Entrevista do presidente Lula à TV Centro América
Jornalista Eunice Ramos (TV Centro América): Bom dia, presidente. Em primeiro lugar, muito obrigada por receber a Rede Matogrossense de Comunicação, aqui no Palácio do Planalto, para essa conversa, quando o senhor completa um ano e meio de governo. Muito obrigada pela sua atenção.E, para começar, um assunto que atinge muitos dos estados, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, que é o Pantanal, e ele tem sido muito atingido pelo fogo. A área atingida já é de 140% a mais que no mesmo período do ano passado, ou seja, janeiro a junho, neste primeiro semestre. O que o Governo Federal está fazendo para evitar uma tragédia ambiental, como ocorreu, em 2020, já que nós ultrapassamos essa área atingida?
Presidente Lula: Eunice, uma coisa importante que o povo brasileiro, o povo do Mato Grosso do Sul, do Mato Grosso, tem que saber, é que nós estamos vivendo a maior seca dos últimos 70 anos na região. E, mais importante, a umidade relativa do ar foi a 12%. Ou seja, você tem muito calor, você tem pouca chuva, e você tem uma temperatura muito seca, muito propícia à seca.
A Marina [Marina Silva, ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima], ela tem colocado, que eu vou agora, quando voltar, sancionar uma lei. Uma lei para discutir a questão do fogo, uma lei que está, desde o governo da Dilma [Dilma Rousseff, presidente do Novo Banco de Desenvolvimento], no Congresso Nacional, e isso esteve engavetado durante muito tempo, e, agora, na nossa volta, a gente fez essa lei, que foi aprovada, e eu vou sancionar, que é para dar possibilidade para o interior do meio ambiente a cuidar melhor, e, quem sabe, de forma preventiva, da questão dos incêndios.
Ontem, eu falei com o nosso cantor Almir Sater sobre a questão do fogo, porque me parece que a fazenda dele é perto aqui da região. E estava, ele disse, que estava muito feio a coisa, que estava um negócio louco. Ele pediu ajuda, eu mandei para ele tudo o que a gente estava fazendo, porque nós temos lá quase 800 pessoas trabalhando.
Jornalista Eunice Ramos (TV Centro América): Ele, inclusive, falou em entrevista que conversou com o senhor, sobre a possibilidade do Exército entrar.
Presidente Lula: Para nós, entrará quem tiver condições de fazer. Obviamente que a gente não pode mandar para lá alguém que não tem interesse em cuidar disso. Ou seja, também não dá para a gente pegar um monte de voluntários e falar: “vai apagar o fogo”.
Presidente Lula: Diminuir esse fogo o mais rápido possível e acabá-lo. Então, nós estamos fazendo isso. Eu quero te dizer que tem muita coisa. Nós temos, só para você ter ideia, nós temos sete aviões, sete helicópteros, 15 embarcações, 140 automotores, nós temos 45 frentes de incêndio. Nós temos 482 pessoas do ICMBio [Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade], 51 da Marinha, do Exército e da Força Armada, 40 bombeiros militares, Força Nacional e outros. Os proprietários estão ajudando também, tem muito empresário contribuindo, colocando máquina, colocando…
É uma coisa nova, eu quero ir lá para ver se eu vejo de perto o que está acontecendo, porque essa lei vai permitir que a gente consiga discutir, no Orçamento da União, dinheiro preventivamente para a gente evitar que as coisas aconteçam. E aí teríamos que ter um acordo com os prefeitos, nós teríamos que ter um acordo com os fazendeiros, porque é preciso que todo mundo cuide. Não é daqui de Brasília que a gente vai cuidar, ou seja, a gente precisa compactuar com o prefeito, para que o prefeito seja o primeiro vigilante. Não, o primeiro é o dono, o dono é o primeiro vigilante, depois é o prefeito, depois é o estado, depois é a República. Os três juntos, nós temos condições de resolver isso e tentar minimizar.
Eu estou preocupado, porque, você sabe que a gente vai ter a COP 30, em Belém, e nós temos um compromisso assumido por nós – ninguém pediu para a gente assumir – de fazer um desmatamento zero até 2030. E isso é difícil, não é uma coisa fácil, porque você tem poucos querendo construir e alguns querendo destruir.
Jornalista Eunice Ramos (TV Centro América): É, porque houve uma redução, por exemplo, na Floresta Amazônica e no Cerrado, houve uma redução.
Presidente Lula: 52% na Amazônia.
Jornalista Eunice Ramos (TV Centro América): No primeiro semestre deste ano. Porém, a gente ainda tem, por dia, o equivalente a 670 campos de futebol de desmatamento. E para atingir essa meta aí que o senhor está falando, o senhor acha que a gente vai ter...
Presidente Lula: Eu acho, nós fizemos um pacto com todos os governadores do Norte, todos. Estiveram aqui os governadores, estiveram os prefeitos das cidades que têm maior incidência de fogo. E eu estou convencido que não dá para você ficar de Brasília ocupando o prefeito ou ficar ocupando o governador de estado, não. Nós temos que sentar numa mesa, levar em conta que o problema é igual para todos: que todos perdem, ninguém ganha, o Brasil perde. O Brasil perde, porque hoje os produtos agrícolas que nós...
Aliás, só para dar uma notícia nova para vocês, eu acabei de falar com o Fávaro [Carlos Fávaro, ministro da Agricultura e Pecuária], nós crescemos mais seis mercados novos. Ou seja, nós já fomos agora para 166 novos mercados para os produtos brasileiros. E, grande parte deles, produtos agrícolas. Isso significa que os empresários que trabalham no campo, os empresários do agro, eles sabem que quanto melhor a gente cuidar a terra, quanto melhor a gente cuidar do desmatamento, quanto melhor a gente não poluir a água, mais valor terá os produtos que o Brasil exporta para o estrangeiro, porque o mundo está muito exigente. E eu acho isso bom.
Eu acho que isso vai preparando, politizando os nossos empresários para saber que é melhor cuidar, é melhor evitar desastre climático, é melhor manter os rios com água, é melhor manter a floresta em pé do que a gente desmatar.
Jornalista Eunice Ramos (TV Centro América): Ainda dentro desse assunto, presidente, no início do seu governo, houve uma grande operação de combate ao garimpo na Terra Indígena Yanomami. O senhor, inclusive, esteve lá, acompanhando esse trabalho, mas o garimpo não parou, nem lá e nem em outros estados, como Mato Grosso e Mato Grosso Sul. Por que é tão difícil combater o garimpo ilegal?
Presidente Lula: É difícil pelo seguinte: porque o território brasileiro é muito grande. Quando a gente fala de Roraima, a gente está falando de um espaço maior do que Portugal. Então você veja o negócio: essas pessoas têm facilidade, porque o cidadão que tem o dinheiro para financiar uma balsa, o cidadão que tem o dinheiro para financiar um barco, não é o garimpeiro, ele é o dono. O garimpeiro é o cara que está lá para ganhar algum dinheiro, seja para ficar rico, seja para ter um emprego.
E a gente consegue destruir um monte de coisas, já destruiu um helicóptero, já destruiu um avião, já destruiu um barco, ou seja, tudo que a gente já destruiu, eles voltam na semana seguinte. Então é uma coisa sem trégua. Essa é a verdade, é que a gente criou, a gente tá fortalecendo a Polícia Federal, criamos uma base da Polícia Federal na região da Amazônia, que é para que a gente possa cuidar disso com prioridade, porque não é só combater o garimpo, é combater o crime organizado, é combater o contrabando de armas, o contrabando, o tráfico de drogas. Então é uma coisa mais séria. Nós temos quase 17 mil quilômetros de fronteira seca no Brasil. É muita fronteira. Só com a Bolívia, a gente tem 3 mil quilômetros. Então é preciso que a gente se prepare.
Quando a gente discute isso, que a gente vai colocar no Orçamento, há sempre uma gritaria. “Por que tanto dinheiro para isso? Porque tanto dinheiro para aquilo?”. As pessoas não se dão conta que o dinheiro que a gente está colocando agora para evitar uma desgraça vai ser em lucro amanhã para o povo brasileiro. Então você pode ficar certa que a gente vai combater o garimpo. Em todo o território nacional, o garimpo é ilegal.
É importante ficar claro que tem garimpo autorizado pelo governo, tem empresas garimpando. O que nós queremos é evitar essa ocupação nas Terras Indígenas. Isso nós vamos fazer. Pode ficar certo que nós vamos fazer. Nós montamos, inclusive, um escritório do Governo Federal em Boa Vista. Hoje nós temos vários ministérios com representantes oficiais lá, porque a gente quer vigiar e visitar in loco. A gente quer visitar o que está acontecendo. Tem que ter a Polícia Federal, porque senão as pessoas podem matar um fiscal do Ibama, pode matar um fiscal da ICMBio, pode matar um indígena. Então é um trabalho…
Se você conversar com a Aeronáutica, nós já utilizamos 7 mil horas de helicóptero para levar comida, para levar cesta básica, para levar remédio. Ou seja, é uma coisa incomensurável. É quase que uma guerra. Mas nós vamos vencer. Tenho certeza que a gente vai vencer essa guerra.
Jornalista Eunice Ramos (TV Centro América): O senhor mencionou a fronteira. Mato Grosso e Mato Grosso do Sul são 1.200 quilômetros de fronteira seca. O que dificulta o combate ao narcotráfico, à entrada de armas. Já foi encaminhado para o senhor, acredito, o projeto, a PEC do Ministério da Justiça para criar uma nova polícia com base na Polícia Federal. Ou seja, aumentar a responsabilidade do Governo Federal na segurança pública. E essa nova polícia partiria da Polícia Rodoviária Federal. Como é que o senhor vê esse projeto?
Presidente Lula: Eu quero falar um pouco mais sobre isso. Primeiro, eu queria te dizer que eu estou convocando a reunião do Ministério da Justiça com os oito ministros que eu tenho que já foram governadores de estado. Porque eu tenho um ministro que foi governador há 16 anos, foram governadores há oito anos. Então eu quero, junto com o Lewandowski [Ricardo Lewandowski, ministro da Justiça e Segurança Pública], a gente discutir a experiência dessas pessoas nos estados.
A partir desse esboço, da primeira proposta de projeto, a gente vai convocar uma reunião com os 27 governadores de estado. Porque nós temos que pactuar. Nós temos que pactuar qual é o papel do Governo Federal, qual é o papel do governo estadual. Onde é que vai entrar as Forças Armadas, onde é que vai entrar a Polícia Nacional, onde é que vai entrar a Polícia Federal? Porque tudo tem que ser combinado. Porque a Polícia Federal não pode entrar no estado para resolver um crime estadual.
Jornalista Eunice Ramos (TV Centro América): A Polícia Federal ficaria mais para a investigação.
Presidente Lula: Então o que nós queremos acertar qual será o papel. A gente respeita que o estado é o responsável por isso, a gente respeita que eles é que mandam e comandam a Polícia Militar, não é a União que tem que se meter nisso. Mas nós queremos construir uma coisa acertada, com 27 estados, para que a gente possa apresentar para a sociedade brasileira a ideia definitiva de que a gente vai combater o narcotráfico, o crime organizado, o contrabando de armas, o contrabando de gás, o contrabando de ouro, o contrabando de tudo nesse país. É muita coisa. Nós colocamos um sistema de fiscalização...
Jornalista Eunice Ramos (TV Centro América): É o Sisprom lá.
Presidente Lula: Nós montamos um esquema no Lago de Itaipu. Você não tem noção quantos barcos foram presos tentando traficar coisa de um país para o outro. Então nós vamos trabalhar com muita seriedade. O Lewandowski foi abençoado em apresentar essa proposta de PEC e isso motivou a gente a fazer uma discussão. Quando eu ganhei posse, a ideia nossa era criar um Ministério de Segurança Pública. Eu, antes de criar, falei: “nós temos que pensar, porque eu não posso gerar uma expectativa na sociedade, anunciar um ministério que depois não tem finalidade”. O que é que vai fazer um ministério num estado que quem manda é o governador, quem cuida da Polícia Militar é ele, quem cuida da Polícia Civil é ele. O que é que vai fazer? Então, antes de fazer uma coisa atrapalhada, eu prefiro sentar com os governadores. E todos serão chamados, Eunice, todos, sabe, não importa de que partido seja, não importa que religião seja, não importa que time torça. Será chamado para dizer o que que vocês acham que precisa ser feito. Vamos construir juntos. Se a gente construir juntos, a gente tem chances de ter sucesso.
Jornalista Eunice Ramos (TV Centro América): Presidente, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul são estados importantes na produção de grãos, carne e com impacto significativo na nossa balança comercial. Mas um dos gargalos nos dois estados é a logística para escoar essa produção para exportação. Nos Estados Unidos, que também é um dos grandes produtores agrícolas, a maior parte da produção é transportada de trem, que reduz o gasto e o risco de acidente também. Aqui no Brasil, como estão os investimentos neste modal: trem?
Presidente Lula: Olha, primeiro nós colocamos no PAC um certo privilégio à construção de ferrovias. Nós estamos para terminar a ferrovia Leste-Oeste, estamos para terminar a ferrovia Transnordestina, e nós queremos que a Leste-Oeste ligue com a Norte-Sul, para que a gente possa ter uma espécie de espinha de peixe carregando os produtos que a gente fabrica.
E também a ideia de fazer um porto, sabe, na região, para que os produtos do Mato Grosso e do Mato Grosso Sul possam chegar mais rápido a uma balsa ou a um navio para atravessar o Atlântico. Tudo isso está pensado no PAC, está pensada a integração da América do Sul, que é coordenada pela nossa companheira ministra Simone Tebet [ministra do Planejamento e Orçamento]. Um projeto de integração que envolve Peru, que envolve Colômbia, que envolve Equador, que envolve o Chile. Integração bioceânica que vai ligar o Oceano Atlântico e o Pacífico. E só para você ter ideia, reduziria uma carga do Brasil para a China em 10 mil quilômetros. O que seria uma coisa extraordinária, além do que quando chega uma estrada, quando chega uma ferrovia, chega atrás o desenvolvimento. Então, o que nós queremos é construir a possibilidade de que, no século XXI, o Brasil deixe de ser um país em vias de desenvolvimento, mas que seja um país definitivamente desenvolvido.
E, obviamente, que o estado do Mato Grosso do Sul e do Mato Grosso são dois estados importantes. Veja, nós, quando nós fomos fazer o PAC, é importante lembrar, Eunice, em janeiro de 2023, eu fiz uma reunião aqui no palácio com os 27 governadores. E foi pedido para os governadores o seguinte: eu quero que você me apresente as obras prioritárias para o seu estado. Então, o Mato Grosso do Sul apresentou proposta de investimento direto de R$ 13 bilhões e 800 milhões, com investimento total de R$ 17 bilhões. O Mato Grosso apresentou uma proposta de R$ 29 bilhões e 800 milhões, investimento direto no estado de R$ 20 bilhões. Isso só. Muitas coisas já estão acontecendo nos estados. E isso nós vamos cumprir. Este PAC é até 2026. O que pode atrasar são...
Jornalista Eunice Ramos (TV Centro América): Essas sugestões serão cumpridas?
Presidente Lula: Essas sugestões serão cumpridas. As obras que os governadores colocaram no PAC, nós vamos fazer questão de atender todas elas. Todas. E tem um processo.
Jornalista Eunice Ramos (TV Centro América): É um compromisso que o senhor faz com os dois estados?
Presidente Lula: Não, é um compromisso que eu fiz com os governadores aqui, é um compromisso que eu faço com a minha consciência. Ou seja, quando eu os chamei para dizer o que ele queria para o estado, era porque eu não queria, a partir de Brasília, fazer as coisas no Mato Grosso do Sul ou fazer no Mato Grosso. Eu queria, a partir de Brasília, com a experiência de quem está na região, com a experiência de quem é governador e, portanto, tem a mesma respeitabilidade que eu tenho, do voto do estado, que a gente combinasse. E isso está acontecendo, vai acontecendo.
Eu vou agora, sabe, em Várzea Grande anunciar a retomada de vários aeroportos, um investimento de quase R$ 400 milhões. Eu vou inaugurar o Minha Casa, Minha Vida, que começou em 2012. Só para você ter ideia do que aconteceu nesse país. É que, em 2012, tem um projeto habitacional lá no Mato Grosso e esse projeto foi paralisado. Nós retomamos esse processo e eu vou, na próxima quarta-feira, anunciar a inauguração em Várzea Grande, vou estar no aeroporto e depois eu vou inaugurar as casas. E vou por um barco para fazer a visita no Pantanal. Então, veja, os governadores, eu chamo muitos governadores.
Eunice, nós fizemos uma coisa e isso foi feito para dar uma espécie de lição aos políticos brasileiros. Normalmente, quando o governador ganha uma eleição, normalmente, quando o presidente ganha as eleições, eles governam para atender os amigos. “Ah, se tal governador é meu amigo, vai ter um investimento lá”. “Se tal prefeito é meu amigo, vai ter um investimento lá”. Você sabe o que nós fizemos? Primeiro, chamamos os 27 governadores. Aqui vem do Oiapoque ao Chuí, do Rio Grande do Sul ao Amapá. Todos apresentaram e todos foram contemplados. E aí nós resolvemos chamar os prefeitos para outros projetos. Saneamento básico, habitação popular, creche, escola. O que nós fizemos? Seleção. Nós fizemos o PAC Seleções. A gente pedia para que todos os prefeitos mandassem projetos. E, desses projetos, a gente atendia aqueles que fossem mais factíveis, aqueles que fossem possíveis de começar logo.
Uma coisa que aconteceu, que eu acho que é revolucionária. É a primeira vez na história do Brasil em que os partidos ligados ao governo reclamam que eu estou atendendo mais determinado setor de produção. Por quê? Porque eu não estou atendendo o prefeito, eu não estou atendendo o governador, eu estou atendendo às necessidades do povo. E a necessidade do povo, ela está, sabe, consubstanciada na seriedade do projeto. Então eu tive um prefeito aqui de Pernambuco, sabe, que ele era bolsonarista doente. A cidade dele recebeu R$ 69 milhões para cuidar de encosta. Ele estava aqui. Eu falei para ele, eu falei para ele: “Para a sua cidade, sabe, de que eu estou atendendo ao povo da sua cidade, porque o povo não pode pagar pelo fato do prefeito não votar no presidente da República”. Não é assim que eu penso.
Então nós estamos tentando moralizar. Eu não quero governar o Brasil para amigos. Eu quero governar o Brasil para as famílias brasileiras, envolvendo trabalhadores de todo o território nacional. E assim vai ser o PAC. Eu espero que você esteja em Porto Murtinho quando eu for lá para inaugurar a ponte.
Jornalista Eunice Ramos (TV Centro América): Vamos estar lá. Presidente...
Presidente Lula: Aliás, você precisa saber que eu fui um grande pescador em Porto Murtinho.
Jornalista Eunice Ramos (TV Centro América): Olha aí, hein? Aí, pessoal de Porto Murtinho, grande pescador. Presidente, o Plano Safra. O Plano Safra deste ano teve mais dinheiro para a agropecuária do que no ano passado. Tem incentivos para a produção de grãos e práticas ambientais. São R$ 476 bilhões em recursos. Mas o setor alega que esse valor não é suficiente para atender todas as demandas. Como o senhor vê esse descontentamento?
Presidente Lula: Eu não sei se a gente poderia chamar de descontentamento. Eu não sei como é que a gente pode denominar isso. O dado concreto, Eunice, você como jornalista, investigadora, você pode fazer isso aí, é que foi exatamente nos governos do PT, comigo ou com a Dilma, em que a gente fez o mais importante Plano Safra da história deste país, para atender o agronegócio e para atender a agricultura familiar.
As pessoas se esquecem que em 2008 eu fiz uma medida provisória que discutiu a securitização. Foram quase R$ 500 bilhões para salvar a agricultura brasileira. E eu nunca perguntei se o cidadão gosta de mim ou não gosta. Eu faço porque é preciso fazer. Porque o Brasil necessita de uma agricultura forte e pujante. Eu tenho orgulho da nossa agricultura. Agora, não dá para o cidadão receber, sabe, um financiamento de R$ 475 bilhões e achar que é pouco.
Jornalista Eunice Ramos (TV Centro América): E como você lida com isso?
Presidente Lula: Não lida com isso. A gente vai dar o que a gente pode. Eu não tenho só agricultura para atender. Eu tenho muitas outras coisas para atender neste país. Eu tenho educação, eu tenho saúde para atender, eu tenho segurança pública, então é preciso que as pessoas compreendam, inclusive com juros, em grande parte subsidiadas, não é pouca coisa. Em qualquer país do mundo seria um grande investimento. Eu tenho certeza que a maioria dos empresários gostaram.
Agora você pode ter outro presidente de alguma entidade, porque normalmente o presidente das entidades não falam pelos produtores. Muitas vezes o presidente da entidade não é nem fazendeiro, ele é um funcionário, e ele fala: “não, é pouco, é pouco”. É pouco para quê, cara pálida? É pouco para quê? Me diga, é pouco para quê?
A gente não pode dar tudo que você quer, a gente dá aquilo que nós entendemos que é correto e que o Estado pode financiar. Então é o seguinte, orgulhosamente, Eunice, eu digo para você, os agricultores brasileiros, sejam pequenos, grandes ou médios, se você fizer pesquisa, você vai ver, nunca tiveram tantos recursos como o governo do PT.
E a gente faz isso, sabe, porque a gente gosta desse país, a gente faz isso porque a gente quer o desenvolvimento, a gente faz isso. Você sabe quantos mercados a gente abriu em um ano e seis meses? Quantos mercados novos para agricultura? Cento e sessenta e seis novos mercados. Vou te contar um caso, eu tinha ido para a China quando eu voltei, recebi um telefonema do meu amigo, aliás, extraordinária figura humana, companheiro Fávaro.
Posso te dizer que é o melhor ministro da Agricultura que eu já tive, companheiro extraordinário. Então o Fávaro me telefonou: “presidente, estamos com um problema sério, nós temos 70 mil toneladas de carne que estão no Oceano Atlântico, estão no contêiner para ir para a China e a China proibiu essa carne chegar lá”. Porque tinha tido um problema de doença em Marabá. Então eles suspenderam um período.
Então eu liguei para o Xi Jinping, falei: “companheiro, é o seguinte, nós temos 70 mil toneladas de carne que está no Oceano Atlântico, se você não receber, a carne vai estragar, será um prejuízo enorme. O Brasil precisa de dinheiro e a China precisa da carne para comer, então, sabe, eu gostaria que você recebesse”.
Recebeu 70 mil toneladas de carne. E aí o agronegócio, que tanto odiava a Dilma, foi em Xangai agradecer a Dilma. Não todos, mas os empresários civilizados, aqueles que são empresários de verdade, aquele que não falam bobagem, mas aqueles que trabalham foram agradecer a Dilma, porque ela ajudou também a gente a fazer isso.
Então é assim que a gente trata. Eu nunca pergunto para alguém que entra na minha sala “você votou em mim ou não votou em mim, você é corinthiano ou não é corinthiano, você torce para o Cuiabá ou não sei pra quem”. Eu nunca perguntei, eu não quero saber, eu quero saber se a pessoa é um brasileiro, se representa alguma coisa, vem falar comigo e se tem direito. Se tiver direito, a gente atende, se não tiver direito, a gente fala que não dá para atender.
Jornalista Eunice Ramos (TV Centro América): O senhor falou de pequeno produtor, pequeno produtor sempre teve dificuldade de colocar os seus produtos fora do mercado, fora do município, mercado fora do município, por causa do acesso à inspeção, muitas vezes pros pequenos fica difícil. Os municípios precisam estar preparados também para atender. O MAPA [Ministério da Agricultura e Pecuária] está fazendo, inclusive, essa implantação do SISB, do Sistema Brasileiro de Inspeção, o senhor está acompanhando?
Presidente Lula: Estou acompanhando e quero te dizer que quando eu era presidente, no primeiro mandato, eu fui em uma cidade do Rio Grande do Sul, chamada Santa Maria, e lá eu vi uma senhora produzindo salame, produzindo chouriço, produzindo um monte de coisa, e eu perguntei se ela vendia para fora, ela falou: “não, não posso vender para fora, isso aqui eu só posso vender na minha cidade”.
Naquela época, nós fizemos uma lei para permitir que o pequeno produtor pudesse vender no Brasil inteiro. Essa lei foi feita, mas não foi regulamentada, porque é assim, não regulamentou, a lei não entra em vigor. Então, agora, o Fávaro me comunicou e eu fiquei muito feliz, fiquei muito feliz que o pequeno produtor do Mato Grosso do Sul, do Mato Grosso, do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina, de Pernambuco, da Bahia, que ele produza um queijo, ele produz um suco, qualquer coisa, que isso possa ir para o território nacional com garantia de que aquilo é uma coisa séria, é uma coisa bem feita, que não tem nenhum problema.
Isso é uma revolução nesse país. E eu fico muito feliz.
Jornalista Eunice Ramos (TV Centro América): Quantos municípios já estão...
Presidente Lula: Não, a gente quer envolver todos os municípios. Aí é preciso preparar a fiscalização, e também porque o governo, como a gente tem um PAA [Programa de Aquisição de Alimentos] que a gente compra alimento do pequeno produtor, a gente pode comprar parte desses produtos e distribuir onde as pessoas são mais carentes.
Ou seja, o que nós queremos, na verdade, é o seguinte: é dar aos pequenos a oportunidade de virarem grandes. Porque eles só podem virar grandes se eles conseguirem vender as coisas deles na cadeia do supermercado, que vendem os outros produtos.
Jornalista Eunice Ramos (TV Centro América): Não só no município dele.
Presidente Lula: É isso, enlatado. Você compra uma coisa da Itália, você compra uma coisa da Alemanha, você compra uma coisa da Suécia, por que você não pode comprar uma coisa de um mato-grossense? Por que você não pode comprar uma coisa de um pessoal que produziu em Cáceres alguma coisa? Então, nós achamos que isso vai ser um avanço extraordinário para fomentar a entrada de recursos no bolso dos pequenos produtores brasileiros.
Nós temos quase 5 milhões de propriedades brasileiras com menos de 100 hectares. Dessas 5 milhões de propriedades com menos de 100 hectares, é que se produz praticamente 80% do alimento que vai na tua mesa, que vai na minha mesa e que vai na mesa do povo brasileiro. Então, nós temos que tratar o agronegócio com muito respeito. Porque além de ele produzir coisas importantes para nós, ele exporta muito.
E temos que valorizar muito o pequeno e médio proprietário rural porque eles estão cuidando da comida que vai na panela da sua casa, Eunice, na panela da minha casa. Eu vi o Blairo Maggi e ficou chateado comigo porque eu falei: “o Blairo Maggi, que é o maior plantador de soja do mundo, ele quando quer comer uma galinha caipira, ele tem que comprar de um pequeno produtor”.
E ele veio aqui e falou: “não, Lula, eu tenho na minha fazenda galinha caipira”. Eu falei: “então eu vou lá comer uma galinha, pode se preparar que eu vou dar uma passada lá”. Porque é assim, a gente quer valorizar. Todo mundo que é pequeno quer ser grande, quer ser médio.
Todo mundo que é médio quer ser grande. E quem é grande quer ficar maior. Então, nós temos que criar oportunidade para todos.
Jornalista Eunice Ramos (TV Centro América): Presidente, mudando um pouco de assunto, segundo a Agência Internacional de Energia, a demanda do Brasil de alimentar uma média de 2,5% ao ano já nos próximos dois anos. A gente fala muito de transição energética para fontes renováveis, mas ainda nós somos muito dependentes do petróleo e ainda temos plataformas sendo implantadas. Como o senhor trabalha essa questão da transição energética?
Presidente Lula: Primeiro a transição energética é uma oportunidade para o Brasil se transformar no celeiro do mundo em produção de energia renovável. Vamos só pegar o dado. O Brasil já é o país que mais tem energia renovável, 80% da nossa energia elétrica, 87% é renovável, da nossa energia elétrica. E do restante da energia, nós temos 50% enquanto o resto do mundo tem 15%.
Agora, com a transição energética, com a gente tendo possibilidade de fomentar a produção de eólica, a produção de solar, a produção de biomassa e aumentar a produção de etanol, a produção de biodiesel e ainda fazer hidrogênio verde, o Brasil será um atrativo extraordinário para que empresas que queiram produzir os seus produtos com energia limpa venham para o Brasil.
Jornalista Eunice Ramos (TV Centro América): Mas ainda estamos investindo em petróleo?
Presidente Lula: Não vamos abandonar o petróleo. Por que vamos abandonar o petróleo? A Petrobras é uma grande empresa. Nós temos petróleo. O mundo vai precisar de petróleo. Ninguém pode dizer assim: “olha, eu não preciso mais petróleo, nós vamos embora”.
Aliás, o Brasil talvez fosse o único que pudesse, porque nós temos o etanol há 40 anos, não são 40 dias. O biodiesel começou comigo em 2003. Hoje nós temos 15% do biodiesel no óleo diesel e nós temos 30% do etanol na gasolina.
O Brasil possivelmente seja o único país do mundo que poderia abdicar disso. Agora, o petróleo é uma riqueza que nós precisamos utilizar o dinheiro do petróleo para criar a transição energética. E a Petrobras tem que participar disso. A Petrobras não vai fechar porque vai acabar o petróleo.
Quando acabar o petróleo, a Petrobras será uma empresa de energia porque ela está fazendo investimento agora também na transição energética. E o mundo vai precisar de petróleo por muito tempo ainda. Não é fácil, sabe? Não é fácil a gente abdicar de uma matriz energética sem ter certeza de que a outra é suficiente. Então o Brasil está muito tranquilo. É um momento histórico. Eu queria que o povo brasileiro acreditasse de que o Brasil tem uma chance, que é coisa de Deus.
Jornalista Eunice Ramos (TV Centro América): Agora, o senhor esteve na Bolívia lá e o senhor conversou sobre a questão do investimento da Petrobras lá na Bolívia para aumentar o custo de gás natural aqui. Isso vai ter esse investimento?
Presidente Lula: Veja, nós temos tanto interesse de pesquisar para saber se a Bolívia ainda tem muito gás e se a gente pode extrair mais, como nós queremos fazer um acordo na Argentina com a grande fonte de petróleo deles também, de gás, que é a Vaca Muerta.
Ou seja, a gente está procurando possibilidades de aumentar a utilização de gás industrial porque a demanda é muito grande e o gás no Brasil está muito caro. A gente está reduzindo o preço do gás. Daí porque nós estamos colocando como uma das prioridades da Petrobras explorar gás pra gente fornecer aos empresários brasileiros a um preço competitivo com o restante do mundo.
Jornalista Eunice Ramos (TV Centro América): Presidente, mudando um pouco de assunto, a Venezuela teve a eleição lá com o Maduro. Os países, alguns estão reconhecendo, o Brasil ainda não se manifestou. O senhor vai reconhecer essa vitória?
Presidente Lula: Não, o Brasil... Lógico que eu vou reconhecer, a hora que for consagrada a vitória. Veja o que nós temos lá. Eu estou com o meu ministro Celso Amorim [assessor-chefe da Assessoria Especial do Presidente da República] na Venezuela, desde sexta-feira. Ontem à noite ele teve uma conversa com o presidente Maduro e teve uma conversa com o candidato da oposição.
Na conversa com o Maduro foi dito o seguinte, o Celso perguntou para ele: “bom, as coisas só vão ficar definidas quando apresentarem a ata”. Ele falou: “eu vou apresentar a ata”. Só não disse quando, mas disse que vai apresentar. Na conversa com a oposição, a mesma coisa. Ele disse que tem 70% das atas.
Então nós tivemos um processo eleitoral que teoricamente foi pacífico. Não houve violência, não houve nada. Tem um resultado apertado. Sempre que tem um resultado apertado as pessoas têm dúvidas. Aqui no Brasil você viu o que aconteceu. Mesmo quando o Aécio perdeu para a Dilma, que entrou com recurso para anular a eleição.
Então, veja: é normal que tenha uma briga. Como é que vai resolver essa briga? Apresenta a ata. Se a ata tiver dúvida entre a oposição e a situação, a oposição entra com recurso e vai esperar a Justiça tomar o processo. E aí vai ter uma decisão que a gente tem que acatar.
Eu estou convencido de que é um processo normal, tranquilo. O que precisa é que as pessoas que não concordem tenham o direito de se expressar, tenham o direito de provar que não concordam. E o governo tem direito de provar que está certo.
Jornalista Eunice Ramos (TV Centro América): Mas o Partido dos Trabalhadores já reconheceu a vitória.
Presidente Lula: O Partido dos Trabalhadores reconheceu, de verdade, a nota do Partido dos Trabalhadores reconhece, elogia o povo venezuelano pelas eleições pacíficas que houve. E ao mesmo tempo reconhece que o Colégio Eleitoral, o Tribunal Eleitoral já reconheceu o Maduro como vitorioso. Mas a oposição ainda não.
Então tem um processo. Não tem nada de grave, não tem nada de assustador, eu vejo a imprensa brasileira tratando como se fosse a Terceira Guerra Mundial. Não tem nada de anormal. Teve uma eleição. Teve uma pessoa que disse que tem 51%, tem outra pessoa que teve 40 e pouco por cento. Um concorda o outro não, entra na Justiça e a Justiça faz.
Jornalista Eunice Ramos (TV Centro América): Mas o senhor acha que o PT se precipitou?
Presidente Lula: Não, eu acho que o PT fez o que tem de fazer. O PT não tem de pedir para o governo para fazer as coisas. O PT é um partido que tem autonomia, embora seja o meu partido, não precisa pedir licença para mim: “Lula, eu posso fazer isso?”. Não. Faça o que você se sentir melhor fazendo. E o governo faz aquilo que se sente melhor fazendo. Eu, na hora em que estiveram apresentadas as atas, e for consagrado que as atas são verdadeiras, todos nós temos a obrigação de reconhecer o resultado eleitoral na Venezuela.
Há uma proposta que está sendo feita de que Brasil, México e Colômbia assinassem uma nota conjunta. Eu acho que não é necessária muita coisa não. É necessário apenas o seguinte: o presidente Maduro sabe perfeitamente bem que, quanto mais transparência houver, mais chance ele terá de ter tranquilidade para governar a Venezuela.
Porque nós, eu enquanto cidadão do Planeta Terra, enquanto cidadão brasileiro e enquanto presidente, eu acho que é preciso acabar com a ingerência externa nos outros países. Eu acho que a Venezuela tem o direito de construir o seu modelo de crescimento e desenvolvimento sem que haja um bloqueio. Um bloqueio que mata o povo há 70 anos, bloquei que penaliza o Irã, que penaliza a Venezuela. Tem de parar com isso. Cada um constrói o seu processo democrático, cada um tem o seu processo eleitoral.
Aqui no Brasil, por exemplo, nenhuma eleição é dada como definitiva antes de a ata ficar pronta. Qual é a vantagem que nós temos? É que a gente termina de votar às cinco horas da tarde e às sete horas da noite a gente já tem o resultado. Essa é uma coisa fantástica aqui no Brasil. Eu digo sempre que não há modelo mais rápido e mais transparente do que o nosso.
Jornalista Eunice Ramos (TV Centro América): Presidente, para encerrar, o senhor está casado com a Janja, parece estar muito feliz, está no seu terceiro mandato. O que é o sonho do presidente Lula? O que é o sonho do Luiz Inácio Lula da Silva? O que o senhor gostaria de conquistar, que o senhor não conquistou ainda?
Presidente Lula: Eu quando voltei a ser presidente da República, eu voltei porque eu tinha a intenção de provar mais uma vez que é possível resolver os problemas desse país. Eu vivo, Eunice, eu digo para todo mundo, eu digo em reunião: eu vivo o meu melhor momento enquanto cidadão planetário. O ser humano Lula está vivendo um momento tudo extraordinário. Eu diria o seguinte: eu me sinto um cidadão pleno, eu estou tranquilo, sei o que eu tenho que fazer, sei das dificuldades, mas eu vou fazer.
Porque eu aprendi com a minha mãe uma coisa, minha mãe nunca reclamou, às vezes era domingo, ela não tinha comida para colocar pra gente na mesa, ela não ficava xingando, ela falava: “hoje não tem, mas amanhã vai ter”. Então o meu lema é esse: o que está difícil hoje, a gente tem que tornar fácil amanhã. É por isso que eu trabalho, é por isso que eu levanto cedo, levanto todo dia cinco e meia da manhã.
E por isso que eu vou dormir tarde, porque eu tenho que fazer as coisas, as coisas têm que acontecer, se a gente não estiver atrás, se a gente não estiver cobrando, a burocracia é uma coisa que complica a gente. A burocracia, você pede uma coisa, se você não estiver atrás todo dia, aquilo vai pra uma mesa, depois vai pra outra mesa, depois vai pra outra mesa, depois passa três meses e não acontece nada, então você tem que estar cobrando todo dia.
Então como eu tenho uma obsessão de resolver o problema da educação no Brasil, nós criamos um programa chamado Pé-de-Meia, que é uma coisa extraordinária. Nós descobrimos que 480 mil jovens do ensino médio desistem do ensino médio para ajudar no orçamento familiar. Um país que permite que um adolescente de 14 ou 15 anos desista da escola não é um país. Sinceramente não é um país.
O que é que nós fizemos? Nós criamos um programa e nós estamos dando uma poupança para esses jovens. São 200 reais por mês durante 10 meses, e se no final de 10 meses ele tiver 80% de comparecimento e ele tiver passado de ano, a gente continua, no ano seguinte, dando mais 10 de 200, mais uma de mil, no final ele vai ter 9 mil reais numa poupança dele.
É uma coisa revolucionária, tem muita gente que fala: “mas está gastando dinheiro”. Não estou gastando dinheiro, eu vou gastar dinheiro quando eu tiver que fazer cadeia, quando eu tiver que prender um menino desse porque é traficante, porque está no crime organizado. Então a minha obsessão na educação eu falo sempre o seguinte: eu sou o único do Brasil que não tem diploma universitário. Único.
Agora, a minha obsessão é que como eu não tenho um curso universitário e eu sei porque eu não tenho um curso universitário, eu quero garantir que o filho de todas as pessoas desse país, independentemente da cor, independente da religião, independente da condição social, tenha a mesma oportunidade. Então o que eu quero, eu não quero tirar o lugar de ninguém, mas eu quero que a filha da empregada doméstica tenha a chance de participar do concurso igual a filha da sua patroa.
Jornalista Eunice Ramos (TV Centro América): Essa obsessão passa por uma reeleição?
Presidente Lula: Não sei. A reeleição é uma coisa mais complicada, porque uma pessoa pode mentir para todo mundo, mas não pode mentir para si mesmo. A única possibilidade que eu tenho dito de voltar a concorrer a uma eleição é se ficar claro que a extrema-direita pode querer voltar nesse país. E aí, sinceramente, se eu tiver com saúde eu não vou deixar.
Esse país não pode, esse país não pode voltar a ter uma experiência macabra como ele teve. O Brasil não pode ter um presidente que nega tudo. Nega tudo. Que conta mentiras, que prega o ódio, que prega a discórdia, que não gosta de mulher, que não gosta de negro, que não gosta de trabalhador, que instiga as pessoas a brigarem, a se ofenderem.
Esse país não é assim. Esse país é um país cordial, é um país generoso. É o melhor povo do mundo. Não tem ninguém melhor do que nós. A gente gosta de contar piada contra nós mesmos. Nós somos o único que conta piada da nossa miséria.
Esse país tem que ser feliz. Às vezes eu fico pensando que há um cara do agronegócio não gosta do Lula porque o Lula é amigo dos Sem Terra. Eu quero ser amigo dos Sem Terra e quero ser amigo dele, porque eu acho que o Brasil precisa dos dois. O Brasil precisa do pequeno e do grande. E eu quero ser justo.
Se tiver terras improdutivas nesse país, ela tem que ser utilizada pelo governo para fazer Reforma Agrária. E o que acontece? O governo paga, tem lei. Ninguém pega terra de graça. O governo paga. E as pessoas sabem que o governo paga bem. Então, não tem porque esse ódio, não tem porque essa bobagem.
É o seguinte, se cada um cuidar da sua responsabilidade, já está de bom tamanho pro Brasil. Eu quero cuidar desse país. Vou cuidar porque é um compromisso que eu tenho com Deus, um compromisso que eu tenho com a minha fé de que eu vou provar mais uma vez que um metalúrgico é capaz de fazer o que a elite brasileira não fez.
Porque a elite brasileira tem complexo de vira-lata. Ela não acredita no povo brasileiro. Ela não enxerga o pobre. Ela não enxerga os deserdados. Ela só enxerga ela mesma. Se olha no espelho e fala: “eu me amo”. Não. É preciso enxergar o povo. Enxergar para as pessoas terem oportunidade.
E isso eu faço com muito carinho. Eu digo para o povo o seguinte: eu não sou um presidente da república que representa vocês. Não. Eu sou vocês lá. Porque eu já vivi enchente, eu já peguei um metro e meio de água dentro da minha casa. Eu já tive que ficar espantando barata e rato boiando em volta da cama. Eu já tive que tirar lama com um palmo e meio de lama e quando a gente acaba de tirar, vem a chuva e enche através de lama. Eu já vivi tudo isso.
Então, a minha vinda à Presidência é a vinda, pela primeira vez na história desse país, do povo pobre, do povo trabalhador chegar ao poder. E aí eu não posso envergonhar. Eu tenho que trabalhar muito para fazer as coisas acontecerem. E não mentir nunca como fez o antecessor.
Jornalista Eunice Ramos (TV Centro América): Boa sorte, então, no restante do seu governo, presidente. E assim a gente encerra a nossa entrevista com o presidente da república, Luiz Inácio Lula da Silva. Muito obrigada por nos receber aqui no Palácio do Planalto. Muito obrigada.
Presidente Lula: Obrigado a você, querida.