Entrevista do presidente Lula sobre a aprovação da reforma tributária
Presidente Lula: Eu acho que essa semana foi a demonstração de que é possível a gente fazer política com a adversidade, conseguindo aprovar as coisas de interesse do país. O fato de ter aprovado a reforma tributária ontem é um fato histórico nesse país, porque é a primeira vez que se aprova a reforma tributária no regime democrático. E foi aprovado, sabe, com todas as divergências, todas as tendências possíveis dentro do Congresso Nacional.
Eu acho que é uma demonstração de maturidade. Eu acho que apesar das divergências, de sermos direita, de esquerda, de centro, de meio, tem uma hora que a pessoa tem que refletir sobre o Brasil. O Brasil vai passar mais o século XXI igual passou o século XX, enquanto o povo sobe um degrau um ano, cai um degrau no outro, sobe um degrau, não dá para o povo terminar de subir essa escada? E é isso que aconteceu.
Nós tivemos um momento extraordinário no Congresso Nacional, nós tivemos duas derrubadas de veto que eu sabia que ia cair, eu tinha certeza que ia cair. Qual é o meu problema com a jornada de trabalho, da desoneração da folha de pagamento? É que a desoneração da folha de pagamento não tem contrapartida para os trabalhadores. Nenhuma empresa assume o compromisso de que vai contratar mais trabalhadores ou que vai aumentar o salário. A desoneração é para aumentar o lucro, apenas, do empresário. Então, se vai fazer desoneração, e eu fiz em 2008, quando o Guido Mantega que era ministro da Fazenda, eu fiz com 47 bilhões de desoneração, fazendo contrapartida com os trabalhadores.
Jornalista: O senhor acredita que vai ser possível negociar isso?
Presidente Lula: É possível fazer uma coisa decente, é possível fazer uma coisa de ganha-ganha, não é possível fazer uma coisa de só um perder e o outro ganha. Se você vai reduzir, vai desonerar a folha de pagamento, essa desoneração vai resultar em que benefício para a sociedade brasileira? Não é para o patrão só, é para a sociedade brasileira. O trabalhador vai ter aumento de salário? O empresário vai assumir o compromisso de contratar um percentual a mais de trabalhadores? Não tem nada garantido. Então, isso não dá certo. Isso não dá certo.
Certamente o governo deve recorrer da decisão. A gente vai à Suprema Corte porque é o seguinte, você tem que desonerar o setor que efetivamente necessita e vamos provar se necessita.
Jornalista: Desoneração em marco temporal, o senhor acredita que vai ter discussão?
Presidente Lula: No marco temporal, na minha opinião, acabou. Já tinha decisão da Suprema Corte, o Congresso Nacional derrubou o veto, aprovou uma outra história, eu vetei. Na hora que ele derrubou o veto, vai permanecer aquilo que foi aprovado na Suprema Corte. Então, o que acontece de fato é o seguinte, nós colhemos o avanço político da cabeça das pessoas. Com o tempo, as pessoas vão avançando. Estou percebendo que todo mundo está conquistando alguma coisa. As mulheres estão, com a sua luta, conquistando espaço extraordinário. O movimento negro está conquistando espaço extraordinário. A juventude está conquistando espaço extraordinário. E as pessoas mais humildes estão subindo mais um degrauzinho na escala social desse país. É assim que a gente vai transformar esse país num país de classe média, num país desenvolvido, num país que pode ser a sexta ou a quinta economia do mundo. É assim que a gente vai ser, com muita paz, com muita tranquilidade, com muita conversa.
Jornalista: Com muita conversa com o Congresso. O senhor acredita que está justa a relação?
Presidente Lula: Mas deixa eu lhe contar uma coisa. Mas é que é preciso conversar com o Congresso. Aqui no Brasil se transformou a conversa entre o Poder Executivo e Congresso numa bandidagem. Lamentavelmente, eu acho que a imprensa comete um erro quando ela faz isso. Porque a conversa entre o Legislativo e o Executivo, ela é normal em qualquer país democrático do mundo. Ou seja, eu mando um projeto para o Congresso Nacional. Os deputados não são obrigados a concordar com o meu projeto. Eles querem fazer emenda. Eu não sou obrigado a concordar com a emenda deles. Aí começa a negociação. Entre 100 e 0, tem 99 possibilidades. É isso que nós estamos fazendo, exercendo todas as possibilidades de conquistar e consagrar a democracia do país.