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Em coletiva na Itália, presidente trata de transição energética, conversa com o Papa, paz na Ucrânia e acordos comerciais
O presidente Lula durante a coletiva de imprensa em Roma, na Itália. Foto: Ricardo Stuckert / PR
Quando um Chefe de Estado se encontra com outro Chefe de Estado, não está em jogo a questão ideológica. Eu, para me encontrar com a primeira-ministra da Itália, a mim não importa o posicionamento político dela. O que importa é que ela é Chefe de Estado da Itália, defende os interesses do povo italiano, eu estou Chefe de Estado brasileiro, defendo os interesses do Brasil
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Presidente da República
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva encerrou a visita à Itália com uma entrevista coletiva na manhã desta quinta-feira, 22/6, em Roma. Durante quase uma hora, ele falou sobre as relações entre Brasil e Itália, detalhou conversas com governantes do país europeu e com o Papa Francisco , avaliou o possível acordo entre Mercosul e União Europeia, enfatizou o protagonismo do Brasil nas discussões sobre meio ambiente e transição energética e tratou da possibilidade de paz no conflito entre Rússia e Ucrânia. Lula chega na tarde desta quinta a Paris, capital da França, para participar de um fórum econômico e de diversas reuniões bilaterais com governantes e autoridades internacionais.
Confira abaixo algumas das principais declarações do presidente:
VISITA À ITÁLIA — Essa minha viagem foi para, primeiro, estabelecer uma nova relação com a Itália, depois de tantos anos de afastamento do Brasil. Às vezes estranho porque poucas autoridades italianas visitam o Brasil. Ontem fiquei sabendo que a primeira-ministra (Giorgia Meloni) não conhece o Brasil e o presidente (Sergio) Mattarella também não. Acho que é no mínimo estranho um país que tem 30 milhões de italianos não ter a visita dos governantes italianos. Por isso convidei tanto o presidente quanto a primeira-ministra para visitar o Brasil. Tivemos uma boa conversa com a primeira-ministra sobre o futuro das nossas relações. Temos um fluxo comercial de US$ 10,5 bilhões em 2022 e pelo tamanho da população e da economia italiana e pelo tamanho da população brasileira e da economia brasileira, a gente deveria ter um fluxo maior.
Transcrição da íntegra da entrevista coletiva
DIFERENÇAS IDEOLÓGICAS — Quando um Chefe de Estado se encontra com outro Chefe de Estado, não está em jogo a questão ideológica. Eu, para me encontrar com a primeira-ministra da Itália, a mim não importa o posicionamento político dela. O que importa é que ela é Chefe de Estado da Itália, defende os interesses do povo italiano, eu estou Chefe de Estado brasileiro, defendo os interesses do Brasil. E eu venho aqui para que a gente possa discutir, sabe, o que é importante fazer para que os dois países possam ganhar. A gente pode construir parcerias na área empresarial. Nós temos mais de 1.400 empresas italianas no Brasil. Nós temos muitas empresas brasileiras na Itália. A gente pode construir parceria científica e tecnológica. As nossas universidades podem fazer parcerias. E é assim que a gente conversa.
TRANSMISSÃO | Lula fala à imprensa na Itália
As pessoas que falam muito da Amazônia, que defendem mas não conhecem a Amazônia, terão a chance em 2025 de colocar os pés no estado do Pará, na cidade de Belém, e ver de perto o que é a grandiosidade da Amazônia
QUESTÃO CLIMÁTICA — Conversamos muito sobre a questão do clima. Vocês sabem que conquistamos o direito de realizar a COP30 em 2025 e será a primeira COP a ser realizada em um estado amazônico. Ou seja, as pessoas que falam muito da Amazônia, que defendem mas não conhecem a Amazônia, terão a chance em 2025 de colocar os pés no estado do Pará, na cidade de Belém, e ver de perto o que é a grandiosidade da Amazônia. Ao mesmo tempo, estamos convocando um encontro dos países amazônicos: Equador, Colômbia, Bolívia, Venezuela, Peru, Suriname, Guiana e Guiana Francesa. A França, vocês sabem, tem sua maior fronteira no mundo com o Brasil, que é a Guiana Francesa, e eu espero que eles possam participar desse encontro.
TRANSIÇÃO ENERGÉTICA — Também discuti muito com a primeira-ministra e o presidente a questão da transição energética que o mundo está passando. É importante dizer que o Brasil é o país do mundo com maior quantidade de energia limpa. No setor elétrico, 87% da energia brasileira é renovável, contra 27% no resto do mundo. No conjunto da matriz energética, incluindo combustíveis, o Brasil tem 50% de energia renovável contra 15% do resto do mundo. Temos enorme potencial na energia solar, na energia eólica e agora estamos investindo no hidrogênio verde com apoio de Alemanha, Noruega e Suécia. Vários países do mundo estão fazendo parcerias com universidades e empresas brasileiras na perspectiva de colocar o hidrogênio verde na nossa matriz energética nessa próxima década. E vamos tentar fazer da transição energética um novo modo de industrializar nosso país. É preciso garantir que a economia verde exista de verdade.
MERCOSUL-UNIÃO EUROPEIA — Vocês sabem que tem uma proposta de acordo (entre UE e Mercosul). Essa proposta ainda não está em conformidade com aquilo que os países da América Latina, como o Brasil, que quer ter o direito de recuperar a sua capacidade de industrialização, deseja. A carta adicional que a União Europeia mandou para o Mercosul é inaceitável porque eles colocam punição para qualquer país que não cumprir o Acordo de Paris. Nem eles cumpriram. Os países ricos não cumpriram o Acordo de Paris, o Protocolo de Quioto, a decisão de Copenhagen, ou seja, nós precisamos de um pouco mais de sensibilidade, um pouco mais de humildade. Estamos preparando uma resposta e vamos ver se a gente consegue um acordo para favorecer os dois continentes.
Vou estar na França e pretendo conversar com o presidente Macron, porque a França é muito dura na defesa dos seus interesses agrícolas. É importante a gente convencer a França que é maravilhoso que eles defendam a sua agricultura, mas eles têm que entender que os outros também têm o direito de defender seus interesses. É preciso que todos abram mão de seu preciosismo e do seu protecionismo.
Presidente reforçou o protagonismo do Brasil nas questões de transição energética | Foto: Ricardo Stuckert
Eu estou de acordo com o Papa Francisco: é preciso ter gente envolvida em discutir a questão da paz. É preciso colocar os atores numa mesa de negociação. É preciso parar de atirar e é preciso encontrar uma solução pacífica porque o mundo tem 800 milhões de seres humanos que vão dormir toda noite sem ter o que comer. E não é justo se gastar bilhões de dólares ou de euros com guerra desnecessária
PAZ NA UCRÂNIA — Eu estou de acordo com o Papa Francisco: é preciso ter gente envolvida em discutir a questão da paz. É preciso colocar os atores numa mesa de negociação. É preciso parar de atirar e é preciso encontrar uma solução pacífica porque o mundo tem 800 milhões de seres humanos que vão dormir toda noite sem ter o que comer. E não é justo se gastar bilhões de dólares ou de euros com uma guerra desnecessária quando a gente poderia tentar estar vivendo num momento de paz porque o mundo está precisando disso. Nós já conversamos com Índia, Indonésia, China, na perspectiva de criar uma consciência e um grupo de pessoas que possam construir a paz. E nesse aspecto, o Papa é uma pessoa extremamente importante.
ACORDO DE PAZ — Um acordo de paz não é uma rendição. Num acordo de paz, os dois envolvidos tem que ganhar alguma coisa, senão não tem acordo. Se você tem uma proposta que um tem que ceder 100%, é uma rendição. São os ucranianos e os russos que precisam decidir. Na minha cabeça, a primeira coisa a fazer é parar a guerra e, quando parar, sentar para conversar. Encontrar um denominador comum leva tempo. Não é fácil, se fosse já tinha resolvido. Vai chegar um momento que a razão vai prevalecer.
PAPA E O CÍRIO DE NAZARÉ — Pelo sorriso que ele deu, acho que ele tem vontade. Temos de levar em conta a agenda do Papa. Ele já foi ao Brasil, mas ainda não foi à Argentina, ao Uruguai, ao Paraguai. Quando pensei em convidar o Santo Papa é porque a festa do Círio é uma das maiores do mundo. Este ano, eu, que nunca fui, vou e sugeri ao Papa. Ele pode levar em conta a grandiosidade da Igreja Católica no Brasil. Se estiver com a saúde perfeita, seria bom que ele fosse.
EDUCAÇÃO — Nós estávamos há sete anos sem que houvesse investimento em bolsas de formação de mestres e doutores e de pesquisa. Agora acabamos de colocar mais de 4 bilhões de reais no CNPq para que a gente volte a ter bolsas e a incentivar as pessoas a continuarem estudando. Agora tomamos a decisão de fazer escolas de tempo integral no ensino básico e no ensino médio. Vamos tentar garantir que os jovens fiquem o dia inteiro na escola. E ao mesmo tempo tomamos uma decisão na semana passada de fazer as pessoas se alfabetizarem no tempo certo. Depois da pandemia, temos uma quantidade enorme de crianças que estão no segundo grau e não sabem nem ler e escrever.