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Discurso da ministra Sonia Guajajara na Sede da Missão Permanente do México na ONU, em Nova Iorque
Bom dia a todos. É uma grande alegria estar aqui.
Agradeço pela oportunidade, pelo convite para participar deste importante painel. Estou aqui hoje falando pela primeira vez como uma ministra de Estado do Brasil. Uma ministra indígena, e pela primeira vez na história os povos indígenas estão no centro do debate político. Hoje nós temos o ministério dos Povos Indígenas por uma decisão política do presidente Lula, a partir da iniciativa e solicitação do movimento indígena brasileiro.
É a primeira vez também, em 55 anos, que nós temos a presidência da Funai, Fundação Nacional dos Povos Indígenas, por uma indígena. Uma mulher indígena ocupando esse lugar. A primeira coisa que nós fizemos ali foi mudar o nome de "Fundação Nacional do Índio" para "Fundação Nacional dos Povos Indígenas", reconhecendo também essa diversidade, essa pluralidade de povos indígenas no Brasil. Consideramos essas iniciativas que o Brasil sai na frente, pensando essa valorização e esse protagonismo indígena para uma agenda também do futuro. Então é muito importante que os países que tenham a presença de povos indígenas possam também ter essa iniciativa de criar esses mecanismos de participação direta dos povos indígenas no Poder Executivo.
No Brasil, nós também avançamos com a participação indígena no Poder Legislativo e nós conseguimos, pela primeira vez na história, ter uma bancada indígena parlamentar. Até então, a gente teve dois representantes parlamentares. O indígena Mário Juruna, na década de 80, e, em 2018, a deputada Joana Wapichana. E agora nós temos quatro mulheres indígenas eleitas no Parlamento. Isso para nós também foi uma grande conquista. Então nós lançamos essa iniciativa no ano passado, um chamado para "aldear" a política. "Aldear" a política é um chamado para essa compreensão de quem nós somos. Qual o papel dos povos e dos territórios indígenas, não só para a agenda indígena, mas para a agenda ambiental, para uma agenda civilizatória e humanitária. Declarei na cúpula de Belém, a Cúpula dos Presidentes da Amazônia, o Ministério dos Povos Indígenas como um ministério internacional. Porque a agenda indígena acaba beneficiando todo o planeta. Considerando que nós, povos indígenas, somos hoje apenas 5% da população mundial e protegemos 82% da biodiversidade, isso quer dizer muito. Quer dizer que os povos indígenas precisam estar também nos espaços de tomada de decisão.
Nós precisamos ampliar a participação indígena nos espaços das decisões climáticas e na elaboração das alternativas. Nós precisamos incluir os indígenas na participação, nas tomadas de decisão sobre a implementação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e declarar uma emergência na implementação desses objetivos. Nós já não temos mais tanto tempo. Em 2000 se criaram os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, que foram de 2000 a 2015. Em 2015 se decidiu definir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável de 2015 a 2030. No entanto, nós ainda não temos todos os territórios indígenas regularizados. E quando eu falo território, eu estou falando do território terra, do território água, do território florestas e montanhas. Precisamos da regularização dos territórios dos povos indígenas em todo o mundo. Nós precisamos mudar os sistemas alimentares. Não podemos mais permitir que o modelo de produção hoje, que garante economia, siga por meio das monoculturas, violando direitos territoriais dos povos indígenas. É preciso uma mudança urgente nos sistemas alimentares. E isso está também nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Precisamos garantir saúde e educação de qualidade. No Brasil, nós lutamos pela implementação de uma saúde e uma educação diferenciada. E temos isso inscrito na Constituição Federal, porém ainda não totalmente implementado. E nós seguimos lutando para que essa política agora, de fato, se concretize nos territórios indígenas.
Enquanto ministra de Estado, nós conseguimos, em oito meses, assinar a demarcação de oito territórios indígenas no Brasil. Já conseguimos fazer mais do que nos últimos oito anos de governo passados. E vamos avançar ainda mais na regularização desses territórios. Mas nós temos que avançar também no combate à violência contra os povos indígenas. Nossos povos seguem sendo assassinados nessa disputa, nos conflitos territoriais. Nós precisamos também fazer uma grande ação para combater a violência doméstica contra as mulheres no mundo, em especial contra as mulheres indígenas. Nós precisamos buscar formas de combater o feminicídio, e também de combater os assassinatos contra as mulheres indígenas dentro dos territórios, muitas vezes tidos como cultura. Nós não podemos permitir mais nenhum ato de violência como costume ou como cultura de um povo. Precisamos urgentemente falar sobre essa violência. Se as mulheres e as meninas seguem sendo assassinadas, o futuro também está em risco. Afinal de contas, somos nós, mulheres, que somos mães. São as meninas que são o futuro do planeta. Então precisamos proteger a vida das meninas e das mulheres. E esse é um chamado para todo mundo. E é por isso que nós falamos que a agenda indígena é uma agenda humanitária, civilizatória e uma agenda do futuro.
E aqui fica esse chamado para esse momento. Falar da cumbre do futuro é agir no presente. E a gente acabou de falar aqui que a juventude é a consequência do futuro. Então é importante esse chamado pra agora. No Brasil, nós saímos da terceira Marcha das Mulheres Indígenas, com 8.000 mulheres marchando em Brasília. Tivemos ali a presença de mais de 30 mulheres de outros países atendendo esse chamado das mulheres indígenas no Brasil. Mas nós queremos avançar com essa participação, onde mulheres de todo mundo se levantam para declarar essa urgência na implementação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, para que a gente possa, de fato, garantir esse futuro que a gente tanto fala. E pra finalizar, dizer que o chamado que nós fazemos é para o "reflorestar mentes". Não somente para não desmatar os territórios, não somente para não destruir o meio ambiente, mas para reflorestar as mentes das pessoas. Reflorestar os corações, reflorestar os pensamentos. E pensar que mais do que reflorestar, não desmatar. Mas para isso é preciso essa consciência das pessoas. E esse chamado para uma nova consciência política e ecológica está sendo feito por nós, povos indígenas de todo o mundo.
Pensar que 82% da biodiversidade protegida está nos territórios indígenas é também dizer que, se os direitos indígenas estão ameaçados, essa biodiversidade toda também está ameaçada. E se essa biodiversidade está em risco, significa que o planeta também está em risco. Portanto, nós temos parte da solução para a crise climática. Nós temos parte das alternativas que devem ser consideradas a serem apoiadas. E isso requer também uma credibilidade para apoiar diretamente, com financiamentos, as iniciativas já praticadas pelos povos indígenas nos seus territórios. Então finalizo dizendo que regularizar os territórios indígenas, proteger os territórios dos povos indígenas, garantir a segurança dos indígenas dentro dos seus territórios e as condições para se fazer a gestão e pensar as florestas não somente como estoque de carbono, mas pensar as florestas também como fonte de vida para todas as pessoas.
Muito obrigada!