Entrevista do presidente Lula à rede de TV CGTN, da China
Jornalista Wang Guan: Presidente Lula, é uma honra vê-lo novamente. Eu devo dizer que foi muito gracioso e gentil do senhor nos convidar de volta ao Brasil. Então, a primeira pergunta é: como está o senhor, presidente, e como tem passado?
Presidente Lula: Primeiro, Guan, é um prazer recebê-lo novamente e dizer que é uma alegria poder fazer uma entrevista com você.
Segundo, dizer para você que eu estou bem. Eu brinco sempre com os meus companheiros que eu tenho um pedido para Deus para viver 120 anos. Então, eu me cuido bem.
Eu tento me cuidar muito bem, porque eu quero viver muito e quero viver bem, com muita saúde. O Brasil está se encontrando. Nós pegamos o Brasil há dois anos atrás quase que destruído e nós tivemos um processo muito árduo de recuperação do Brasil.
Nós já recuperamos. A economia está crescendo. O emprego está crescendo. O salário está crescendo.
Trouxemos de volta a cultura. Criamos o Ministério dos Povos Indígenas. Criamos o Ministério da Igualdade Racial. Criamos o Ministério da Mulher. Estamos fortalecendo muito a indústria brasileira.
E eu acho que o Brasil está muito bem. Estamos num momento muito delicado de transição ecológica e transição energética. Então, eu estou feliz. Estou muito feliz. E feliz com a parceria de Brasil e China. Acho que a vinda do presidente Xi Jinping no G20 é extremamente importante.
E depois nós vamos ter uma reunião bilateral muito importante em que nós vamos trabalhar a construção de uma parceria estratégica de longo prazo.
Wang Guan: O que podemos esperar da visita de Estado do presidente Xi. Ouvi que houve muito planejamento e preparação para essa visita?
Lula: Eu acho que essa reunião vai ser possivelmente a reunião mais importante já feita entre Brasil e China. Nós temos, sabe, pensamentos comuns.
A China é o mais extraordinário país no mundo asiático. O Brasil é o maior país da América Latina. Nós temos muitas afinidades e nós queremos compartilhar com a China aquilo em que nós temos especialidade. E a China compartilhar com o Brasil aquilo em que tem especialidade. E eu acho que vai ser uma parceria, sabe, excepcional entre Brasil e China.
Nós vamos mudar e aprimorar a nossa relação.
Wang Guan: Presidente Lula, durante sua última visita à China o senhor disse que a China é um modelo de desenvolvimento e modernização impressionante para outros países. O que o senhor viu e experimentou que o fez dizer isso?
Lula: A minha delegação ficou muito impressionada com a China. Porque eu já fui algumas vezes na China e a cada vez que eu chego, seja em Pequim, seja em Xangai, a gente percebe que há uma evolução sistemática do crescimento do comércio, da indústria, da educação.
Ou seja, é um país que a gente, todo mundo que vai, fica encantado. Como é que os chineses conseguiram, em tão pouco tempo, fazer a revolução que foi feita? Uma revolução de conhecimento extraordinária.
Então, nós temos que aprender. Nós temos que ter vontade de ter acesso a esse conhecimento e nós queremos compartilhar com a China. Daí porque a minha relação muito sincera com o Xi Jinping.
E eu acho que Brasil e China, sabe, pensam muitas coisas em comuns e a nossa parceria poderá ajudar a humanidade.
Wang Guan: Vamos falar sobre o G20, que é algo muito relevante na agenda da sua presidência. Quais são as principais prioridades da próxima Cúpula de Líderes do G20 no Rio? Como esta cúpula irá ajudar na resolução de problemas globais, por exemplo, alinhar a agenda da cúpula com as necessidades de países em desenvolvimento e do sul global?
Lula: Nós primeiro estamos lançando a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, que é uma coisa que eu acho extraordinária, e não é apenas para os países do G20, é para todos os países do mundo.
Depois, nós estamos discutindo muito a questão da transição energética e a questão climática, porque já está provado que não tem espaço para o ser humano viver fora do planeta Terra. Então, ao invés de ficar procurando outro planeta, nós temos que tentar fazer com que o planeta Terra tenha uma qualidade de água, uma qualidade de ar, para que a gente possa viver dignamente e decentemente.
Depois, a gente quer rediscutir o sistema de Bretton Woods, ou seja, o papel dos bancos financeiros como o FMI e o Banco Mundial, que hoje eles não são utilizados para favorecer os países em desenvolvimento que precisam de financiamento, são bancos utilizados para sufocar os países pobres.
Hoje, a África tem uma dívida de 900 bilhões de dólares. O que eles pagam de juros é mais do que eles têm capacidade de investimento no desenvolvimento, e eu estou defendendo uma ideia de que parte dessa dívida que os países africanos têm com o FMI seja transformada em investimento em infraestrutura na África.
E vamos ter, pela primeira vez, uma coisa chamada empoderamento feminino, fazendo com que as mulheres possam efetivamente participar de forma igualitária nas coisas políticas que o mundo decide. Então eu estou muito otimista que vai ser um G20 muito produtivo, muito cordial, e vai ser, eu acho, que um aprendizado para todos nós.
Além do que, muita gente vai conhecer o Rio de Janeiro pela primeira vez, e o Rio é uma cidade maravilhosa.
Wang Guan: Maravilhoso. Eu estive no Brasil quatro vezes, e a hospitalidade e a espontaneidade dos brasileiros não têm paralelo.
Nós estamos comemorando o 50º aniversário da relação China-Brasil. Nossos dois países estão trabalhando em estreita colaboração. Nós saímos de diferentes sistemas políticos, de diferentes tradições, de diferentes culturas, mas de alguma forma nós não somos conflitivos, nem ideológicos, não apontamos o dedo um para o outro, e nós trabalhamos muito de perto no satélite, no espaço, no clima, no comércio e nos intercâmbios culturais.
Você acha que China e Brasil estão sendo um exemplo para todos os países, não só no G20 e no sul global, mas para todos os países do mundo, como um modelo de desenvolvimento e como um modelo de parceria?
Lula: A primeira coisa que eu aprendi a respeitar na vida política é a soberania territorial de cada país, mas também a soberania cultural, sabe? E a soberania de definir qual é a forma política melhor que cada país quer ser governado, ser administrado. Eu respeito essa soberania.
Não é o presidente do Brasil que tem que gostar ou não gostar do modelo chinês. Quem tem que gostar do modelo chinês são os chineses. Quem tem que gostar do modelo brasileiro não é a China, é o Brasil. Olha, se a gente respeitar esse direito, tudo mais fica fácil para ser feito.
Nós temos que encontrar na nossa relação entre Estados aquilo que é convergente e não aquilo que é divergente. Não aquilo que é divergente. Então, se a gente fizer isso, a gente vai ter uma relação harmônica com todos os países do mundo. Com todos os países do mundo.
Wang Guan: Falando em projetos de cooperação específicos, veículos elétricos são um grande projeto. O Brasil é agora o maior destino de exportação de veículos elétricos chineses. E a estratégia chinesa está se tornando cada vez mais fabricada no Brasil, para o Brasil. A BYD está construindo uma unidade no estado da Bahia. A Great Wall Motors está construindo uma fábrica no estado de São Paulo. Como você vê essas parcerias brasileiras e chinesas contribuindo com o plano de reindustrialização e o plano de transição de grãos que você mencionou para o Brasil?
Lula: Eu acho extraordinário e trabalho muito para que isso aconteça.
Eu, essa semana, fiquei muito feliz porque eu fiquei sabendo que a BYD, na Bahia, ela vai ter 20 mil funcionários. Ela vai produzir carros e bateria para exportar para outros países. E isso é muito importante para um país do tamanho do Brasil.
Isso é muito importante porque as outras indústrias automobilísticas que têm no Brasil vão ser motivadas também a fazer grandes investimentos para que o mundo se transforme em mais competitivo. Hoje eu recebi uma boa notícia. O Brasil, este mês, bateu o recorde de produção de automóveis.
Isso é um começo muito importante. Então, se a gente puder fortalecer essa relação China e Brasil e aqui tiver mais indústrias produzindo para exportar, trazendo tecnologia, produzindo bateria, discutindo, a questão espacial.
Se a gente estiver discutindo inteligência artificial, sabe, é tudo muito maravilhoso para o Brasil, para a China e para o mundo. Porque o Brasil tem interesse em compartilhar o seu crescimento com os países vizinhos.
Wang Guan: Há muitos projetos específicos que são bons para o clima, algo que lhe é muito caro, por exemplo, o projeto da State Grid chinesa para a Usina de Belo Monte, que é um sistema de transmissão de energia de alta voltagem do Norte brasileiro, que é rico em energia hidrelétrica, para o Sul. A China tem um programa similar transformando e transmitindo eletricidade do Oeste para o Leste. Eu vejo muitos paralelos em nossos países.
Lula: Bem, a China tem participado muito ativamente na transição energética que nós estamos fazendo.
E isso é muito importante. É muito importante porque o Brasil tem uma oportunidade histórica. Poucos países do mundo têm a possibilidade de produzir energia renovável como o Brasil tem.
E aí, os chineses têm dado uma contribuição muito grande. Têm participado ativamente das licitações públicas, têm ganhado muitas licitações e têm feito muitos investimentos. É isso que eu acho extraordinário na relação China-Brasil.
Wang Guan: Falando sobre a nossa compreensão entre os chineses e os brasileiros, eu devo lhe contar sobre a nossa entrevista anterior, senhor presidente. Muitos espectadores chineses, chineses comuns, professores, professores de escola, motoristas de táxi, pessoas comuns na rua, depois de assistir a nossa entrevista, passaram a compreender e apreciar o Brasil e o senhor, como presidente brasileiro, vindo de uma origem humilde.
Alguns dizem que se pode ver nos olhos do presidente Lula e na forma como ele fala, o quanto ele se importa com o seu povo e com todas as pessoas, muito amor e respeito. Essa pessoa disse: “somente aqueles que foram atingidos por uma chuva forte, sabem quando segurar um guarda-chuva para outras pessoas”. E, finalmente, essa outra pessoa disse: “oh, a mão direita do presidente Lula foi ferida e tem um curativo. Seu trabalho deve ser difícil”.
Como você se sente com esse amor e apoio que vêm da China?
Lula: Uma coisa importante, Guan, é que eu comi pão pela primeira vez com sete anos. Eu sou um presidente que não tem um diploma universitário. Eu aprendi muito com a vida.
Aprendi muito convivendo com uma mãe que era analfabeta. Quando minha mãe não tinha comida para dar para os filhos dela, ela dizia assim: ‘hoje não tem, mas amanhã vai ter’. Ela nunca reclamou. Ela sempre acreditava que amanhã as coisas iriam melhorar.
E é assim que eu faço a minha vida. Eu sempre acho que as coisas vão melhorar. Então, quando eu ouço notícia de muita gente falando que a política econômica do Brasil não vai dar certo, que a indústria não vai crescer, eu não me preocupo com isso, porque eu estou no comando da política e eu sei o que vai acontecer nesse país.
É por isso que eu sou otimista. É por isso que eu transmito otimismo todo dia. E eu acredito na boa relação do Brasil.
O Brasil não tem contencioso com nenhum país do mundo. O Brasil não quer guerra, o Brasil quer paz. O mundo gastou ano passado 2 trilhões e 400 bilhões de dólares em armas.
Se nós tivéssemos gastado esse dinheiro em educação, em alimentação, a gente não teria 733 milhões de pessoas passando fome no planeta Terra como nós temos. Nós não teríamos tanta criança morrendo de fome. Então, a minha pergunta é o seguinte, e é por isso que nós fizemos no G20 um pacto contra a fome, a desigualdade e a pobreza.
O que não dá é para a gente admitir que você tenha quase um bilhão de seres humanos passando fome enquanto os homens estão se matando com guerra, destruindo o que existe para reconstruir depois. Somente com paz a gente é capaz de crescer, produzir e distribuir.
Por isso que eu estou muito feliz com o documento que foi assinado entre autoridades brasileiras e autoridades chinesas propondo à Rússia e à Ucrânia a paz.
Wang Guan: Eu soube de uma conversa recente que o senhor teve com Bill Gates em que o senhor teve observações maravilhosas, em que você disse que a fome global não é um problema de dinheiro, não é um problema de financiamento, mas é um problema de vergonha. E eu achei que foi brilhante.
Lula: Se o governo não se preocupa com as pessoas mais pobres, com as pessoas que não tiveram chance de estudar, com as pessoas que estão confinadas no campo, às vezes produzindo em situações totalmente adversas, se o governo não se preocupa, quem vai se preocupar? Aqui no Brasil, quando eu cheguei no governo em 2003, tinha 54 milhões de pessoas passando fome. Nós acabamos com a fome no Brasil. Eu fiquei fora 15 anos.
Quando eu voltei, tinha 33 milhões de pessoas passando fome. Já tiramos 24 milhões de pessoas da fome em apenas um ano e nove meses. E vamos terminar com todas as pessoas que não comem até 2026.
Wang Guan: Nós temos convicção sobre o que o senhor disse, sabemos que a redução da pobreza lhe é muito valioso. Sabemos que os programas Fome Zero, o Bolsa Família e o Brasil Sem Fome são centrais na sua política. Também na China, a redução da pobreza é muito importante para o presidente Xi Jinping. Como o senhor se identifica com o movimento de redução da pobreza do presidente Xi Jinping e da China?
Lula: Olha, a minha relação com o presidente Xi Jinping é uma relação muito digna e muito honesta. Eu, primeiro, admiro a revolução que ele fez na China. Eu admiro muito a capacidade de desenvolvimento que a China fez em tão pouco tempo.
E eu acho que a China hoje é um país que deve ser utilizado como modelo. O que eu quero saber é que a China conseguiu em pouco tempo fazer uma verdadeira revolução. Um país que avançou de forma extraordinária do ponto de vista da tecnologia.
Um país que avançou do ponto [de vista] do crescimento empresarial, da engenharia. Então, a minha relação com o Xi Jinping é uma relação de muito respeito, de muito carinho e de muita admiração. E nós sabemos que, para um país ser desenvolvido, tem que investir na educação. O que a China fez.
Eu vou lhe contar uma coisa agora. Eu tenho obsessão pela educação. Eu sou o único presidente do Brasil que não tive diploma universitário. E sou o presidente que mais criei universidade nesse país. Sou o presidente que mais criei institutos federais nesse país para formar técnico.
E por que eu faço isso? Eu faço isso porque eu não tive o direito de estudar. E eu quero criar as condições para que o filho do povo pobre, para que o filho de uma empregada doméstica, para que o filho de um pedreiro tenha o direito de ser engenheiro, tenha o direito de ser médico, tenha o direito de ser diplomata, ou seja, tenha o direito de ser filósofo. Todo mundo quer, sabe, se vestir bem, quer ganhar bem, quer morar bem, quer viajar bem.
É isso que nós temos que tentar construir para a sociedade. E essa é a minha obsessão. E por isso eu dedico à educação um carinho muito grande.
Wang Guan: É uma ótima obsessão, eu devo dizer. Presidente Lula, o senhor mencionou sua relação pessoal com o presidente Xi Jinping. Pode nos falar mais sobre isso? Como o senhor descreveria sua relação pessoal com o presidente Xi? Que tipo de líder o senhor acha que ele é?
Lula: A primeira coisa é o seguinte. Eu poucas vezes fui tão bem recebido como eu fui recebido na China nessa minha visita. E eu espero retribuir ao presidente Xi Jinping o mesmo carinho, a mesma afeição que ele dedicou a mim e à minha delegação.
E nós temos uma relação de confiança muito grande. Uma relação de dois países, sabe, que querem construir um mundo mais justo e que sabem que se a gente tiver uma parceria estratégica profunda, a gente pode contribuir para crescer mais a China, para crescer mais o Brasil e para crescer um pouco o mundo. Porque a gente não pode ser rico cercado de miséria por todos os lados.
Então a minha relação com o Xi Jinping é uma relação muito, muito solidária, de muita confiança e de muito respeito. E eu sei que ele pensa o mesmo do Brasil. Então nós temos que aproveitar esse momento histórico e fazer com que a China cresça mais e o Brasil cresça mais.
E que a gente possa ter condições de ajudar outros países. A China e o Brasil podem ajudar o continente africano. O Brasil e a China podem ajudar a América Latina a se desenvolver.
Wang Guan: Falando de conexão entre pessoas chinesas e brasileiras, eu posso lhe dizer, senhor presidente, que há esse amor genuíno por coisas brasileiras entre os chineses, muitos chineses. Amor pelo futebol brasileiro, samba, churrasco brasileiro, jiu-jítsu e caipirinha. Da mesma forma, no Brasil, cada vez que eu viajo pelo país vejo mais elementos chineses: escolas de língua chinesa, restaurantes chineses, até a tradicional acupuntura chinesa é muito popular com os brasileiros. Como o senhor sente pessoalmente essa ligação crescente entre nossos povos e como o senhor quer que ela evolua no futuro?
Lula: Olha, eu sinto que a integração entre dois países vai se consolidar quando a integração não for apenas comercial. Aquela integração fria entre os chefes de Estado. A integração começa a se consolidar quando os povos dos países começam a se integrar.
Então nós queremos mais chineses visitando o Brasil, nós queremos mais chineses estudando o Brasil, nós queremos mais chineses aprendendo português e nós queremos mais brasileiros aprendendo mandarim, mais brasileiros visitando a China, mais brasileiros trabalhando na China, ou seja, é esse mundo de unificação de povos que vai consolidar a aliança Brasil-China.
Você sabe que tem gente que vai criticar a parceria estratégica entre Brasil e China e eu acho maravilhoso. Acho maravilhoso porque nós estamos pensando no interesse do Brasil e no interesse da China e que os dois países possam oferecer ao mundo uma aliança entre duas nações que possa servir de modelo de aliança para outros países no mundo.
Wang Guan: Muito obrigado, presidente Lula.