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Igualdade de gênero e raça e melhoria de políticas públicas norteiam apresentação de plataforma do Ipea
Interseccionalidade e erradicação das desigualdades a partir de dados mais acessíveis foram discussões que permearam o seminário Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça – Reconstrução dos Sistemas Públicos de Informação e Transversalização das Políticas Públicas, realizado nesta quinta-feira (15) pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em parceria com a Entidade das Nações Unidas para a Igualdade de Gênero e o Empoderamento das Mulheres (ONU Mulheres) e o Ministério das Mulheres. O evento marcou o relançamento da plataforma, celebrando 22 anos de sua existência, com a presença das ministras Simone Tebet (Planejamento e Orçamento), Cida Gonçalves (Mulheres), Esther Dweck (Gestão e Inovação em Serviços Públicos) e Anielle Franco (Igualdade Racial).
Na mesa de abertura, a presidenta do Ipea, Luciana Mendes Santos Servo, destacou o esforço do instituto em consolidar os dados da plataforma, que teve atualização de números desagregados via Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua de 2016 a 2022. “O Retrato é, a princípio, um conjunto de indicadores que estão sendo produzidos há 20 anos, e é muito simbólico. Está sendo relançado no ano em que o Ipea vai fazer 60 anos, então são duas marcas”, declarou. A presidenta salientou, no entanto, os desafios das desigualdades étnico-raciais.
“As lideranças femininas deste país fazem a diferença, mas a diferença principal tem que vir de mudanças estruturais. E essas mudanças estruturais vêm acontecendo, de alguma forma, com a Lei de Cotas, que hoje já coloca 48% de estudantes cotistas nas universidades. Mas, quando eles vão para o mercado de trabalho, se defrontam com aquilo que é a nossa realidade histórica dessas diferenças, a discriminação e o racismo da nossa sociedade”, afirmou Luciana.
O Plano Plurianual Participativo 2024 foi mencionado pela chefe da pasta de Planejamento e Orçamento, Simone Tebet. “[Trabalhamos] nesse lema do governo do presidente Lula de que ninguém, absolutamente ninguém, pode ficar pra trás. (...) Quem faz a política de planejamento de médio prazo não é o gabinete a portas fechadas, é a sociedade brasileira ouvida em todos os estados, em todas as capitais, como nós fizemos. E o PPA Participativo foi tão revolucionário, como a voz do povo, é a sabedoria popular na transversalidade, todas as ações e políticas públicas do governo federal. Portanto, todos os recursos do orçamento brasileiro, fruto dos impostos do povo brasileiro, têm que, de alguma forma, estar abarcados nessa transversalidade. Se contrariar qualquer um desses quesitos, não pode ser aprovado pelo Congresso Nacional. Eu acho que isso é um grande avanço e uma grande contribuição do governo federal”, declarou a ministra.
Esther Dweck, do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, destacou feitos da pasta em conjunto com outros grupos da atual gestão federal para garantir o ingresso de mulheres no setor público, um grande desafio. “Uma das parcerias com o Ministério da Igualdade Racial foram as cotas nos cargos de direção, algo muito importante, porque a gente percebia que a entrada estava sendo pensada pelas cotas no concurso, mas o processo de progressão dentro da carreira, para a ocupação de cargos, não estava seguindo o mesmo padrão. Acreditamos que é preciso uma subcota para mulheres negras, também. E tanto a lógica do concurso, quanto a lógica dos cargos de direção, é um pouco a lógica de que você tenha maior representatividade no serviço público. A sociedade brasileira vai mudar a forma de fazer políticas públicas. Então, isso é essencial para que a gente possa melhorar a nossa capacidade de fazer políticas públicas”, salientou.
Anielle Franco, chefe da pasta da Igualdade Racial, recordou a necessidade de dados e números que escancarem a violência sofrida por mulheres negras no Brasil, a exemplo do que ocorreu com sua irmã, Marielle, assassinada em 2018 no Rio de Janeiro. “O Ipea estimou que o número de mulheres assassinadas em 2022 foi de 4.670. Isso é um terço dos ocorridos dentro de casa, o que é extremamente grave. A questão precisa ser lida da perspectiva interseccional, obviamente. Os dados precisam ser trazidos não apenas para que a gente entenda a realidade, mas como chaves interpretativas que precisam ser consideradas para compreender esses altos índices, uma vez que mulheres negras são tradicionalmente mais expostas a fatores geradores de violência em comparação com mulheres negras”, afirmou.
Na mesma linha, a ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, defendeu a busca pela igualdade de gênero e raça e falou sobre como a carência de dados precisos, em outras épocas, gerou um grande desafio para gestores e gestoras no país. “Como nós poderíamos fazer políticas públicas de igualdade, seja de raça, seja de gênero, sem dados? Esse era o primeiro grande desafio. Surge daí a necessidade de construir todo esse processo para que possamos ter, de fato, os dados todos no mesmo local. Então, esse Retrato é superimportante. Precisamos estabelecer um processo nesse país, que nós construímos durante 14 anos, todo um processo de construção democrática, de política pública a partir da ciência, a partir de dados, a partir de informações, que foi desfeito nos últimos seis anos”, enfatizou.
Mais de 300 indicadores
Com mais de 300 indicadores e 2 mil gráficos produzidos a partir das informações da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Retrato é uma iniciativa do Ipea que surgiu em 2004. Joana Mostafa, técnica de planejamento e pesquisa do instituto, explicou como funciona a atualização da plataforma a partir de um dos recortes.
“A base material da desigualdade de gênero chama-se divisão sexual do trabalho. É um conceito bem importante para a área de gênero. Aqui é um dado que a gente soma, por exemplo, o tempo de trabalho para o mercado remunerado, o tempo de trabalho voluntário, o tempo de trabalho para a produção, para o autoconsumo, e o tempo que a gente gasta com o trabalho doméstico e de cuidados não remunerado. Se você olha isso interseccionalmente – mulheres, mulheres negras, mulheres brancas, homens negros, homens brancos –, você percebe o quanto do tempo das mulheres está dedicado ao trabalho doméstico e de cuidado não remunerado em relação ao tempo que os homens têm e se dedicam. São coisas que várias pessoas já conhecem, claro, mas aqui o dado é somado, e isso é raro de ver”, destacou
Durante o debate, coletivos e movimentos sociais foram destacados como essenciais na construção da ênfase de dados sobre gênero e raça. “Quantas vezes a gente não ouviu, por quantos séculos não foi um discurso dominante nesse país, o discurso de que no Brasil não existia desigualdade racial? Inclusive boa parte das pesquisas sobre desigualdade racial começaram justamente por um investimento para provar que, no Brasil, elas não existiam, e aí mostraram o contrário. Os jovens, por exemplo, têm o diagnóstico do que eles precisam fazer, os jovens negros que participaram das escutas, mas isso não necessariamente se traduz em dados”, exemplificou Ana Cláudia Jaquetto, analista de programas na ONU Mulheres Brasil.
Bastante aplaudida, a palestrante Cida Bento, doutora em psicologia e diretora do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades, relatou histórias sobre as dificuldades enfrentadas pelas mulheres no mercado de trabalho. “Algumas pessoas da mesa destacaram, e eu queria também destacar aqui, que a agenda que nós vivemos no Estado brasileiro, nas organizações públicas e privadas neste campo, tem e precisa continuar tendo a presença e a pressão crescente dos movimentos sociais, dos movimentos de mulheres negras, dos movimentos indígenas, porque estamos sempre prontos, num país como o nosso, que tem de plantão, sendo generosa, conservadores, mas eu poderia usar outra expressão. Quando perguntamos para as organizações quais são os pontos mais importantes que fazem avançar uma prática dentro da organização, está um planejamento, uma montagem de um sistema de monitoramento, um sistema que possa acompanhar como é que avançam esses diferentes grupos. É preciso uma política aí”, completou.
Acesse o site do projeto Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça
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