara. E buscando sempre esse apoio para a gente trazer realmente as melhores condições de educação, de saúde, de infraestrutura para o nosso território. E aí quero também aqui agradecer a presença de outros indígenas, de outras regiões que estão aqui, da região Centro-Oeste, os indígenas da região Norte.
Então, esse momento aqui não é só um momento da Araribóia ou de Amarante. Nós estamos aqui num momento nacional. Temos aqui representação de todo o estado e temos aqui representações também nacionais, como a Coiab. Porque realmente é um momento de partilha, um momento de compartilhar conhecimentos. E aí, como já diziam nossos anciãos, o mundo está cheio de muita informação e pouca sabedoria. Eu acho que o momento aqui, e isso é da gente, espalhar sabedoria e dizer sempre que as pessoas ainda tem muito o que aprender com os povos indígenas e dizer que nós estamos juntos.
Vocês podem contar comigo hoje, enquanto ministra de Estado dos Povos Indígenas. Hoje é um lugar que muito me orgulha, porque eu sei que é um ministério inédito, mas que nós estamos abrindo portas para que outros indígenas possam chegar, para que outros indígenas possam dar continuidade também a essa presença, a essa participação, e a esse 'aldeiar' da política. E para a gente poder fazer esse 'aldeiar' a política, o convite que a gente tem feito todos os dias é para o reflorestarmentes. A partir do reflorestarmentes a gente já é floresta, todos os territórios do mundo.
Muito obrigada.