Entrevista do presidente Lula ao jornal Correio Popular, de Campinas (SP)
Correio Popular - A Unicamp é a única universidade pública da Região Metropolitana de Campinas (RMC). Há algum plano para que tenhamos uma unidade federal na RMC? Ainda sobre educação, foi anunciada a criação do Instituto Federal de São Paulo (IFSP) em Sumaré. Há alguma possibilidade de que outras unidades sejam instaladas na RMC?
Presidente Lula - Quando iniciei meu terceiro mandato, deixei muito claro que iríamos reverter a situação de desmonte que encontramos e voltaríamos a expandir as universidades federais no Brasil – e é isso que estamos fazendo. Com investimentos de R$ 5,5 bilhões do Novo PAC, estamos conduzindo 409 empreendimentos de Norte a Sul do país, que incluem a criação de 100 novos campi, a reestruturação e consolidação de universidades e a retomada de obras em hospitais universitários. No Estado de São Paulo, estamos investindo fortemente no ITA, na Federal do ABC, na Unifesp e na Federal de São Carlos.
Para a região de Campinas, nosso foco está no ensino técnico e nos institutos federais. Além da criação do campus de Sumaré, estamos trabalhando na consolidação da unidade de Campinas, que estava paralisada e agora vai ganhar biblioteca e refeitório. Hoje, temos no Estado 42 campi do Instituto Federal de São Paulo – todos construídos em governos meus e da presidenta Dilma.
Correio Popular - Existe a previsão de que o Orion, laboratório de biossegurança máxima (NB4), será inaugurado no ano que vem. Como o Governo Federal avalia o papel de Campinas na busca por avanços científicos e tecnológicos, com impactos práticos, por exemplo, na área da saúde, como no caso do Orion? Há algum outro projeto para a região?
Presidente Lula - Campinas é essencial para a ciência brasileira, seja pelo longo trabalho da Unicamp ou de instituições como o Centro Nacional de Pesquisas em Energia e Materiais, o CNPEM, que abrigará o Orion - um dos mais avançados laboratórios do mundo para a pesquisa de agentes biológicos. Estamos investindo, no projeto, R$ 1 bilhão do Fundo Nacional de Ciência e Tecnologia. Nos dois anos de meu terceiro mandato, o fundo já executou R$ 23 bilhões de reais – mais do que o dobro dos R$ 11 bilhões executados em todos os quatro anos do governo anterior.
Uma das grandes virtudes de Campinas, além das instituições públicas, é o fato de a cidade sediar a parceria entre Estado e a iniciativa privada no desenvolvimento de tecnologias. Hoje mesmo, meu querido vice-presidente e ministro Alckmin participa de uma cerimônia em que a Bosch anuncia que desenvolverá, na cidade, as tecnologias de agricultura inteligente a serem usadas em todos os países onde a empresa atua. O centro de pesquisa que permitirá isso está sendo viabilizado, também, com financiamentos da Finep e do BNDES.
Correio Popular - O desempenho positivo da região nos setores de construção civil e de lançamento de imóveis foi impulsionado, entre outros fatores, por unidades do programa Minha Casa, Minha Vida. Mas ainda há uma defasagem grande por moradia digna na RMC. Na última semana, foi anunciada a contratação de 100 mil unidades habitacionais do programa. Alguma cidade da RMC estará contemplada?
Presidente Lula - Desde que retomamos o Minha Casa, Minha Vida, que encontrei abandonado e desfigurado em janeiro de 2023, já conseguimos contratar a construção de 1,26 milhão de lares em todo o Brasil. E chegaremos a 2 milhões contratações até 2026. No Estado de São Paulo, o programa já investiu quase R$ 59 bilhões desde 2023. Só no município de Campinas, foram R$ 1,26 bilhão para a contratação de 7,2 mil moradias.
A região de Campinas poderá, sim, ser beneficiada com os recursos que anunciamos na semana passada. Eles terão ênfase em municípios com mais de 50 mil habitantes, o que representa 15 das 20 cidades da região metropolitana. O que é importante, contudo, é que os prefeitos apresentem projetos para terem acesso a esses recursos, que serão destinados por meio de seleção.
Correio Popular - O Aeroporto Internacional de Viracopos vai ser novamente licitado devido à desistência do atual consórcio, que aponta que o Governo Federal não cumpriu com o acordo de desapropriação de uma área, o que garantiria a sua expansão. Fala-se até em redução do sítio aeroportuário na futura proposta. Mediante essas incertezas e indefinição de data para uma nova licitação, o Governo Federal considera que esse cenário pode prejudicar o crescimento das cidades no entorno e até afastar a instalação de novas empresas? O que a União pode fazer para estimular o crescimento do setor aeroportuário?
Presidente Lula - Tenho certeza de que a nova licitação de Viracopos, que ainda depende de alguns passos para sua realização, terá muito sucesso. Realizamos novos estudos econômicos em 2024, que estão muito mais de acordo com a realidade atual, e vimos que o aeroporto tem todas as condições de suprir a demanda futura e fortalecer a malha aeroviária local.
Viracopos – e a região metropolitana de Campinas – também verão o desenvolvimento graças a projetos estruturantes como o trem Intercidades. Trata-se de uma parceria público-privada, que foi viabilizada graças a financiamentos de R$ 6,4 bilhões do BNDES ao governo estadual. Com o trem, em uma hora e quatro minutos, será possível chegar na capital – e isso certamente beneficiará toda a população e a economia da região, além de ajudar a tornar Viracopos como uma alternativa a Congonhas e Guarulhos.
Correio Popular - Levantamento realizado pelo próprio Governo Federal recentemente mostrou que Campinas possui praticamente um terço de sua população em áreas chamadas de desertos alimentares, com acesso restrito a alimentos saudáveis. Considerando que o combate à fome é uma das bandeiras mais reconhecidas dos seus mandatos anteriores, que ações regionalizadas o Governo Federal possui para reverter essa situação?
Presidente Lula - Uma das maiores conquistas civilizatórias do povo brasileiro foi conseguir, ainda em 2014, retirar o Brasil do Mapa da Fome. E um de nossos maiores retrocessos foi voltar para essa situação vergonhosa no governo passado. Mas reconstruímos as políticas de segurança alimentar, elevamos a renda dos trabalhadores e as últimas pesquisas mostram que mais de 24 milhões de pessoas deixaram de sofrer desse mal.
Também focamos na qualidade da comida. Agricultores que produzem alimentos saudáveis e de maneira sustentável têm acesso a melhores financiamentos. Limitamos a 10% a quantidade máxima de ultraprocessados na alimentação escolar. Nas regiões urbanas, atuamos com políticas como as cozinhas solidárias e criamos a Estratégia Alimenta Cidades, que busca aumentar a produção dos agricultores da região e fazer o alimento chegar a quem precisa. Campinas é uma das cidades prioritárias dessa estratégia, e já vem recebendo recursos desde 2024.
Correio Popular - O prefeito de Campinas, Dário Saadi, demonstrou em algumas oportunidades preocupação com a possível perda de um montante considerável com a Reforma Tributária que foi aprovada. Ele defende uma maior participação dos municípios na distribuição do novo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). Como estão as conversas com os prefeitos sobre essa situação?
Presidente Lula - A reforma tributária é a possibilidade de destravarmos nossa economia. Com ela, a população pobre deixa de ser tão penalizada com os impostos sobre o consumo, e as empresas passam a ter mais facilidade para investir e fazer negócios.
É importante lembrarmos que estamos mudando regras que foram ficando cada vez mais complexas ao longo de quatro décadas. Nossas propostas sempre seguiram o princípio de que o novo regime deve ser neutro para estados e municípios, ou seja, ninguém deve perder nem ganhar arrecadação. Por isso mesmo, as mudanças irão ocorrer aos poucos: a reforma só será totalmente implantada em 2033 e, ao longo desse tempo, será sempre possível ir ajustando as rotas para que os municípios não saiam prejudicados.
Correio Popular - O Governo Federal anunciou em maio do ano passado, dentro do Novo PAC, a possibilidade de liberar verbas para Campinas comprar 512 ônibus, 256 veículos elétricos e 256 convencionais. O prazo de adesão da Prefeitura terminou na última sexta-feira, mas a Administração alegou que a União anunciaria a prorrogação do prazo de adesão. Qual a situação atual em relação ao assunto?
Presidente Lula - O apoio do governo federal aos municípios para renovação dos ônibus urbanos faz parte do Novo PAC e traz benefícios extraordinários para o país. Ao mesmo tempo em que garante que a população tenha acesso a um transporte mais seguro e de qualidade, em veículos modernos, melhora a qualidade do ar nas cidades e reduz as emissões de carbono. Além disso, beneficia nossa indústria de automotores, que terá uma demanda maior, gerando mais empregos e renda. Ao todo, o Novo PAC já selecionou projetos no valor de R$ 10,6 bilhões para renovação de frotas em municípios no Brasil até 2026, que agora estão em fase de contratação – cujo prazo foi prorrogado até o dia 15 de abril.