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Discurso da ministra Sonia Guajajara durante Climate Week, no evento "Direitos, Participação e Benefícios para Povos Indígenas e Comunidades Locais"
Boa tarde!
Cumprimentar aqui à mesa e em nome do anfitrião aqui da Fundação Ford, e cumprimentar a todos e todas as pessoas aqui presentes, em nome do amigo e parentíssimo Kleber Karipuna, Coordenador Executivo da APIB, Articulação dos Povos Indígenas do Brasil. Esse lugar onde eu fiquei por nove anos à frente. E aí Kleber está hoje aqui como sucessor dessa coordenação do movimento indígena no Brasil.
Bom, fico feliz de rever aqui tantas pessoas das organizações MPB, AMAN (Aliança dos Povos Indígenas do Arquipélago), COICA (Coordenadora de Organizações Indígenas da Bacia do Rio Amazonas), os membros da Aliança Global, que também participei durante algum tempo. Fico feliz de encontrar vocês aqui agora nesse debate que fala sobre o Fundo Climático.
O Brasil está realmente num novo momento, saindo de um período que o Brasil ficou isolado nas discussões climáticas. Antes, o Brasil vinha crescendo, assumindo todo esse debate das metas, do cumprimento e das ações para reduzir as emissões. E nos últimos quatro anos, o Brasil simplesmente não só ficou isolado como ficou ainda trabalhando contra tudo o que vinha sendo construído. Então é um momento especial para nós, povos indígenas, onde temos agora o Ministério dos Povos Indígenas.
É a primeira vez na história que nós temos um ministério, que nós temos uma ministra indígena. Então é para nós, de fato, um momento de oportunidade. E o presidente Lula está dando essa oportunidade para nós, povos indígenas, estarmos nessa linha de frente, fazendo a discussão da proteção da biodiversidade, da proteção das florestas e também assumindo essa liderança no que diz respeito aos fundos para a proteção das florestas. Porque se pensar na proteção das florestas, da biodiversidade, primeiro precisamos pensar na proteção das pessoas que protegem.
É preciso pensar primeiro na participação direta dos povos indígenas nas comunidades tradicionais, que estão ali protegendo com o seu próprio modo de vida. Então, neste momento que o mundo inteiro olha para alternativas para conter a crise climática, primeiro precisamos pensar nessa participação direta, no financiamento direto das organizações desses povos.
Por muito tempo, outras pessoas falaram por nós, decidiram por nós. Mas hoje, nós estamos aqui nos propondo não só a sermos tratados como pessoas que protegem e que precisam ser protegidos, mas também é preciso escutar as soluções que a gente apresenta. Nós temos parte da solução para essa crise climática e isso ainda é ignorado por muitos setores, inclusive governamentais. Por muitos setores, inclusive industriais. E é importante essa escuta.
Nós temos falado muito que o futuro é ancestral, o futuro é indígena. Não que todo mundo tenha que voltar ou tenha que ser indígena, mas as pessoas precisam entender esse momento de emergência que o mundo está vivendo. A emergência climática não diz respeito somente a uma mudança nas formas de consumo, mas também comportamental, de entender essa diversidade de povos que existem no mundo. De entender o papel de cada um. Então é um momento de somar forças, de juntar a sociedade, povos de comunidades tradicionais. O setor produtivo precisa entender que é necessária uma mudança também no sistema de produção alimentar. E os governos precisam, para além de apresentar os discursos, ter medidas concretas. O presidente Lula tem falado muito: há quanto tempo se anunciam os bilhões e os bilhões de dólares para proteger a floresta? E onde está esse dinheiro, que nunca chega? O presidente Lula tem cobrado isso publicamente em todos os seus discursos. Nós saímos agora da cúpula dos presidentes da Amazônia, lá em Belém, e o presidente Lula ressaltou isso. O mundo sempre falou pela Amazônia. Agora é a hora da Amazônia falar para o mundo. E nós, povos indígenas, estamos juntos nessa comitiva do Brasil que está falando para o mundo.
Nós estamos lá com uma Amazônia que tem muitas pessoas, que tem milhares de pessoas. E essas pessoas continuam morrendo. Essas pessoas seguem sendo assassinadas. E quando a gente fala aqui da proteção da Amazônia, nós precisamos ampliar ainda mais. Nós precisamos falar também dos outros biomas que estão sendo igualmente destruídos. Nós falamos do bioma Cerrado, nós falamos do bioma Mata Atlântica, nós falamos do bioma Pantanal, dos Pampas e da Caatinga. São seis biomas brasileiros que, se não protegidos, a Amazônia sozinha não vai conseguir o equilíbrio que a gente precisa para proteger todo o ecossistema. Porque, à medida que você não protege esses biomas, eles vão ser destruídos, e a pressão avança ainda mais para a Amazônia. Então é muito importante esse olhar mundial também para a proteção desses biomas que estão queimando, que estão sendo desmatados e que estão perdendo também a sua vegetação nativa. Então, para conseguir esse equilíbrio de proteção da biodiversidade, para conseguir essa redução das emissões e todo esse desenvolvimento sustentável que a gente fala, nós precisamos olhar também para essa diversidade de florestas, de vegetação nativa.
Eu termino fazendo também um momento de solidariedade a um casal de indígenas que foi morto no Brasil ontem. O casal, que foi encontrado queimado na sua própria casa na região de Mato Grosso do Sul, que é Pantanal, mas é uma região na fronteira com o Paraguai. O casal, uma senhora rezadeira junto com seu esposo, foram queimados vivos dentro da sua casa. Isso ainda nos estarrece diante desses fatos que a gente está lutando para conter a violência, lutando para conter o racismo ambiental, a intolerância religiosa. Então nos damos conta que temos muito ainda o que fazer para acabar com essa violência também e esse feminicídio dentro dos territórios indígenas. E creio que isso acontece não só no Brasil, mas em outras partes do mundo. E a gente precisa trazer esse debate também, do combate à violência doméstica, do feminicídio dentro dos territórios indígenas, paralelo a essa discussão sobre financiamento. Porque para proteger a floresta, nós temos que proteger a vida das pessoas.
Então, trago aqui nesse momento os povos indígenas mais uma vez, para esse protagonismo que precisa ser considerado, que precisa receber também esse apoio do mundo inteiro. Bom, então, para concluir, agradeço muito ao convite e dizer que esse fundo realmente, nesse momento, precisa aparecer e precisa ser implementado, tendo povos indígenas como protagonistas na implementação.
Muito obrigada!