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Discurso da ministra Sonia Guajajara na Rainforest Foundation, em Nova Iorque
É uma alegria estar aqui hoje.
Eu quero começar saudando pelo voto do ministro ontem no Supremo Tribunal Federal, mais um voto contra o Marco Temporal no Brasil. Estamos agora perante um placar de 5 a 2 e, provavelmente, a gente encerra hoje com o placar de 7 a 4. Essa é a minha conta. Se não oito! Então, vamos torcer para que a gente tenha ampla maioria. Mas, de qualquer modo, o tema do Marco Temporal no Supremo Tribunal Federal, para nós já está considerado como um caso superado. A gente já conta com essa vitória. É claro que, com o resultado, vem aí outros elementos que começam a aparecer e causam preocupações, como o tema da mineração, como o caso das indenizações, o pagamento pela terra nua, valor de mercado para quem está ocupando esses territórios até hoje. Então a gente segue. Afinal de contas, foi assim que a gente sempre viveu. Uma conquista atrás da outra.
Estamos num momento especial no Brasil. É a primeira vez que nós temos um Ministério dos Povos Indígenas. É a primeira vez em 55 anos que nós temos uma presidência da Funai indígena, uma mulher indígena. Então, isso pra nós é muito importante. Agora, isso não quer dizer que nós vamos conseguir superar todos os problemas desses longos cinco séculos. E estamos saindo de um período de seis anos que foram muito turbulentos, que foram muito difíceis, de muitos retrocessos aos direitos indígenas, aos territórios. Então nós estamos dando agora novos passos para conseguir não só reconstruir toda a política indigenista, mas também começar a construir novas políticas.
Nós temos a palavra pública do presidente Lula, do compromisso de retomar o processo de demarcação de terras indígenas no Brasil, que para nós é a bandeira maior, prioritária de todas as lutas. Mas enquanto o presidente Lula se levanta para defender, para retomar a demarcação dos territórios indígenas, nós temos um Congresso Nacional, com parlamentares, tanto parlamentares federais como o Senado, que se colocam contra todas essas medidas e acabam tentando retirar direitos já conquistados. E um dos exemplos fortes que eu posso trazer aqui é o Projeto de Lei 490, que foi aprovado na Câmara e agora está para ser votado no Senado, que é o projeto de lei agora de número 2903. Esse projeto de lei, além de trazer o Marco Temporal, traz também outras preocupações. Uma delas é exatamente a flexibilização para o acesso nos territórios de povos isolados. Então a gente considera esse projeto de lei muito grave, porque ele pode facilitar o acesso de outras pessoas nesses territórios onde, hoje, a política vigente é o não-contato, a política do não-contato.
Então nós estamos trabalhando nessa articulação com os senadores para que se retire esses pontos do Projeto de Lei. Conversei na última semana com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, e ele deu a garantia de que esse é um dos pontos que vai ser retirado do PL. Se a gente conseguir retirar esse, para nós já é um passo importante. Apresentei também uma preocupação no PL, que é o ponto que fala sobre expropriação de indígenas dos territórios quando estes apresentarem alterações de traços culturais. Que tipo de traços culturais são esses? Vão ser considerados por quem? Pela aparência física? Pelo uso de celular? Pelo uso de tecnologia nos territórios? Esse é um tema que realmente nos preocupa. E é uma justificativa para não demarcar os territórios, alegando que se há essa alteração de traços culturais, os indígenas já não precisam mais daquele território e ela, portanto, pode ser destinada a outros bens, conforme for o interesse da união. E tem outros pontos que eu não vou detalhar aqui agora, porque se você pegar o projeto de lei do começo ao fim, nós temos sempre medidas contrárias aos direitos indígenas. Quanto aos territórios de povos isolados, nós seguimos atualizando inclusive para revogar portarias, medidas que foram adotadas no governo anterior, que facilitavam inclusive a entrada de missões evangélicas dentro dos territórios de povos isolados. E aí, nessa articulação do Ministério dos Povos Indígenas com a Funai, por meio da presidenta Joenia Wapichana, nós já conseguimos revogar duas dessas instruções normativas que facilitavam o acesso e a exploração dos territórios indígenas.
Estamos dando passos lentos, mas agora já com uma estratégia de que nem tudo precisa ser com grande visibilidade, para não alertar nossos inimigos, nossa oposição. Estamos trabalhando para avançar com a demarcação das terras indígenas. Até o momento, foram oito territórios indígenas já demarcados pelo processo concluído com a homologação. E para esse ano, temos ainda seis processos que já estão na mesa do presidente para serem assinados, e estamos trabalhando para que sejam assinados ainda este ano. Então, se a gente consegue fazer isso, vamos cumprir os 14 [projetos de homologação] apresentados no início do ano. E com isso, com o que nós temos demarcado até agora, nós já demarcamos mais [territórios indígenas] do que nos últimos oito anos. Em oito meses, homologamos oito territórios indígenas, uma média de um por mês. Nos últimos dez anos, foram 11 territórios indígenas. Nos últimos oito anos, foram sete. E, em oito meses, nós assinamos oito. Portanto, é muito pequeno para o tamanho da demanda que ainda existe no Brasil. Mas nós continuamos trazendo essa pauta da demarcação das terras indígenas como uma pauta prioritária do ministério e dos povos indígenas no Brasil.
Então quero dizer também que para nós é uma novidade o ministério, a presidência da Funai por uma indígena e uma Secretaria Especial de Saúde Indígena também com um Secretário indígena. E nós estamos trabalhando de forma muito articulada com o movimento indígena, com a sociedade civil, com outros parceiros que sempre estiveram juntos, porque só assim a gente vai conseguir pressionar. Porque somente o ministério e a Funai não vão ser suficientes para a gente avançar. É preciso que o movimento esteja forte. Nossas bases, articuladas junto com a gente, apoiando esse novo momento em que nós temos indígenas no Poder Executivo, mas também ajudando a gente a fazer toda essa cobrança, porque isso nos dá legitimidade para levar essa voz pra dentro do governo, para dentro da institucionalidade. E aqui fica o nosso compromisso.
O meu compromisso hoje, enquanto ministra de Estado dos Povos Indígenas, é seguir firme nessa luta, nessa batalha que não é fácil, mas que hoje nós estamos ocupando também esse lugar de poder e de decisão. Onde o objetivo maior é garantir a demarcação das terras, proteger esses territórios, garantir a segurança dos indígenas dentro dos territórios e garantir as condições para se fazer a gestão desses diretórios conforme são as iniciativas próprias de cada povo. Porque embora a gente hoje ocupe esse lugar, nossos parentes continuam sendo assassinados. Nossos parentes indígenas continuam sendo atacados. E a gente sabe que isso pode ser também uma resposta para aquilo que nós estamos fazendo de positivo. Para mostrar, para tentar nos intimidar e nos fazer desistir.
Então eu quero terminar trazendo aqui o caso dos dois Guarani Kaiowá que foram queimados vivos dentro da sua casa. Um casal de indígenas do povo Guarani Kaiowá, onde a senhora era uma rezadeira de 82 anos. E agora também tivemos essa notícia dos garimpeiros no território Yanomami, provocando conflitos e atacando inclusive crianças. E tudo isso a gente entende que é uma represália ao trabalho que a gente vem fazendo e ao resultado que a gente está conseguindo. Mas também, com o território Yanomami, segue o compromisso da gente continuar lá, com ações permanentes, para retirar todos os invasores e garimpeiros ilegais que ainda estão naquele território, assim como evitar o retorno de quem já saiu. Da mesma forma, com os Guarani Kaiowá, já estamos com uma agenda para a gente instituir um grupo de trabalho para seguir com um processo de mapeamento de todas as áreas no Mato Grosso do Sul, e avançar também com o processo de demarcação, para além de um programa que nós estamos lançando agora de ressocialização dos encarcerados indígenas. Porque Mato Grosso do Sul é o estado do Brasil que mais assassina indígenas e que mais têm indígenas presos.
Eu agradeço aqui a oportunidade e sigo à disposição.
Muito obrigada.