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Discurso da ministra Sonia Guajajara na Canning House, em Londres
Gostaria de saudar aqui a todas as pessoas que se dispuseram a vir aqui nesta tarde conversar com a gente. Saudar o embaixador que acabou de chegar também aqui em Londres como Embaixador do Brasil nesse país. Estamos hoje aqui com a Txai Suruí, uma jovem liderança indígena lá do estado de Rondônia, na Amazônia. O Thiago Guarani, que é lá do território Jaraguá, lá do estado de São Paulo. Thiago vem do Território Indígena Jaraguá, que é a menor terra indígena do Brasil e que está no meio da maior cidade da América Latina. E ainda lutamos juntos pra gente conseguir demarcar aquele território, para o povo Guarani. Queria agradecer a todos pela disposição de atender esse convite.
Bom, eu estou chegando aqui vindo de Nova Iorque, onde participamos da Assembléia Geral da ONU e também da Semana do Clima, que acontece ali todo ano. Participamos de várias agendas. O presidente Lula fez ali um discurso histórico para nós, trazendo temas amplos e polêmicos mundiais e se colocando como esse grande líder mundial. Então, nós estamos num momento muito especial no Brasil. Um momento muito especial, onde a gente retoma a democracia do nosso país. A eleição do presidente Lula traz novas expectativas, novas esperanças para o povo brasileiro e para nós, indígenas, a retomada da demarcação dos nossos territórios, que para nós é muito significativo. E o presidente Lula traz também essa novidade de criar o Ministério dos Povos Indígenas, de um ministério que nunca existiu. O presidente Lula decide trazer os povos indígenas para o centro do debate político. E também trouxemos, pela primeira vez, uma presidência da Funai indígena. Em 55 anos da Funai, nunca houve uma presidência indígena. É a primeira vez na história. E o que a gente fez logo, pra começar na Funai, que foi a mudança do nome. A Funai, que era "Fundação Nacional do Índio", nós mudamos hoje para "Fundação Nacional dos Povos Indígenas". E a outra questão que a gente também já mudou inicialmente foi o 19 de abril, que era o "Dia do Índio". E nós já mudamos, por lei, para "Dia dos Povos Indígenas". Então, parecem duas mudanças simbólicas, mas para nós é muito significativo. Porque tanto o nome da Funai quanto o Dia dos Povos Indígenas, trazem essa pluralidade, essa diversidade de povos indígenas que existem no Brasil. Hoje, nós somos 305 povos indígenas diferentes, presentes em todos os estados brasileiros. Os últimos a reconhecerem a presença indígena foram os estados do Rio Grande do Norte e do Piauí, ambos no Nordeste, mas que hoje já têm o reconhecimento dos povos e também o reconhecimento dos territórios nesses dois estados. E assim marca-se a presença indígena em todos os estados brasileiros. Embora a gente ainda conviva com essa visão geral das pessoas de que os indígenas no Brasil estão somente na Amazônia, senão só no Amazonas. Ainda tem muito essa visão de que não têm indígenas no Sul, no Sudeste do país. E nós estamos lutando muito para aumentar essa visibilidade, para fazer a sociedade compreender que essa presença indígena está em todos os estados e das mais diversas formas possíveis. Nós estamos hoje nas universidades. Muitos indígenas fazendo curso superior também, graças à política afirmativa do presidente Lula na sua gestão passada, quando criou as cotas, as bolsas de estudo para que os indígenas pudessem concluir uma graduação. E mesmo assim, ainda há essa dificuldade de entender a realidade dos povos indígenas hoje. Então, estamos nas universidades, estamos no mercado de trabalho, mas também vivemos uma realidade muito conflituosa em relação à garantia territorial.
A Constituição Federal do Brasil, traz essa garantia dos direitos territoriais, reconhece os direitos coletivos dos povos indígenas, reconhece as formas de organização social próprias de cada povo. Mas, mesmo assim, nós enfrentamos problemas históricos. Conflitos históricos. No governo Bolsonaro, houve uma decisão política de não demarcar territórios indígenas. Bolsonaro disse por várias vezes: "No meu governo, não haverá um centímetro de demarcação de terra indígena". E quando perguntado, ele reafirmou: "Não, não é um centímetro. É nenhum milímetro". Bolsonaro também disse, em algum momento da sua vida política, que saudava a cavalaria americana, "que acabou com todos os seus índios e hoje não tem esse problema". Bolsonaro também afirmou isso. Então, Bolsonaro realmente representou para nós um desastre na política, um desastre na presidência do Brasil e representou não só uma ameaça para nós, indígenas, mas para o mundo inteiro. E acabou com toda a liderança que vinha construindo o Brasil em relação a essa luta climática, essa agenda climática.
E agora, é por isso que eu falo que estamos em um momento especial. Temos um Ministério dos Povos Indígenas, temos uma presidência da Funai por uma indígena, temos um Ministério do Meio Ambiente com uma ministra totalmente respeitada e responsável com os compromissos ambientais, que é a ministra Marina Silva. Temos trabalhado muito conjuntamente a pauta indígena, a pauta ambiental e a pauta climática, construindo sempre essa agenda internacional. E temos essa retomada do Brasil no que diz respeito à democracia. O Presidente Lula retomando essa liderança internacional na agenda ambiental, na agenda climática. Então, nós estamos num momento de muita oportunidade. Não podemos considerar como um momento permanente, mas é um momento de oportunidade, onde, pela primeira vez na história, temos indígenas no centro da política brasileira. Temos indígenas ocupando o poder Executivo e nós estamos juntos, ajudando na reconstrução do nosso país. Em oito meses de governo, já com o presidente Lula, nós conseguimos assinar oito demarcações de terras indígenas. São oito territórios indígenas com a sua homologação assinada pelo presidente. E isso já supera os últimos oito anos de governo. Nós retomamos, por meio de decreto presidencial, a Política Nacional de Gestão Ambiental e Territorial das Terras Indígenas, a PNGATI. Já instalamos o Comitê Gestor com a participação indígena, e agora vamos implementar, nos próximos dias, vinte PGTAs, que é o Plano de Gestão Territorial e Ambiental.
Nós retomamos também o CNPI, que é o Conselho Nacional de Política Indigenista, um Conselho que foi assinado pela presidenta Dilma em 2015, mas que nos últimos anos foi totalmente extinto por decisão do ex-presidente. Ele acabou com todos os espaços de participação popular e de controle social. E agora a gente retoma esse espaço de participação indígena, que tem a presença de trinta ministérios e trinta representações indígenas do Brasil. Considerando as representações dos estados e também de organizações de apoio, de entidades de apoio à luta dos povos indígenas. E por meio desse conselho, nós vamos discutir e apresentar todas as políticas para que esse Conselho delibere sobre o que vamos e o que não vamos implementar durante esses anos do governo do presidente Lula. Além disso, nós estamos também à frente da Secretaria Especial de Saúde Indígena com um secretário nacional indígena, que está totalmente comprometido em recompor o orçamento para este ano. Porque nós recebemos uma Secretaria Especial de Saúde Indígena com um déficit, uma previsão orçamentária de 60% a menos do que era a gestão passada. Um valor que já era insuficiente. Então, a primeira coisa que nós fizemos ali conjuntamente foi recompor esse orçamento e garantir os 60%. E trabalhamos agora juntos, para aumentar esse orçamento para a saúde indígena para os próximos anos. Assinamos também parceria com o Ministério da Igualdade Racial para garantir a pós-graduação e o doutorado de mulheres indígenas que possam ter bolsas para estudar em outros países, assim como também fazer pesquisas. Assinamos agora uma cooperação com o Ministério da Mulher, o programa "Mulher Guardiã", pra gente fazer um mapeamento dos dados da violência contra mulheres indígenas nos territórios e também apoiar essas mulheres dentro das casas da mulher brasileira, que são casas de apoio a mulheres vítimas de violência. Então, além dessas casas, nós teremos também esse núcleo especial para atender as mulheres indígenas. Estamos agora revendo a Lei Maria da Penha para atender a realidade indígena. A Lei Maria da Penha não atende a realidade das mulheres indígenas hoje. Não temos instrumentos específicos do Estado para atender essas mulheres. Então estamos trabalhando agora essa adequação da Lei Maria da Penha para atender as mulheres indígenas. Estamos em parceria também com o Ministério das Cidades, para criar o Programa de Habitação Rural Indígena. Hoje tem o programa Habitação Rural, e estamos trabalhando para ter o Habitação Rural Indígena, para que a gente possa ter casas que atendam as especificidades dos povos indígenas. Construir casas no formato, na arquitetura que contemple a realidade indígena.
Bom, em relação à desintrusão dos territórios indígenas, temos uma priorização de trinta e duas terras indígenas que hoje estão invadidas. Seja por madeireiros, pela exploração ilegal de madeira, seja por garimpeiros que estão ali com a atividade de garimpo ilegal, seja por grileiros, que acabam invadindo os territórios e ficam ali morando. Então, nós estamos com uma lista de trinta e duas terras indígenas a serem desintrusadas. Que sejam retirados os invasores. Seja garimpeiro, seja madeireiro, seja grileiro. Começamos pelo território Yanomami. Todo mundo viu a situação em que a gente recebeu o território Yanomami. É uma crise humanitária, uma crise sanitária pela presença de 20.000 garimpeiros ilegais dentro de um território que tinha 30.000 indígenas. Então estamos trabalhando até hoje para conseguir retirar todos os invasores. Uma média de 80% já saiu, mas ainda tem um pequeno número ali que persiste e não quer sair do território. A gente atribui a essas pessoas, pessoas que estão ligadas ao crime organizado, ao narcotráfico, que resistem em sair. Mas a equipe do Ministério do Meio Ambiente, por meio do Ibama, a Polícia Federal e o Ministério da Justiça estão trabalhando para que a gente possa retirar todos os invasores e manter uma fiscalização permanente para evitar a volta desses invasores do Território Yanomami. E, além disso, nós retiramos também os invasores que estavam no território indígena Alto Rio Guamá, no Pará, do povo Tembé. Em maio, nós anunciamos a desintrusão dessas pessoas no território. E no final de junho fizemos uma atividade com todo o povo pra entregar o território, já livre desses invasores. Todos foram retirados. E numa articulação com o Incra, com o governo do Estado e com os municípios, a gente devolveu essas pessoas para serem reintegrados. Ou na reforma agrária ou em ações ali de políticas de Estado, para que também não pudessem ficar desabrigados.
Então, nós estamos há nove meses à frente desse governo. Estamos reconstruindo toda a política indigenista, a política ambiental e a política de direitos humanos, como também construindo novas políticas. Para que a gente possa avançar com a demarcação das terras indígenas, com a proteção desses territórios, com a segurança dos indígenas dentro dos territórios e com as condições para que os indígenas possam fazer a gestão desses territórios por meio da PNGATI, dessa Política Nacional de Gestão Ambiental e Territorial das Terras Indígenas. Pode parecer pouco para o tamanho da demanda que nós temos no Brasil, mas nós queremos avançar muito ainda com a demarcação das terras indígenas, que temos ainda um passivo muito grande de terras a serem demarcadas. O presidente Lula traz muito esse compromisso de avançar com a demarcação das terras indígenas, de zerar o desmatamento no Brasil até 2030. E nós estamos juntos também, com o ministério do Meio Ambiente, com essa prioridade de alcançar essa meta de zerar o desmatamento no Brasil, de fazer a destinação de mais de 50 milhões de hectares de terras públicas não destinadas. Estamos juntos para fazer a destinação dessas terras, sejam áreas indígenas, sejam áreas de quilombolas, sejam áreas de conservação. Então nós estamos juntos, fazendo todo esse planejamento para a destinação dessas áreas. Importante que sejam áreas que estejam na mão de quem protege, na mão de quem entenda a importância de manter essas áreas preservadas.
Porque no momento que nós estamos hoje, em que o mundo inteiro discute os efeitos das mudanças climáticas, que o mundo inteiro discute formas alternativas de conter a crise climática, nós apresentamos parte dessa solução. E parte dessa solução é a demarcação, é a proteção dos territórios e também a proteção das pessoas que protegem. É importante hoje olhar para a Amazônia como o mundo está olhando, proteger a Amazônia. Mas pensar essa Amazônia com uma diversidade de pessoas, uma diversidade de culturas e uma sóciobioeconomia que precisa ser valorizada também, no paralelo ao agronegócio. Fomentar e apoiar essas iniciativas praticadas por povos indígenas, por comunidades tradicionais. Nós temos que apresentar também essa bioeconomia como uma das formas de valorizar a floresta em pé, a sustentabilidade que se contrapõe às monoculturas do agronegócio. Então, estamos juntos para agora acelerar as metas também de alcance dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, que foram declarados em 2015 pelas Nações Unidas. O presidente Lula traz muito fortemente essa prioridade de reduzir a pobreza, reduzir as desigualdades, mudar os sistemas alimentares, valorizar e apoiar a agricultura familiar, melhorar a saúde, a educação. E nós, povos indígenas, fazemos interface com todos esses temas. Então, o ministério dos Povos Indígenas foi criado num momento muito oportuno e muito necessário para o mundo, pra entender o protagonismo e o papel dos povos e territórios indígenas. Não só para a luta contra as mudanças climáticas, mas como uma pauta humanitária e civilizatória para todo o mundo, para todo o planeta. E nos colocamos à disposição também de todas as pessoas e os governos para gente ajudar a entender, a compreender que o futuro é ancestral, que o futuro é indígena. E o mundo inteiro precisa compreender isso nesse momento. O que nós indígenas estamos fazendo para proteger a biodiversidade que acaba chegando para todas as pessoas. Nós, povos indígenas, somos 5% da população mundial e protegemos 82% da biodiversidade do mundo. Então, se 82% da biodiversidade protegida preservada está nos territórios indígenas, é preciso entender também qual o papel de cada um em apoiar os povos indígenas. Em apoiar os povos não como pauta, mas como elementos necessários para a garantia da vida. Se a biodiversidade está ameaçada, todas as pessoas, portanto, também estão ameaçadas. Então, nesse momento, é importante entender o papel de todos. Das empresas que produzem, que financiam, que compram produtos do Brasil e da Amazônia. Dos governos que precisam assumir as metas e as responsabilidades, e da sociedade, que precisa também entender o seu papel de cobrar seus governos para cumprir esses princípios dos direitos humanos e do respeito ao meio ambiente.
Então, hoje, como ministra de Estado dos Povos Indígenas do Brasil, eu trago também esse chamado para esse apoio, como ministra não só do Brasil, mas como uma ministra do mundo. Porque o benefício dos povos indígenas não diz respeito somente aos povos indígenas do Brasil, mas a toda humanidade. Eu agradeço a presença de vocês aqui e estou à disposição para a gente seguir conversando.
Muito obrigada.