Entrevista do presidente Lula para Christiane Amanpour (CNN International)
Christiane Amanpour (CNN International): Senhor presidente, bem-vindo ao nosso programa.
Presidente Lula: Amanpour, é um prazer imenso voltar ao seu programa e é um prazer imenso poder conversar com você outra vez e falar um pouco com o povo americano.
Christiane Amanpour (CNN International): Ótimo, muito bem. O que que você quer contar para o povo americano e para o mundo, já que você deu os parabéns para o Donald Trump [presidente eleito dos Estados Unidos da América] no seu retorno à Casa Branca? Você disse que o mundo precisa de diálogo, o que que você quer dizer com isso?
Presidente Lula: Olha, o que eu quero dizer com isso é que o mundo não pode continuar gastando 2 trilhões e 400 bilhões de dólares com guerras e com conflitos, quando a gente deveria utilizar esse dinheiro para alfabetizar e alimentar milhões e milhões de pessoas que ainda passam fome e pessoas que são analfabetas no mundo. O que nós precisamos é aprender a cuidar do povo mais pobre, para que ele deixe de ser pobre e a gente consiga criar uma economia de consumo nos países pobres que hoje não tem esse direito de consumir. Menos dinheiro com guerra e mais dinheiro com paz é a solução que a gente apresenta para o mundo.
Por isso é que o G20 tem como lema principal a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza. Vai ser um tema muito importante. Depois, nós temos o tema da transição energética e enfrentamento à questão das mudanças climáticas. Depois, nós temos outro tema, que é a reforma da ONU e das instituições de Bretton Woods. Depois, nós temos uma coisa muito importante que é a taxação dos super-ricos. Nós temos 3 mil pessoas no mundo que têm uma riqueza acumulada de quase 15 trilhões de dólares, enquanto isso, você tem 733 milhões de pessoas passando fome no mundo.
Ao mesmo tempo, nós já fizemos 130 reuniões, já criamos 22 grupos de trabalho e vamos, pela primeira vez, ter o G20 Social com a participação de gente do mundo inteiro. E temos um grupo de empoderamento das mulheres do G20. Ou seja, essas são as novidades, e eu estou certo, Amanpour, que a gente vai fazer um belo G20 e vamos tirar decisões importantes para ver se a gente torna o mundo mais humanista outra vez.
Christiane Amanpour (CNN International): Muito bem. Você está sendo o anfitrião dessa Cúpula no final desse mês, mas eu queria te perguntar: você acha que o Donald Trump, como o presidente dos Estados Unidos, vai fazer o que você está dizendo, presidente? Falar sobre a taxação dos mais ricos para tornar a coisa mais justa, o imposto de renda? Eu quero apenas tomar uma nota aqui, as 10 pessoas mais ricas ficaram mais ricos, 64 bilhões de dólares, esses ricos, só com a eleição do Trump. O que você vai dizer ao Donald Trump sobre o seu ponto de vista e como tornar o mundo mais igualitário, se acabou de acontecer isso?
Presidente Lula: A primeira coisa, Amanpour, que nós temos que dizer ao presidente Trump é o seguinte: primeiro, eu acho que nós dois, como chefes de Estado de dois países importantes na América, nós temos que ter uma relação muito civilizada, muito democrática, porque o Brasil tem uma relação privilegiada com os Estados Unidos, nós somos parceiros há muitas e muitas décadas e eu acho que o estoque de investimento dos Estados Unidos e do Brasil é muito grande.
E eu acho que dois chefes de Estado quando se encontram, nós temos que conversar sobre os interesses dos Estados Unidos e os interesses do Brasil. O que será importante na relação de dois chefes de Estado. E eu tenho experiência, porque eu já tive uma belíssima relação com o Bush [George Bush, ex-presidente dos Estados Unidos da América]. Quando eu tomei posse, em 2003, diziam que eu ia ter dificuldade de ter relações com o Bush. E foi uma relação extraordinária.
Eu tive uma boa relação com o Obama [Barack Obama, ex-presidente dos Estados Unidos da América] e tenho uma boa relação com o presidente Biden [Joe Biden, presidente dos Estados Unidos da América]. E essa relação deve continuar, porque dois chefes de Estado, embora eles possam ter divergência política e ideológica, quando eles se encontram, o que prevalece é o interesse do Estado, não é o interesse pessoal.
O que eu quero discutir com os Estados Unidos é o interesse da relação centenária de Brasil e Estados Unidos. O que que os dois países têm que fazer para que a gente possa melhorar a qualidade de vida do povo que nós representamos.
Christiane Amanpour (CNN International): Bem, eu quero continuar com essa análise sobre o que você acha que o Trump vai trazer, porque, como você sabe, o presidente Trump tem muito em comum com o seu predecessor, o Jair Bolsonaro [ex-presidente do Brasil]. Aliás, o Bolsonaro é chamado Trump dos trópicos, e o Bolsonaro quer voltar para ser presidente novamente. Ele quer concorrer contra você. O próprio presidente do partido disse que ele estava apoiando o Trump, que isso vai ajudar a trazer ordem no Brasil, consolidando a direita na maior democracia do Ocidente. Então, você acha que o Trump vai ser bom para você e a sua visão do povo, ou você acha que vai ajudar a trazer o Bolsonaro de novo ao poder?
Presidente Lula: Veja, o Bolsonaro era presidente e eu o derrotei. Se ele estava apoiando o Trump, ele não tem voto nos Estados Unidos, o Trump não teria ganho as eleições. Ou seja, eu, sinceramente, Amanpour, eu tenho a seguinte visão de mundo: eu tenho acompanhado as discussões americanas, eu tenho acompanhado os debates pela televisão, eu acho que cada candidato estabelece uma estratégia para ganhar as eleições.
E eu quero dizer, claramente, ao povo americano: eu terei com o presidente Trump uma relação de respeito como chefe do Estado brasileiro. E eu espero que ele tenha uma relação de respeito com o Brasil como chefe do Estado americano. Ora, se nós estabelecermos essa linha de comportamento, de civilidade, de respeito, o resto fica tudo muito mais fácil.
Quando eu tomei posse, em 2003, Amanpour, o Bush.. Eu fui visitar o Bush, dia 10 de dezembro de 2002, eu ainda não tinha tomado posse. E o Bush, naquela ocasião, me convidou para participar da guerra do Iraque. E eu disse ao presidente Bush: “Olhe, eu não posso participar da guerra do Iraque, primeiro, porque lá não tem armas químicas. Segundo, porque eu não conheço Saddam Hussein. Terceiro, porque o Iraque fica a 14 mil quilômetros do Brasil. Quarto, eu tenho uma guerra para fazer no meu Brasil, que é combater a fome e a pobreza”. E nós conseguimos acabar com a fome no Brasil.
E, no governo anterior, a fome voltou. Quando eu voltei, tinha 33 milhões de pessoas passando fome. Nós já tiramos 24 milhões e meio de pessoas da fome. E vamos tirar todos os 33 milhões até o final do meu mandato, em 2026.
Christiane Amanpour (CNN International): Bem, eu acho que, provavelmente, que você vai achar que se o Trump manter a palavra dele, não vai querer começar guerra no exterior. Mas eu quero lhe perguntar sobre o que está em jogo na Europa, com a Rússia e a guerra contra a Ucrânia, a invasão ilegal da Ucrânia. Você decidiu não ajudar a Ucrânia com armas. E o presidente Zelensky [Volodymyr Zelensky, presidente da Ucrânia] já disse: “Infelizmente, eu acho que o Brasil está tomando lado da Rússia”. E, basicamente, ele disse que o plano de paz, o chamado plano de paz que você apareceu com a China, mostra uma falta de respeito à população ucraniana e à posição dele. Como é que você pode ficar com o plano de paz se você nem mesmo consulta o presidente Zelensky, que representa o povo da Ucrânia? Qual é a sua resposta ao Zelensky, presidente?
Presidente Lula: Olha, primeiro o tempo será o senhor da razão. Vamos ver quem está certo. Se é a posição do Brasil, que está pregando a paz, porque nós somos um dos primeiros países a criticar a Rússia. Nós dissemos para a Rússia que não era correto a ocupação de território de um outro país. Nós fizemos uma crítica à Rússia muito séria. E dissemos que nós não queríamos participar dessa guerra, porque nós somos gente da paz. O Brasil é um país que não tem contencioso com nenhum país do mundo e a gente não quer ter contencioso.
Quando vieram dizer para o Brasil vender umas armas para que o Zelensky utilizasse, eu disse, textualmente: eu não quero ninguém nem na Rússia, nem na Ucrânia, morto com arma brasileira. Nós queremos a paz. Quando os dois presidentes tiverem juízo e quiserem conversar sobre a paz, o Brasil estará disposto a discutir com os dois países a retomada da paz e a tranquilidade do povo russo e do povo ucraniano.
E é por isso que nós fizemos uma proposta, junto com a China, que tem seis pontos e esses pontos só poderão ser conversados, efetivamente, com os dois presidentes. Nós já participamos de várias reuniões. Eu já encontrei com o Zelensky em Nova York, eu já conversei com o Putin [Vladimir Putin, presidente da Rússia] por telefone. Por enquanto, nenhum dos dois quer discutir paz. Quando eles quiserem discutir paz, eu estarei disposto a participar em qualquer fórum para discutir a paz.
E eu fico feliz quando você disse que, se depender do discurso do Trump, ele vai acabar com essa guerra. E eu acho importante, acho importante acabar com a guerra, porque nós precisamos de paz, o mundo precisa de paz para sobreviver pacificamente, de paz para crescer economicamente, de paz para que a gente possa melhorar a qualidade de vida dos seres humanos que estão sendo descartados nesse mundo.
É por isso, Amanpour, que eu estou numa campanha de indignação dos líderes do mundo inteiro. É preciso que a gente tenha a capacidade de se indignar com os milhões e milhões de seres humanos que estão esquecidos pelos governos no planeta, inclusive aqui no Brasil.
E eu digo todo santo dia: nós precisamos parar de olhar como se fossem invisíveis, os pobres do mundo. Não. Eles são seres humanos. Nos Estados Unidos, no Brasil e todos os países africanos, na América Latina, na Rússia, na Ucrânia e na China. E nós precisamos tratar com muito respeito esses seres humanos que não tiveram oportunidade.
Essa é a minha obsessão. É para isso que eu brigo. E eu tenho uma obsessão: melhorar a vida do povo que me elegeu presidente pela terceira vez.
Christiane Amanpour (CNN International): Bem, presidente, eu vou fazer uma outra pergunta sobre o G20, tá bom? Três, dois, um. Presidente, você está sendo um anfitrião do G20 e depois você vai receber o presidente da China, mas o presidente Putin não está vindo para o G20. E ele disse que, se você quisesse, você poderia assinar um acordo entre chefes do Estado que protegeria ele de ser preso pelo mandato de prisão do Tribunal Internacional de Crime, porque ele está sendo ameaçado de prisão. O senhor escreveria essa carta para protegê-lo?
Presidente Lula: Veja, o problema não é apenas proteger o Putin para não ser preso no Brasil, que essa é a coisa mais fácil de fazer. O problema é que você tem no G20 vários presidentes da República que não ficariam na sala se o Putin entrasse na sala. Todos os países europeus que participam do G20, mais os Estados Unidos, ou seja, o que seria uma coisa muito desconfortável.
O que eu acho é que nós precisamos trabalhar para que essa guerra acabe de uma vez por toda, e o Putin volte a conquistar o direito, de forma civilizada, a andar no mundo e participar dos eventos.
Não é importante para o mundo que quer construir democracia haver um presidente de um país importante como a Rússia isolado, porque ele tomou uma decisão e o Tribunal Internacional o julgou. Ou seja, eu acho que é importante que a gente saiba que as coisas do Putin vão ser resolvidas quando acabar a guerra com a Ucrânia. Ele pode participar de uma reunião do G20, como pode participar o Zelensky. O Zelensky poderia ser convidado.
Acontece que eu não quero discutir a guerra da Ucrânia e da Rússia no G20. Eu quero discutir a questão da Aliança Global contra a Fome, eu quero discutir a questão climática, quero discutir a questão energética, quero discutir o empoderamento das mulheres, quero discutir coisas que são importantes, inclusive a mudança da ONU para que a gente faça com que a ONU se adapte à realidade de 2024 e não ficar com a realidade de 1945. É isso que nós queremos fazer.
Então, eu não quero desviar os assuntos principais do G20. Ou seja, nós temos que sair do G20 comprometidos em lutar contra a desigualdade, contra a fome, contra o alfabetismo, que o mundo ainda padece. O mundo que, tecnologicamente, tem saída. O mundo que, geneticamente, tem saída.
A gente produz alimento mais do que é necessário para servir a toda a humanidade. Então, nós não podemos continuar gastando dinheiro em guerra, gastando dinheiro em armas, quando a gente poderia garantir comida para todos os 733 milhões de habitantes que passam fome no mundo.
Christiane Amanpour (CNN International): Muito bem. Foi relatado que o presidente Biden está vindo ao G20 e vai também visitar a floresta tropical da Amazônia. Você pode confirmar isso, presidente, se o presidente Biden vai visitar a Amazônia?
Presidente Lula: Olha, eu tenho informação de que ele estava com interesse. É importante lembrar, Amanpour, que eu convidei, há um tempo atrás, o presidente Biden para visitar o Brasil. E eu queria levá-lo na Amazônia, para que ele saísse da imagem ligada à guerra de Israel e à faixa de Gaza, e que a gente pudesse criar a imagem do Biden junto à questão climática. Lamentavelmente, na época, ele não pôde vir.
Ele está vindo agora. Se ele for para a Amazônia, eu não tenho como acompanhá-lo, porque eu estou muito preocupado com o G20. Eu vou para o Rio de Janeiro, dia 14, e vou ficar, até o dia 19, no Rio de Janeiro, só cuidando do G20. Então, se ele vier, ele será bem recebido na Amazônia. Certamente terá autoridade esperando o presidente Biden. Nós vamos cuidar dele com muito carinho, porque o Biden é uma pessoa com quem eu tive uma belíssima relação e uma relação de muito respeito. Que é a relação que eu espero ter com o Trump, uma relação de respeito entre dois chefes de Estado de dois países importantes.
Christiane Amanpour (CNN International): Mas, se ele vier para a Amazônia, presidente, ela perguntou, eu estou tentando apenas saber se o Biden vai visitar a Amazônia ou não. Será que ele vai visitar a Amazônia? O senhor tem essa informação?
Presidente Lula: Eu não tenho informação oficial de que ele vai visitar a Amazônia. O que eu tenho é informação extraoficial de que o Biden viria, dia 17, para visitar a Amazônia. Ainda não tem informação concreta e objetiva da visita dele à Amazônia. Eu sei dos interesses da assessoria do Biden de que ele quer vir visitar a Amazônia.
Christiane Amanpour (CNN International): Bem, uma outra questão: uma boa notícia para o seu país é que o desmatamento na floresta tropical está nos níveis mais baixos desde 2015. E você está ganhando crédito para isso e você quer terminar com o desmatamento até 2030. Você está seguindo a meta desse desmatamento?
Presidente Lula: Veja, eu tenho um compromisso, Amanpour, que é um compromisso que ninguém pediu para eu fazer. Eu tomei a decisão de anunciar que, até 2030, nós iremos acabar com o desmatamento na Amazônia. Esse é um compromisso meu.
Da mesma forma, Amanpour, eu poderia te dizer que o Brasil vive um momento muito interessante, porque, quando se trata de discutir a questão climática, a questão energética, o Brasil tem condição de ser imbatível no mundo na produção de energia eólica, na produção de energia solar, na produção de energia de biomassa, na produção de biocombustível, na questão de hidrogênio verde.
Ou seja, o Brasil tem um potencial extraordinário e nós queremos aproveitar essa chance para que o Brasil tenha, dentre todas as coisas, uma agricultura de baixo carbono. Você sabe, Amanpour, que o Brasil tem 90% da sua energia energética limpa. E, da matriz geral, nós temos 50% de energia limpa, quando o mundo só tem 15%. Então, nesse aspecto da questão climática e da questão energética, o Brasil vai fazer com que as coisas aconteçam aqui. Daí porque o meu compromisso com o desmatamento na Amazônia.
E eu espero que os países ricos, espero que os países ricos, contribuam com o dinheiro que eles têm que contribuir, porque manter a floresta em pé custa dinheiro, porque embaixo de cada copa de árvore tem um indígena, tem um pescador, tem um camponês, e nós precisamos cuidar dessa gente, porque eles são seres humanos e precisam viver.
Então, é importante que as pessoas que já desmataram seus países, que já se industrializaram, a 200 anos atrás, assumam o compromisso de pagar para os países que tem floresta em pé, a preservação da floresta. Porque eu não estarei cuidando apenas da Amazônia, eu estarei cuidando do planeta Terra, que interessa aos Estados Unidos, que interessa à China, que interessa à Rússia, que interessa ao México, que interessa ao Chile.
Ou seja, por isso as pessoas têm que ter consciência de que manter a floresta em pé na Amazônia da América do Sul, no Congo e na Indonésia tem um preço. Tem um preço e as pessoas têm que pagar. E é isso que nós queremos fazer com que esse crédito de carbono volte a funcionar, de verdade, para ajudar os países que vão manter sua floresta em pé.
Christiane Amanpour (CNN International): Então, presidente, você sabe o que o Trump fez no seu primeiro mandato? Você sabe o que o Trump fez no primeiro mandato? Ele tirou os Estados Unidos do acordo marco importante de Paris. O senhor acha que ele vai fazer novamente a mesma coisa hoje?
Presidente Lula: Olha, veja, eu penso que o presidente Trump, ele tem que pensar como habitante do planeta Terra. E, se ele pensar como governante do país mais importante, o país mais rico, o país com mais tecnologia, o país mais, sabe, mais preparado, do ponto de vista bélico, ele tem que ter noção de que os Estados Unidos está dentro do mesmo planeta que eu estou. Que uma ilha de 300 mil habitantes está.
Ora, e cabe a todos nós assumir a responsabilidade pela manutenção desse planeta. Nós precisamos garantir que o planeta não seja aquecido a mais de um grau e meio. Nós precisamos garantir que a floresta fique em pé. Nós precisamos garantir que os rios permaneçam, sabe, caudalosos e permaneçam com água limpa e purificada. Nós precisamos garantir que os biomas de todos os países sejam preservados. Esse é um compromisso que eu tenho, não apenas como presidente do Brasil. Eu tenho como ser humano, que habita num planeta chamado Terra. E que não tem outro lugar para ir se o planeta Terra acabar.
Christiane Amanpour (CNN International): E, finalmente, presidente, eu queria perguntar sobre o Elon Musk [proprietário da rede social X], que é um grande amigo do Trump e gastou milhões do seu próprio dinheiro para ajudar a eleger o Trump. Você e a sua Suprema Corte do Brasil [Supremo Tribunal Federal], tiveram um confronto com o Musk, o acusando de causar danos ao Brasil, à democracia brasileira. E, finalmente, o Elon Musk seguiu as decisões do Supremo. O senhor acha que ele pode levantar todas novamente e, agora que ele vai ter o apoio do líder Donald Trump, líder da superpotência que acabou de ser eleito, que vai ajudá-lo?
Presidente Lula: Olha, a única coisa que nós queremos é que esse empresário trate os países com respeito e não utilize a fake news para informar ao povo, seja o povo americano, seja o povo brasileiro.
É importante que a gente tenha em conta que nós precisamos retomar a civilidade e o humanismo entre os seres humanos. Não é possível ficar instigando o ódio. Não é possível ficar instigando a controvérsia, quando a gente poderia estar estimulando a paz, estar estimulando o humanismo, estar estimulando a fraternidade, estar estimulando a solidariedade.
É uma opção de vida que nós queremos, para que o ser humano volte a ser mais humanista, que as pessoas voltem a se respeitarem. Ninguém é obrigado a gostar de ninguém. O que nós precisamos é gostar das pessoas como elas são, tratá-las com o respeito que elas merecem, mas elas também têm que tratar os outros com respeito.
Ora, se a gente retomar a civilidade e viver num sistema em que todos têm direito e o direito de um termina quando ele invadiu o direito do outro, a gente vai construir um mundo mais perfeito, um mundo mais justo, um mundo mais humanitário e um mundo socialmente mais justo para as pessoas pobres do planeta.
É isso que eu quero para o Brasil, é isso que eu quero para os Estados Unidos, é isso que eu quero para a Bolívia, é isso que eu quero para o Chile, é isso que eu quero para a Argentina, é isso que eu quero para a China e para todos os países.
Ou seja, o que não é correto é a gente ver um país, um Estado forte como Israel, acabar com um povo que mora na Faixa de Gaza, onde milhares de mulheres, mais de 40 mil mulheres e crianças, foram assassinadas, numa guerra totalmente injusta. E nós condenamos o Hamas quando ele invadiu o Tel Aviv. E, ao mesmo tempo, nós condenamos Israel contra essa vingança desumana que ele fez na Faixa de Gaza.
Lamentavelmente, a ONU está enfraquecida e não pode tomar decisão e as pessoas não respeitam a ONU. Ou seja, é importante que a gente volte a valorizar a ONU, que a gente mude os componentes da ONU. Ou seja, não pode ficar só os de 45, é importante que a gente tenha mais gente, que a África participe, que a América Latina participe, para que a gente possa ter uma ONU mais representativa. E, quando ela tomar decisão, a gente tenha que cumprir, porque senão, não vale nada tomar decisões nos fóruns internacionais.
Eu posso te dar um exemplo o Acordo de Paris. A gente já teve o Pacto de Tóquio que não foi cumprido. A gente já teve o Acordo de Paris que não está sendo cumprido. A gente já teve a proposta de 100 milhões de dólares em Copenhague, em 2009, que não está sendo cumprido.
Então, as pessoas precisam ter em conta que nós precisamos ter uma governança mundial forte para que a gente possa aprovar as coisas, decidir as coisas e cumprir aquilo que a gente aprova e que a gente decide. Senão, o mundo vai ficar cada um para si, Deus para todos e a gente sabe que o anarquismo não leva a nada.
Christiane Amanpour (CNN International): Senhor presidente, existem alguns idosos que estão dirigindo países muito importantes, o presidente Biden, o presidente Trump e você mesmo. Você está com 79 anos e você vai pensando em concorrer à reeleição em 2026? Você vai concorrer para a reeleição em 2026? E por que você vai concorrer de novo? Não está na hora de uma geração mais jovem entrar?
Presidente Lula: Primeiro, deixa eu te dizer uma coisa, com muito carinho e muito respeito. Primeiro, eu tenho 79 anos e estou pedindo a Deus para viver até 120 anos. Porque, veja, eu me trato, eu me cuido, eu levanto, todo dia, cinco e meia da manhã, para fazer duas horas de ginástica. Eu cuido do meu corpo e da minha saúde.
Veja, eu não disse que sou candidato à reeleição em 2026. Em 2026, eu tenho o compromisso de entregar esse país com a economia equilibrada, com o crescimento econômico, com geração de emprego, com mais gente alfabetizada. É isso que eu quero entregar para esse país: as pessoas tomando café, almoçando e jantando, todo dia. As pessoas com acesso à medicina dos especialistas. É isso que eu quero para o meu país e é isso que eu vou fazer.
Ora, 2026, eu vou deixar para pensar em 2026. Tem vários partidos que me apoiam, eu vou discutir isso com muita sobriedade, com muita seriedade, porque governar não é jogar futebol. Governar não é praticar esportes. Ou seja, não é o problema da juventude que vai resolver o problema da governança. O que vai resolver o problema da governança é a competência do governante, é o compromisso do governante, é a cabeça do governante, é a saúde e os compromissos do governante.
Então, se chegar na hora, os partidos entenderem que não tem outro candidato para enfrentar uma pessoa, sabe, de extrema direita, que seja negacionista, que não acredite na medicina, que não acredite na Ciência, obviamente que eu estarei pronto para enfrentar. Mas, eu espero que não seja necessário. Eu espero que a gente tenha outros candidatos e que a gente possa fazer uma grande renovação política no país e no mundo.
Christiane Amanpour (CNN International): Presidente Lula da Silva, muito obrigado por estar conosco aqui.
Presidente Lula: Amanpour, obrigado a você e obrigado ao povo americano por ter paciência de nos ouvir, sabe, por tanto tempo. Eu espero que eu tenha respondido com muito respeito, com muito carinho, as perguntas que você fez. E, toda vez que você quiser saber das coisas aqui no Brasil, eu estarei pronto a lhe atender. Um abraço e obrigado pela entrevista.
Christiane Amanpour (CNN International): Obrigado, presidente. De fato, muito obrigado, presidente.