Entrevista do presidente Lula ao Fantástico
Repórter Sônia Bridi: Como é que o senhor está se sentindo?
Presidente Lula: Olha, eu estou, mais uma vez, Sônia, me sentindo como um cara protegido por Deus. Eu digo sempre, Sônia, que um cara que nasceu onde eu nasci, e não morreu de fome até completar 5 anos de idade, ele é um milagre. Depois, eu tive, eu sempre fui muito saudável, depois eu tive o problema do câncer em 2011, em outubro de 2011, que me tirou do ar praticamente todo 2012.
Depois eu tive, o último caso, um avião que teve um problema no motor e ficamos rodando cinco horas em cima do aeroporto, na cidade do México. E aí a preocupação de todo mundo, o que poderia acontecer se aquele avião caísse, se parasse o outro motor.
Depois da queda que eu tive no banheiro… Eu estava sentado cortando a minha unha.
Repórter Sônia Bridi: Unha da mão.
Presidente Lula: Unha da mão. Acabei de cortar a unha, lixei a unha e fui guardar o estojo. Ao invés de eu afastar o banco, eu tentei afastar só a minha bunda. Essa é a verdade. E acabou o banco. Eu caí de costas, bati com a cabeça na hidromassagem.
Repórter Sônia Bridi: O senhor chegou a ficar desacordado?
Presidente Lula: Eu estava sozinho. Eu estava sozinho. A Janja estava lá na cozinha do palácio fazendo umas coisas dela. E eu caí sozinho. Durante alguns segundos eu tive problema de mexer com as mãos, com as pernas. Aí eu consegui virar. Fui até a porta, peguei no trinco e consegui mexer com as pernas e levantar. Aí eu falei, bom, menos grave. Sangrando muito.
Fui para o Sírio-Libanês, tirei várias tomografias, várias ressonâncias magnéticas. E os médicos disseram que foi grave a batida, foi muito forte, mas que ia ficar bom. Aí eu fiz durante cinco dias alternados, cinco ressonâncias magnéticas. Me disseram: “ó, presidente, está teoricamente bem bom. Se o senhor se cuidar, vai sair dessa”.
E eu passei a me cuidar relativamente. Eu não podia ter dor de cabeça, eu não podia machucar mais a cabeça, eu não podia cair, eu não podia fazer movimento brusco. Mas aí a teimosia que está dentro da gente, eu voltei a fazer esteira, eu voltei a fazer ginástica, eu voltei a fazer musculação. O dado concreto é que eu fui para o Uruguai, participei do acordo da reunião do Mercosul, fizemos o acordo com a União Europeia, que foi um acordo extremamente importante.
Não é um acordo que vai funcionar de curto prazo, vai demorar, porque são 720 milhões de habitantes envolvidos no acordo e um PIB de 22 trilhões. Portanto, o potencial é muito grande, é só a gente ter paciência. Eu voltei e na segunda-feira eu comecei a sentir alguns sinais estranhos nas pernas, sabe.
Repórter Sônia Bridi: Mas no domingo o senhor já estava com dor de cabeça. Não deu importância?
Presidente Lula: No domingo eu estava com dor de cabeça, mas eu achei que era por causa do sol. Não levei muito a sério. Na segunda-feira eu comecei a sentir alguns movimentos esquisitos na perna, uma certa lentidão. Aí eu fui trabalhar. Eu estava reunido com o Pacheco [Rodrigo Pacheco, presidente do Senado Federal], com o Lira [Arthur, presidente da Câmara dos Deputados] e com vários ministros discutindo a questão do acordo feito na Suprema Corte sobre as emendas parlamentares.
Quando eu pedi para chamar a doutora Ana, eu falei: Ana, eu acho que eu não estou bem, acho que é bom a gente marcar uma consulta no Sírio. Aí fui no Sírio, fiz uma outra ressonância magnética. Eu já não aguento mais daquela máquina, já não aguento mais o barulho daquela máquina.
Aí quando eu saí, os médicos estavam assustados. Aí me ligaram de São Paulo. “Tem que vir urgente para São Paulo”. E eu fui urgente para São Paulo, na medida do possível, porque o avião estava no Rio de Janeiro e teve que vir o avião. E fui para São Paulo.
Repórter Sônia Bridi: Quando o senhor viu que os médicos estavam assustados, o senhor também ficou assustado?
Presidente Lula: Eu fiquei preocupado. Porque, afinal de contas, a cabeça é a parte mais delicada.
Repórter Sônia Bridi: Você achava que passado esse tempo já estava fora de perigo?
Presidente Lula: Eu achei que estava fora de perigo, essa é a verdade. Achei que estava fora de perigo, porque a última ressonância que eu fiz mostrava que estava diminuindo a quantidade de líquido na minha cabeça. Mas era engano meu. Eu precisava tomar cuidado, eu não tomei o cuidado.
Repórter Sônia Bridi: E aí o senhor tomou a decisão de vir para São Paulo fazer essa cirurgia. Por que o senhor, com uma hemorragia no cérebro, veio para São Paulo em vez do médico ir para Brasília?
Presidente Lula: Não, porque, veja, os médicos achavam que aqui tinha mais condições, e aí eu não vou discutir com os médicos. Então eu vim, eu vim. E cheguei aqui fui operado imediatamente.
Repórter Sônia Bridi: E como é que foram aquelas horas, esperando o avião chegar e até embarcar?
Presidente Lula: Olha, a preocupação da Janja [primeira-dama do Brasil] era não me deixar dormir. Então eu ficava o tempo inteiro não me deixando dormir.
Repórter Sônia Bridi: O senhor estava muito sonolento?
Presidente Lula: Estava com sono. E aí o pessoal não quis vir para cá no avião menor, porque não tinha um lugar mais confortável para deitar. E se tivesse um problema mais grave, o avião presidencial tem cama. Então eu estaria em melhor condição de ser tratado.
Repórter Sônia Bridi: O senhor ficou muito preocupado? Como é o seu nível de preocupação com a sua saúde e com a sua vida naquela hora?
Presidente Lula: Não, porque… Eu comecei, a última coisa que eu lembro é quando eu entrei na ambulância, que era uma ambulância muito barulhenta, e ela pulava muito, eu reclamei da ambulância. É preciso comprar uma ambulância mais decente. Aí, a última voz que eu ouvi foi quando eu cheguei no Sírio-Libanês, que gritaram “chegamos”. Mas estava todo mundo meio nervoso. Aí, me levaram para a UTI, para a sala de cirurgia.
Eu já fui operado, tomei um… Como se chama? Um sedativo, acho que é. E aí, não vi mais nada. Aí, não vi mais nada, querida. Aí, eu só fui acordar no dia seguinte com a cabeça já empacotada.
Repórter Sônia Bridi: Como é que você está se sentindo hoje, assim?
Presidente Lula: Bem. Totalmente bem. Veja, o que os médicos me dão tranquilidade é que se eu me cuidar - eu não posso fazer ginástica, eu não posso fazer esteira, eu posso andar, mas passear, sabe? Um passeio de shopping. Eu não posso é fazer esteira a 6 km por hora, a 7 km. Eu corria, sabe? Dava um trotezinho de 7 km por hora durante 10 minutos seguidos.
Eu ando em uma velocidade rápida, mas é por hábito mesmo. Eles falaram que isso não pode. Eu tenho que esperar cicatrizar o furo que eles fizeram para tirar o líquido. Um furo para tirar o líquido, outro para jogar soro para ir lavando o cérebro. Então...
Repórter Sônia Bridi: Está com vários curativos na cabeça?
Presidente Lula: Não, eu tenho aqui um curativo. Eu posso até te mostrar o curativo aqui. Mas não é uma coisa boa, por isso que eu pus este chapéu aqui. Eu só vou ficar até quinta-feira, porque eu tenho que fazer uma nova tomografia. Eu quero fazer no mesmo lugar que eu fiz as outras, aí eu volto para Brasília para trabalhar normalmente.
Eu tenho que ver se tenho possibilidade de participar do Natal dos catadores de material reciclável aqui em São Paulo, que eu sempre faço. Eu tenho que fazer uma reunião ministerial antes de findar o ano e o restante eu vou ficar em Brasília, tranquilo. Não vou sair para lugar nenhum. Vou ficar me cuidando.
Repórter Sônia Bridi: A gente sabe que o senhor tem apreço por participar de reuniões multilaterais, dos organismos internacionais. Então, isso vai ficar na espera por um tempo.
Presidente Lula: A próxima viagem internacional que eu tenho é para o Japão. Acho que dia 27 de março. É uma visita do chefe de Estado. E do Japão eu iria ao Vietnã. Essa viagem vai dar para fazer tranquilamente. Quando chegar em março, eu já estou totalmente curado. O que eles têm alguma preocupação é nos próximos 45 a 60 dias, até fechar os furos que eles fizeram.
Repórter Sônia Bridi: Nessa semana aqui, em que o senhor estava internado, o senhor conseguiu acompanhar um pouco das notícias políticas e da economia?
Presidente Lula: Eu acompanho sempre. Eu não deixo de acompanhar as notícias políticas, porque depois da cirurgia eu voltei, pelo menos do ponto de vista de percepção das coisas, de entender as coisas, totalmente 100% normal. Eu voltei a comer normal. E eu fiquei acompanhando as notícias políticas com muita tristeza, de saber que pessoas que passaram a vida inteira recebendo dinheiro da União para cuidar da soberania nacional estavam tramando um golpe neste país.
É muito triste. É muito triste para quem começou a brigar pela liberdade democrática, ainda muito jovem, que participou da campanha das Diretas muito jovem, que foi para a rua fazer as primeiras greves desse país muito jovem.
É muito triste saber que pessoas que chegaram ao cargo de general de quatro estrelas montaram uma máquina de fazer maldade nesse país e queriam dar um golpe. Eu perdi quatro eleições. Cada vez que eu perdia uma eleição, eu ia para casa chorar minhas mágoas, reclamar e me preparar. Então, é muito grave o que eles fizeram. É muito grave. Eu fiquei chocado. Fiquei chocado.
E eu vou te dizer uma coisa. Eu defendo que eles tenham a presunção de inocência que eu não tive. Eu quero que eles tenham todo o direito de defesa. Mas se forem verdade as acusações, essa gente tem que ser punida severamente para que sirva de exemplo ao Brasil.
Repórter Sônia Bridi: Presidente, se o senhor me permite, quando o senhor foi preso, condenado, o senhor passou por várias instâncias da Justiça, né? O senhor considera que nesse processo todo da justiça, todas as instâncias, o senhor não teve um direito de defesa?
Presidente Lula: Veja, eu não tive direito de defesa. Eu não tive. Eu fui preso primeiro para depois eu me defender.
Repórter Sônia Bridi: Esta semana, a Reforma Tributária foi aprovada no Senado, mas com algumas mudanças no texto. Exclui armas e munições do imposto do pecado. E isenta do imposto seletivo produtos como bebidas açucaradas e outros alimentos que têm impacto negativo na saúde.
O senhor acha que dá pra conviver com essas mudanças ou o governo ainda vai tentar reverter esse quadro, já que o cálculo hoje é que, como está, a taxa ficaria entre 28% e 28,5%?
Presidente Lula: Olha, veja, nós não queremos fazer uma reforma para aumentar tributos nesse país. Nós achamos que, se o Brasil arrecadar corretamente os tributos já estabelecidos por lei, o Brasil vai ter arrecadação suficiente para cuidar das coisas. Não precisa aumentar tributos.
Agora, essa proposta aprovada pelo Senado vai voltar para a Câmara, que já tinha sido aprovada na Câmara. Então, vamos ver. Quando eu voltar, a partir de quinta-feira eu vou conversar com as pessoas, vou conversar com o Haddad [Fernando, ministro da Fazenda] e, possivelmente em casa essa semana, e vou ver o que a gente pode fazer.
O que a gente não quer é aumento de tributos.
Repórter Sônia Bridi: O pacote de cortes de gastos foi muito mal recebido nesta semana, né? Subiu o dólar, caiu a Bolsa e há uma percepção de alguns analistas de que, com inflação, sem controlar as contas públicas, tem mais inflação e que a inflação afeta também o mais pobre, que o juro mais alto vai afetar o mais pobre. O senhor acha que o pacote deixou alguma coisa de fora que pode ser incluída? Pode haver algum tipo de ajuste nesse pacote?
Presidente Lula: O pacote foi mandado para o Congresso Nacional e o Congresso tem soberania para mudar as coisas. Se votar alguma coisa que eu possa mudar, eu posso mudar, mas eu não vou poder mudar. Então vamos parar com essa bobagem. Ninguém nesse país, ninguém, Sônia, ninguém, vou repetir, ninguém nesse país do mercado tem mais responsabilidade fiscal do que eu.
Não é a primeira vez que eu sou presidente da República. Eu já governei esse país e entreguei esse país crescendo 7,5%. Entreguei esse país com a massa salarial mais alta desse país. Entreguei esse país numa situação muito privilegiada. É isso que eu quero fazer outra vez.
E não é o mercado que tem que ser preocupado com os gastos do governo, é o governo. Porque se eu não controlar os gastos, se eu gastar mais do que eu tenho, quem vai pagar é o povo pobre.
Então, eu quero te dizer, Sônia, é o seguinte: nós fizemos aquilo que é possível fazer, mandamos para o Congresso Nacional. A única coisa errada nesse país é a taxa de juros estar acima de 12%, essa é a coisa errada. Não há nenhuma explicação.
A inflação está quatro e pouco, é uma inflação totalmente controlada. Totalmente controlada. A irresponsabilidade é de quem aumenta a taxa de juros todo dia. Não é do governo federal. Mas nós vamos cuidar disso também.
Repórter Sônia Bridi: Só encerrando então, a gente está há 15 dias de completar metade do seu mandato. O senhor pode dizer o que o senhor considera que gostaria que estivesse concluído já nesses dois anos e não está, e o que é prioridade para os próximos dois anos?
Presidente Lula: Deixa eu te dizer uma coisa: tudo que foi planejado a gente fazer até agora está cumprido. Tudo. Tudo. A gente, primeiro, precisou criar novos ministérios, recolocar os ministérios que já existiam. A gente precisou repor muitos postos de trabalho que estavam defasados. Então, veja, nós fizemos o PAC [Programa de Aceleração do Crescimento]. Nós lançamos todos os programas que tinham que ser lançados e eu tenho dito para os meus ministros: nós já plantamos. Agora 2025 é ano da colheita. Agora vamos começar a colher o que nós plantamos, em 2025 e 2026. E as coisas vão acontecer nesse país, Sônia.
Eu estou olhando para o seu rosto, Sônia, e estou vendo o povo brasileiro. É um compromisso de honra meu. As coisas vão acontecer nesse país.
Repórter Sônia Bridi: Muito obrigada. Melhoras, presidente.
Presidente Lula: Obrigado, querida.
Repórter Sônia Bridi: Fique bem.
Presidente Lula: Obrigado.