Entrevista do presidente Lula à Rádio T, no Paraná
João Barbiero (Rádio T): Como comunicador, e como político também, adoro política, vivo política, vivo a comunicação, eu nunca tive a oportunidade na minha vida de ter entrevistado um presidente da República. Eu já entrevistei o Lula candidato, mas o presidente da República, para um cara que tinha um pai que foi prefeito por dois mandatos e que, quando escutava o hino nacional, a diabetes dele estourava de emoção, vai ser difícil conter um pouco a minha emoção de estar aqui, na frente de um presidente da República.
E não é novidade para ninguém, um presidente que eu tenho uma estima e uma admiração muito grande. Então, quero agradecer à Gleisi, Zeca, bancada, Aliel Machado, que proporcionaram isso. Mas, em especial, eu quero te agradecer, presidente, eu sei que o senhor gosta muito, assim como o Dr. Geraldo, de rádio. Eu quero agradecer à Rádio T, uma emissora de rádio que nasceu das mãos de um cara chamado Márcio Martins, com uma, duas, três emissoras, e hoje com 34 emissoras de rádio pelo Paraná. Ou seja, de uma ponta a outra do estado do Paraná. Hoje, presidente, a gente está sendo ouvido, porque nós criamos a maior rede de rádios do Sul do Brasil, hoje a Rede T de rádios. Então, é um momento de glória, dá para se dizer assim, minha, pessoal.
Então, quero aproveitar esse papo com o senhor. Não sei do que nós podemos falar, presidente. Aliás, presidente, eu queria bater um papo com o senhor, imaginando que o Joãozinho e a Maria estivessem nos escutando. Não é o Haddad [Fernando Haddad, ministro da Fazenda], não é o economista, porque o povo não sabe o que é taxa de Selic, o povo não sabe se esse cara, o Campos Neto, trabalha em novela. A gente sabe que ele trabalha em filme, filme de sacanagem. Mas, assim, a gente não sabe isso. Então, eu queria ter essa conversa franca, assim, sabe, de falando com o Joãozinho e com a Maria lá do bairro. É isso, presidente.
Presidente Lula: Ô, Barbiero, deixa eu te dizer uma coisa. Primeiro, eu quero que você saiba que você não se sinta na frente de um presidente, se sinta na frente de uma pessoa igual você, porque eu acho que eu não sou o Lula, presidente da República. Eu sou um pouco de cada um do povo brasileiro que um dia resolveu assumir a responsabilidade de mudar a história desse país. Então, se sinta muito à vontade. A entrevista é sua, a pergunta é sua, o assunto é seu. Não tem tema proibido, não tem tema, sabe, desagradável. Você faça a pergunta que você achar que os teus ouvintes querem ouvir. A Maria, o Joãozinho, sabe, a Gleisi Hoffmann, o Zeca, sabe, todo mundo. O Enio [Enio Verri], o nosso presidente da Itaipu, sabe?
João Barbiero (Rádio T): Aliás, acho que já que o senhor deu um gancho da Itaipu, a Itaipu já lançou, está no Paraná, hoje, está fazendo um trabalho extraordinário. O Enio sempre comenta que foi a pedido do senhor que a Itaipu saísse da região de Foz e tal e começasse a atender o Paraná como um todo e uma parte do Mato Grosso. Esses programas, presidente, não correm risco de parar? A Itaipu vai continuar trabalhando, alastrando a sua mão? Porque hoje a gente encontra a Itaipu numa reciclagem de lixo, numa horta comunitária, de qualquer canto do Paraná.
Presidente Lula: Olha, Barbiero, o que é importante a gente ter claro é o seguinte: quando a gente tem uma empresa pública, mesmo sendo uma binacional, que tem o volume de rentabilidade que tem a Itaipu, é preciso que você utilize uma parte desse dinheiro, sabe, dando ao povo melhor qualidade de vida. É importante que a gente ajude os pequenos e médios empreendedores desse país, as cooperativas, não só de catadores, mas de pescadores e qualquer outro tipo de cooperativa que a gente possa ajudar.
É importante que uma empresa como Itaipu, que é uma empresa que está paga, que agora tudo dela é praticamente só lucro e manutenção. A Itaipu é uma dádiva de Deus para esse país, porque se fosse hoje a gente não fazia ela. E o Enio tem sido uma surpresa extraordinária. O Enio tem muita competência, muita lealdade, muito discernimento e muita vontade de fazer política social. Então, o que ele está fazendo é uma coisa extraordinária, inclusive contribuindo para que a gente possa fazer as coisas a nível nacional, porque se passou a ideia que Itaipu não podia fazer essas coisas. Itaipu pode fazer muita coisa pelo Brasil. Pelo Brasil.
Ou seja, então, por exemplo, o convênio que nós fizemos com a Unila, em que a Itaipu vai terminar de construir a Unila, vai colocar um dinheiro para a gente terminar, uma universidade latino-americana. Então, eu acho que Itaipu é uma das coisas extraordinárias desse país. Itaipu, Petrobras, são modelos de empresas que deram certo, sustentaram esse país e a importância de Itaipu para o Brasil é muito grande.
João Barbiero (Rádio T): Presidente, o senhor chegou em Curitiba hoje e eu acho que, depois de tudo que o senhor passou com a República de Curitiba, qual é o sentimento do senhor quando o senhor chega em Curitiba, presidente?
Presidente Lula: Primeiro é o sentimento que eu chego em uma cidade fria, porque ontem eu fui alertado que hoje poderia ter 5ºC aqui, ou 3ºC, porque ontem acho que teve 1ºC aqui. Mas, veja, eu me sinto bem em Curitiba. Eu tenho muitos amigos em Curitiba. Muitos, mas muitos amigos em Curitiba. O PT tem uma história muito forte aqui em Curitiba. Não foi fácil criar o PT no estado do Paraná e nós criamos o partido no estado do Paraná. Nós construímos uma relação política muito respeitosa. Curitiba é uma cidade que deu para o Brasil uma mulher da competência da Gleisi Hoffmann para dirigir o nosso partido, com a competência que ela dirige.
E eu me sinto muito à vontade aqui em Curitiba, muito à vontade. Só para você ter ideia, hoje foi um dia especial, porque quando eu cheguei no aeroporto, sabe quem estava me esperando? Uma mulher que era secretária do delegado da Polícia Federal, que era o chefe, quando eu estava preso na Política Federal. Essa mulher era uma senhora, essa mulher, de vez em quando, a mãe dela fazia bolo em casa, ela pegava um pedacinho e dava um jeito de chegar na minha cela aquele bolo. Ou através do Chastalo, ou através do Paulão, ou através dela mesmo. E, para a minha felicidade, eu a encontrei lá no aeroporto agora. Eu ia fazer uma visita na cela que eu fiquei preso. Eu só não vou hoje porque a Janja não está comigo, ela queria ir comigo, e a Neudi, que é uma das companheiras que organizava a vigília, também não pôde vir. E eu vou querer vir aqui visitar a cela onde eu estive preso, porque eu acho que eu não vou esquecer.
João Barbiero (Rádio T): O senhor falou uma vez uma coisa assim: pode perdoar, mas não esquecer.
Presidente Lula: Você não esquece nunca. Ou seja, você não esquece. As coisas boas que te fizeram e as coisas ruins que te fizeram, você não esquece. Você pode, as coisas ruins, você pode perdoar as pessoas, você pode não guardar mágoas, você pode relevar.
João Barbiero (Rádio T): Presidente, essa mulher te abraçar hoje, te receber...
Presidente Lula: Ah, foi uma coisa, para mim foi uma coisa muito emocionante. Para mim foi uma coisa, foi uma bênção de Deus, eu encontrar uma companheira, sabe, que foi solidária comigo, foi gentil comigo, educada comigo, quando nem todo mundo queria ser educado ou gentil comigo. Então, isso demonstra uma coisa. Isso demonstra, Barbiero, que a gente não pode acreditar que tem ser humano 100% ruim ou ser humano 100% bom. Todo mundo tem seus defeitos e todo mundo tem suas virtudes. Então, uma mulher que trabalhava na Polícia Federal, numa empresa terceirizada, que tinha coragem de cuidar, sabe, com carinho de um cara que estava preso, que foi trazido para o Paraná como se fosse o maior bandido da história desse país, sabe? Então, obviamente, eu fiquei emocionado.
João Barbiero (Rádio T): Mas você vem para o Paraná, presidente, e uma simbologia da recepção dessa mulher é a recepção de muitos paranaenses. Isso tem um porquê. Aliás, presidente, o senhor vem para o Paraná hoje, quando saiu preso, agora vem para o Paraná para reabrir uma fábrica de fertilizantes, que, aliás, é uma bandeira que a Gleisi pegou violentamente. Mas é estranho isso, porque a pergunta é: por que fecharam? O senhor conseguiu descobrir nos anais, por que foi fechada essa fábrica?
Presidente Lula: Não tem explicação, Barbiero. Não tem explicação. Veja, uma fábrica de fertilizantes, num país que tem um potencial agrícola gigantesco, e num estado como o Paraná, que tem uma produção agrícola muito forte. Você parar de fazer fábrica de fertilizantes para produzir nitrogenado, para produzir ureia, é uma coisa impensável.
Ou seja, eu, quando era presidente no outro mandato, eu dizia para as pessoas: é irresponsabilidade a gente não ter em conta que o Brasil não pode importar 90% dos insumos que nós precisamos para fazer com que a nossa agricultura seja o potencial que é hoje. Então, nós estamos recuperando isso. Nós vamos, hoje, reinaugurar a Fafen e vamos começar investimento muito pesado para que ela possa gerar até 2 mil empregos. Nós vamos fazer o investimento de R$ 4,5 bilhões na Repar para modernizá-la e fazer com que ela possa produzir refino com muito mais qualidade. E nós estamos fazendo muita coisa aqui no estado do Paraná. Só o PAC do Paraná são R$ 69,5 bilhões, que está previsto. E veja que interessante, Barbiero: a primeira coisa que eu fiz, em janeiro de 2023, quando eu tomei posse, foi convidar os 27 governadores do estado para ir à Brasília. E a pergunta minha para eles foi a seguinte: eu quero que vocês me apresentem as três, duas, quatro ou cinco obras que vocês consideram obras prioritárias para o estado de vocês. E estava lá o governador do Paraná, o governador do Rio Grande do Sul, o governador do Piauí. Os 27 governadores compareceram, fizeram a proposta. Nós analisamos a proposta, discutimos a elaboração de projetos e todas as obras que eles apresentaram estão no PAC.
Portanto, é um PAC feito pelo governo do presidente Lula, mas um PAC que teve a participação dos governadores e dos prefeitos. Nós fizemos uma outra inovação nesse mandato meu agora. Nós fizemos uma coisa chamada PAC Seleções: dinheiro para a obra de infraestrutura urbana, dinheiro para transporte, dinheiro para encosta, dinheiro para tirar pessoas de favelas. Ou seja, esse dinheiro a gente não escolheu uma cidade, como habitualmente se fazia no mundo. “Ah, o presidente da República escolheu o amigo dele, que é prefeito, o estado dele, que é amigo do governador”. Não, a gente fez um PAC Seleções. Recebemos mais de 5.500 propostas de todas as prefeituras e a gente analisou qual era o projeto que tinha mais qualidade, qual era o projeto que atendia mais o interesse do povo. E nós escolhemos assim a cidade, sem perguntar.
João Barbiero (Rádio T): Mas essa questão igualitária que o senhor está tratando, muitas vezes não está sendo bem observada. Por exemplo, o agro, o senhor está aqui num momento importante, momento de guerra, fertilizantes, necessidade... Não quero dizer que seja o maior beneficiado, mas o agro vai ser muito beneficiado com a reabertura. E o agro não dá para entender ainda. O senhor consegue entender? Tivemos um Plano Safra maravilhoso, teve uma campanha agora, do Banco do Brasil, que eu achei muito inteligente, que o agro é de todos. Criou-se um conceito de que o agro é de quem tem uma Dodge com o espelhão grande...
Presidente Lula: Só no estado do Paraná, o crédito agrícola chegou a R$ 53 bilhões. Só para o estado do Paraná. Só para você ter uma ideia. E para o pequeno negócio, R$ 8 bilhões para a agricultura familiar. Ô, Barbiero, quando você governa, você não faz política esperando agradecimento. O agro não gosta...
João Barbiero (Rádio T): Mas o agradecimento político...
Presidente Lula: Mas as pessoas do agro que não gostam de mim, as pessoas do agro não gostam do PT, as pessoas do agro não gostam de muitas coisas. Não gostam do Sem Terra, não gostam da CUT. Ou seja... Mas, veja: desde o meu primeiro mandato, desde o meu primeiro mandato, em 2003, passando pelo mandato da Dilma e a minha volta agora, você pode desafiar qualquer fazendeiro, qualquer ministro da Agricultura que já trabalhou nesse governo, para saber se em algum momento da história desse país um governo colocou tanto dinheiro na agricultura como nós. Você pode pegar quem foi ministro da Agricultura. Aqui tem gente importante no Paraná que conhece a agricultura, pode perguntar. Eu duvido que tenha tido algum governo que tenha feito mais pelo agronegócio do que nós.
Cada ano que passa é Plano Safra recorde, cada ano que passa, cada ano que passa... Então, essa coisa eu faço, eu não faço porque eu quero agradar um fazendeiro, eu faço porque o Brasil precisa disso. Eu faço porque a agricultura é importante para o Brasil. Então, eu não fico pensando se o cara gosta de mim ou não gosta de mim, eu faço porque tem que fazer, da mesma forma que eu faço as coisas para o povo trabalhador, porque ele necessita.
João Barbiero (Rádio T): Aliás, falando em povo trabalhador, os índices de desemprego estão caindo, a gente percebe sabe onde, presidente? Não precisa fazer pesquisa, é só passar nas filas do Sine. Todas as cidades têm o velho Sine, a Agência do Trabalhador. Você passa lá, você percebe hoje claramente que diminuiu-se bastante. Esse povo está buscando, eu falava com o Décio do Sebrae, na iniciativa de financiamento, hoje com o programa Acredita, por exemplo, que esse povo está indo, ou está indo para o MEI, ou está se virando, está empreendendo. Está se vivendo um novo momento nesse sentido.
Presidente Lula: Barbiero, tem uma coisa que nós temos que ter consciência e que precisamos falar muito com o povo. Ou seja, eu estou muito à vontade, mas muito à vontade, para poder chegar em um estado como o Paraná, onde você tem um governador do estado que é oposição ao meu partido, e dizer para você: eu duvido que, na história do Paraná tenha um governo que tenha transferido mais dinheiro para o Paraná do que o PT, do que o governo Lula e governo Dilma. Duvido. Estou falando isso aqui ao vivo.
João Barbiero (Rádio T): O senhor está falando proporcional a um mandato.
Presidente Lula: Não, é pelo seguinte: é porque nós temos consciência de que nós temos que governar de forma republicana. Eu não quero saber se o Ratinho é ligado a fulano de tal, eu não quero saber se o Zema é ligado a fulano de tal. Eu quero saber que eles são governadores de um estado que tem gente importante, um estado importante para o Brasil, e a gente vai fazer as coisas. Aqui, só na área de transporte da malha rodoviária e ferroviária, vão ser R$ 50 bilhões investidos. Você sabe que antes de nós chegarmos ao governo, o pedágio aqui era o dobro do que é hoje. Quem reduziu o pedágio foi o Governo Federal no acordo das concessões.
João Barbiero (Rádio T): Na campanha o senhor falava em R$ 5 o pedágio, presidente. Não vai conseguir chegar nisso. Não tem como. Agora, aqui no Paraná tem uma coisa. Aumentou o número de praças de pedágio. Diminuiu o preço, mas aumentou o número de praças. Esse formato de pedágio que não é um…
Presidente Lula: Não, deixa eu lhe falar. Qual é a diferença entre nós e os outros tipos de concessões de privatizações de estrada? Ou seja, porque, antigamente, o governo fazia uma outorga. Ele vendia a estrada por um determinado preço. A estrada vale 5 bilhões de dólares. Aí o governo do estado pegava aqueles 5 bilhões de dólares para colocar no orçamento dele e colocava o preço disso na tarifa. O que o Governo Federal está fazendo agora? A gente não tem outorga. A ideia de você fazer concessão e baratear o pedágio é para beneficiar o povo que trafega naquela estrada. Não é para o governo ganhar dinheiro. É para que seja mais barato para o povo. Por isso é que você tem estado em que o pedágio é o dobro. Você pode pegar São Paulo, vai ver que é o dobro do estado do Paraná. É o dobro. E nós estamos agora começando a fazer a reparação das coisas que aqui não funcionavam.
Eu ainda me lembro do tempo que a Gleisi, que os políticos do Paraná só falavam do pedágio, que o pedágio era uma roubalheira, que o pedágio era um assalto e tal. Então, veja, nós fizemos, o ministro Renan [Filho, ministro dos Transporte] teve um trabalho estupendo de fazer com que nas concessões agora a gente vai baratear o preço da tarifa. Ora, um preço que permita que o cidadão que fez investimento possa ter o retorno. Ninguém vai investir para ter prejuízo. Só o Estado é que investe para ter prejuízo, mas o empresário, não. E o que é importante é que a gente tenha estrada de boa qualidade, pedágios acessíveis, com a possibilidade de pagamento das pessoas. E isso foi feito. Eu estou te falando, só aqui nesse estado tem R$ 50 bilhões para a gente fazer infraestrutura ferroviária, rodoviária, e mais quase R$ 4 bilhões para infraestrutura urbana.
João Barbiero (Rádio T): Eu vou lhe fazer uma pergunta, presidente, que eu pedi para uma zeladora lá do hotel. Eu estou aqui em Curitiba, nossa sede é em Ponta Grossa. Vim, fiquei no hotel, conversei com uma zeladora. Falei: “Escuta, eu vou entrevistar o presidente Lula amanhã”. “É o presidente Lula, não dá para eu ir junto?”, ela disse. “Não dá, não. Mas tem alguma pergunta para você fazer para o presidente?”. Ela disse: “Barbiero, por que certos produtos ainda é caro?” Aí eu lhe faço uma pergunta. E, claro, eu não discuti isso com ela. A isenção dos impostos na cesta básica. O que que é isso? Porque às vezes tem isenção aqui, lá na ponta não muda o preço. É capitalismo selvagem, é desvio no caminho? O que é? Tem alguma ferramenta que o governo poderia aplicar nisso, além do fato de dar isenção na…?
Presidente Lula: Olha, veja, nós estamos acabando de aprovar uma política de reforma tributária no Brasil, que é uma coisa fantástica para o povo brasileiro. E, nessa política tributária, a gente está colocando claro que todos os insumos, de todo o alimento que é consumido pelas pessoas mais pobres na cesta básica, não vai pagar mais imposto. É tudo zerado. Inclusive a carne. A picanha. A picanha, sabe? Inclusive a carne, porque o povo que gosta de comer carne pode comer carne, não tem nenhum problema. Quem não gosta, come verdura, come salada, come coisas saudáveis, de preferência.
João Barbiero (Rádio T): Gleisi Hoffmann não come carne.
Presidente Lula: Orgânica. Come que nem a Gleisi. Eu fico imaginando como é que vive uma pessoa sem comer uma carne. Ela gosta muito de omelete e de muita salada. O que eu posso falar para essa companheira tua que fez a pergunta é o seguinte: a inflação, nós estamos vivendo um momento muito bom no Brasil. A inflação está estável. Os salários estão crescendo. A massa salarial está crescendo. O desemprego está caindo. Nós estamos hoje com 6,9% de desemprego, que é a menor taxa dos últimos 14 anos. E vai cair mais, porque tem muitos investimentos.
Agora é importante que a gente fique atento ao preço dos alimentos, sobretudo esses alimentos que têm efeitos sazonais. Choveu muito, aumenta o produto. Não choveu, aumenta o produto. Por quê? Porque é preciso que haja um equilíbrio entre a produção e o consumo. Quando você produz demais e tem consumo de menos, o produto cai de preço. Quando você produz pouco, o consumo aumenta de preço, porque a procura passa a ser maior do que a oferta. Então, é preciso que as pessoas ajudem a cuidar do seu próprio orçamento. Se você for a um lugar comprar tomate e você perceber que o tomate está caro, tente se informar se não tem um lugar que tem tomate mais barato. Se você for comprar um pé de alface e perceber que ele está caro, você tem que se ajudar. Não é ajudar o governo, é se ajudar. Não comprar aquilo. Para que a gente possa, então, ter, no comportamento do povo, um equilíbrio no orçamento familiar, no que diz respeito ao alimento.
Mas eu trabalho com a ideia, Barbiero, eu trabalho com a ideia, veja: nós estamos apenas um ano e oito meses no governo. Apenas um ano e oito meses. E nós já fizemos, nesse um ano e oito meses, mais do que foi feito em quatro anos pelo governo passado. Se você pegar investimento em estrada, investimento em educação, investimento em saúde. Aqui, no Paraná, você tinha 600 médicos. Nós estamos com 1.200 e poucos médicos agora aqui no Paraná, médico de família. São, na verdade, 1.570 médicos que a gente tem agora. Tinha só 600. Então, deixa eu te falar uma coisa: nós temos consciência de que é preciso a gente ter o alimento barato para o povo comer. O povo precisa comer e precisa comer bem. Eu quero que as pessoas possam ir no supermercado e sair com o carrinho cheio das coisas mais saudáveis que ele puder comprar. E isso significa que você tem que aumentar o salário das pessoas. Por isso é que nós já aumentamos o mínimo duas vezes.
João Barbiero (Rádio T): Mas, aí, presidente, para fazer tudo isso tem alguns que ficam dizendo “compensa de um lado e tira do outro”. Que daí vem o rótulo que o Haddad levou ultimamente de taxador. Então é taxador. O que o senhor tem a dizer disso? Tem pessoas que estão dizendo assim: tudo bem, taxa aqui para dar ali. Mas, daí, quem está sendo taxado está sendo prejudicado.
Presidente Lula: Eu tenho para dizer o seguinte, Barbiero: você, jornalista, radialista, que recebe contracheque no final do mês, que recebe holerite de pagamento, você paga mais Imposto de Renda do que um cidadão que lucra bilhões de dividendos. Ou seja, as pessoas encontram sempre um jeito de não pagar Imposto de Renda. Só quem não encontra é quem trabalha e vive de salário, porque é descontado. Você não tem choro, nem vela. Você recebeu, está descontado lá. Mês a mês, na fonte. E, ainda, quando você vai prestar declaração no final do ano, você paga mais.
Nós já isentamos pessoas até dois salários mínimos. Eu tenho um compromisso de, até R$ 5 mil, das pessoas não pagarem mais imposto de renda. Nós vamos trabalhar isso e vamos conseguir fazer isso. E nós, ao mesmo tempo, precisamos ter em conta o seguinte: quem reclama muito do imposto é o rico. Eles não gostam de pagar imposto. Você veja um absurdo: eu desconto o Imposto de Renda de um cidadão que ganha R$ 5 mil; aí, um cidadão que participa da Petrobras, que é acionista da Petrobras, ele recebe R$ 1 bilhão de dividendos e ele não paga nada. É livre.
Então, o que nós fazemos? Quando chamam o Haddad de taxador, é porque nós estamos trabalhando a política para fazer taxação dos mais ricos. Estamos propondo no G20, agora, que vai ser em novembro aqui no Brasil, para que o mundo tome a decisão de taxar os 2% mais ricos da humanidade. As pessoas muito ricas representam muito pouco e é muito dinheiro. Você sabe que três mil pessoas nesse mundo têm mais dinheiro do que vários países. Muito mais dinheiro do que vários países. Então, é preciso que essa gente pague um pouco do imposto. Para quê? Para que o Estado possa garantir o exercício da democracia, facilitando a vida do povo mais humilde, do povo trabalhador.
João Barbiero (Rádio T): Presidente, inevitável falar sobre essa questão da Venezuela, até porque aqui no Paraná se fala muito, até porque nós temos um elenco grande. O senhor fez 35% dos votos aqui, Bolsonaro fez 65%. Então, é uma construção de fruto de muito trabalho, porque essa coisa devagar vai mudando. Apesar de que tem uns que não tem como. É o risco da onça lá que dizem. Venezuela, presidente, o senhor foi eleito num processo democrático e a democracia é o pensamento da maioria. A maioria dos brasileiros hoje, não tenho dúvida, que pensam que essa eleição da Venezuela foi um caos, foi uma coisa que de democracia não tem nada. Há gente que diz assim que o senhor está meio chove e não molha nessa situação, presidente. Qual é a posição efetiva sua nesse caso? O senhor falou com o Maduro, presidente? Já teve oportunidade de conversar com ele?
Presidente Lula: Barbiero, primeiro, eu sempre digo o seguinte: não é fácil e não é bom que um presidente da República de um país fique dando palpite sobre a política de um presidente de outro país. Tá? Eu mantenho relações com a Venezuela desde que eu fui posse, em 2002, tive muitas relações com o Chávez. A Venezuela era um país que o Brasil tinha um superávit de 4 bilhões de dólares por ano, sabe? E essa relação ficou deteriorada porque a situação política está ficando deteriorada na Venezuela. Eu conversei pessoalmente com o Maduro antes das eleições.
João Barbiero: Agora, depois desse caso, não conversou?
PRESIDENTE LULA: Não conversei. Dizendo para o Maduro que a transparência do processo eleitoral dele e a legitimidade do resultado era o que iria permitir a gente continuar brigando para que fosse suspenso as sanções contra a Venezuela. Bom, houve um processo eleitoral. Eu tinha duas pessoas minhas lá, o ex-ministro Celso Amorim estava lá, e mais o embaixador Audo acompanhando. Durante o dia, no processo eleitoral, não houve transtorno; não houve nada que você pudesse levantar qualquer suspeita. Agora, na hora que começa a divulgar os dados é que começa a confusão, sabe. O Maduro anunciou que tinha ganho, a oposição anunciou que tinha ganho.
O que eu quero é que as pessoas respeitem o que acontece aqui nesse país, o que eu fiz? Eu disse o seguinte: é importante que a gente tenha alguém para analisar o quê? As atas das eleições. As urnas da Venezuela, só para você ter ideia, só para você ter ideia, as urnas da Venezuela, quando você vota numa máquina eletrônica, como aqui, tem um ticket. Aquele ticket é colocado numa urna, então você tem o voto eletrônico e você tem a urna. O que que nós queremos? É que o Conselho Nacional que cuidou das eleições, diga publicamente quem é que ganhou as eleições, porque até agora ninguém disse quem ganhou. Quem não gosta do Maduro diz...
João Barbiero (Rádio T): Então, o senhor não reconhece que o Maduro seja o presidente eleito?
PRESIDENTE LULA: Ainda não, ainda não. Ele sabe que ele está devendo uma explicação para a sociedade brasileira e para o mundo. Ele sabe disso, ele sabe disso. Ontem, eu tive uma reunião com o presidente da Colômbia; antes de ontem eu tinha tido uma reunião com a Colômbia e com o México pra ver se a gente encontra uma saída.
Sabe, é o seguinte, só tem uma coisa, tem que apresentar os dados. Agora os dados têm que ser apresentados por algo que seja confiável. O Conselho Nacional Eleitoral, que tem gente da oposição, poderia ser, mas ele não mandou para o Conselho, ele mandou para a Justiça, para a Suprema Corte dele. Eu não posso julgar a Suprema Corte de um outro país.
João Barbiero (Rádio T): Nem daria para o senhor ligar para o Maduro agora?
PRESIDENTE LULA: Vai dar, vai dar, vai dar para ligar. Nós estamos tratando de trabalhar o Brasil junto com a Colômbia; nós estamos tentando trabalhar a possibilidade de ver se encontra uma saída. Você tem várias saídas. Ou você fazer um governo de coalizão, fazer um governo de coalizão com a oposição. Cara, muita gente que está no meu governo não votou em mim, e eu trouxe todo mundo para participar do governo. Agora, deixa eu te falar o que eu acho que ele tem que fazer:
Ou faz um governo de coalizão. Porque, veja, aqueles que querem que a oposição seja vitoriosa, eu não posso dizer que a oposição foi vitoriosa porque eu não tenho os dados, e muito menos pode dizer que o Maduro foi vitorioso porque eu não tenho os dados. Então, eu não quero me comportar de forma apaixonada e precipitada. Eu sou favorável a fulano, eu sou contra. Eu quero o resultado. Se a gente tiver um resultado e esse resultado for factível, nós vamos tratar de saber o seguinte: o Maduro tem seis meses de mandato ainda. O mandato dele só termina em janeiro do ano que vem. Então, ele é o presidente da República, independentemente das eleições. Então, se ele tiver bom senso, ele poderia tentar fazer uma conclamação ao povo da Venezuela, quem sabe até convocar uma nova eleição, estabelecer um critério de participação de todos os candidatos, criar um comitê eleitoral suprapartidário que participe todo mundo e deixar que entrem, sabe, olheiros do mundo inteiro para vir para as eleições. O que eu não posso é ser precipitado e tomar uma decisão. Da mesma forma que eu quero que respeitem o Brasil, eu quero respeitar a soberania dos outros países.
João Barbiero (Rádio T): Presidente, vamos voltar para o Brasil. As empresas, as montadoras hoje - o senhor está aqui para fazer uma visita à Renault - as montadoras, quando se dizia que iam tudo embora do Brasil assim que o senhor ganhava a eleição, está acontecendo uma coisa impressionante. É um aumento gigante. E você, quando vai comprar um carrinho que você não tem as condições de comprar um carro novo, você vai num picareta, mas vai num picareta de confiança. Só se você confia. E esses caras também estão vindo para o Brasil porque têm confiança na história, né, presidente?
PRESIDENTE LULA: Primeiro, vou dar só um dado para você da importância desse dado. Em 2012, ainda no governo da presidenta Dilma, esse país vendia 3 milhões e 800 mil carros por ano. Quando eu voltei, 15 anos depois, esse país vendia 1 milhão e 800, menos da metade do que a gente vendia 15 anos atrás. E muita gente dizia que as empresas iam embora do Brasil. Por exemplo, qual é a surpresa agradável? A surpresa agradável é que eu recebi o setor automobilístico para anunciar investimento de R$ 130 bilhões aqui no Brasil. Inclusive, na Renault, hoje é para o investimento de R$ 5 bilhões que a Renault está fazendo na sua fábrica em São José dos Pinhais.
Ora, numa demonstração - e eu disse para os empresários: o que eu posso oferecer para vocês é mercado, é consumidor para o carro de vocês. Agora, vocês precisam baratear um pouco o preço do carro. Nós temos que baratear um pouco o preço do carro, fazer carro mais popular e nós temos que facilitar a possibilidade de pagamento, porque o povo brasileiro tem a seguinte cultura, Barbiero. Ou seja, ele não quer saber quanto custa essa garrafa só. Ele quer saber o seguinte: se eu puder colocar no meu bolso a prestação, eu compro. Então, a prestação tem que caber dentro do salário do cara. Se a prestação couber dentro do salário, o cara não está discutindo outra coisa a não ser a possibilidade de comprar um carro.
João Barbiero (Rádio T): E aí, essa cultura do povo brasileiro faz ele sofrer com essa atitude do Banco Central, presidente. Essa é a manutenção do juro. O povo não sabe, o povo não tem essa noção. Ele tem uma cultura de comprar parcelado.
PRESIDENTE LULA: Mas é importante a gente ter claro o seguinte: é importante a gente ter claro para a gente não fazer. O juro no Brasil continua sendo o juro mais alto do mundo; todo mundo sabe disso. Mas a verdade é que a economia toda não é tocada por essa taxa de juros da Selic. Os 475 bilhões [de reais] do agro não tem essa taxa de juros. Todo o dinheiro do Minha Casa Minha Vida, todo o dinheiro de saneamento básico, não tem. Todo o dinheiro para o pequeno e médio empresário não tem. É o seguinte, porque os bancos públicos, você não tem noção da quantidade de dinheiro que está circulando nesse instante no Brasil.
João Barbiero (Rádio T): Mas então, qual que é o público mais atingido nessa taxa que a gente discute?
PRESIDENTE LULA: Eu acho que, na verdade, são aqueles médios... Estou dizendo que os médios empresários, aqueles que têm menos poder de tomar dinheiro emprestado lá fora, aquele que tem mais dificuldade de acesso ao BNDES, aquele que tem mais dificuldade no Banco do Brasil, esses são os que pagam o preço mais caro, porque têm que pagar ele com a taxa Selic até um pouco mais. Mas o que nós estamos trabalhando, primeiro, nós precisamos trazer a taxa de juros do Brasil para um patamar de juros razoável, que o mundo inteiro compreenda. Segundo, é preciso que a gente crie condições de facilitar com que o dinheiro circule nesse país, na mão do povo, porque se o dinheiro circular, a gente resolve o problema, sabe.
Eu, quando deixei a presidência em 2010, Barbiero, eu dizia que o milagre que eu tinha feito nesse país é que eu tinha incluído o pobre no orçamento da União. Ou seja, o pobre não era problema, o pobre era a solução. Na medida que você começa a garantir que o dinheiro circule, fazendo muito microcrédito, crédito para microempreendedor, um programa como o Acredita, que facilita o acesso de dinheiro com juros mais baratos, tudo isso cria um dinamismo na sociedade que vai fazer as coisas andarem muito mais rápido. Então, nós estamos hoje um pouco pressionados pela inflação americana e pelo valor do dólar. Nós achamos que se os americanos começarem a baixar a taxa de juros deles agora, em setembro, isso vai fazer com que aqui no Brasil também se crie mais facilidade para baixar.
Eu estou trocando o presidente do Banco Central; eu tenho que indicar o presidente do Banco Central agora porque será substituído no final do ano. Então, as coisas vão mudando. Agora, o que a gente não pode fazer? Nenhuma loucura. Em economia não tem loucura, em economia tem bom senso. Se eu fizer uma loucura e eu perder o controle, a gente vai levar o povo a um desastre. Eu não quero que a inflação volte. Eu não quero que a inflação volte, porque eu já vivi inflação de 80% ao mês e eu recebia salário. E, quando eu recebia o meu pagamento na fábrica, eu tinha que correr no atacadista e comprar tudo que não era perecível para poder utilizar o meu salário. Se não, a inflação comia. Então, a inflação baixa, o salário mais alto e o emprego garantido é tudo que nós precisamos para ter paz e tranquilidade no Brasil.
E daí, por que os investimentos? Vamos falar dos investimentos. Ontem, eu fiz uma reunião com a Nova Indústria Brasil, com o pessoal da área da saúde. A quantidade de investimento na área da saúde é extraordinária e as empresas estão quase todas, quase todas, fazendo grandes investimentos. Ou seja, o setor siderúrgico anunciou investimento de R$ 100 bilhões; o setor de papel e celulose anunciou investimento de R$ 67 bilhões; o setor de alimentos anunciou R$ 120 bilhões.
Então, este país, o BNDES já emprestou esse ano mais do que quatro vezes, mais do que os quatro anos do governo passado. O Banco do Brasil, a mesma coisa; o BNB, o BASA. Ou seja, isso significa que as coisas estão andando da forma mais extraordinária que eu podia imaginar. Dizem assim: “mas o Lula tem sorte". Mas eu tenho sorte mesmo. Eu tenho sorte e trabalho, porque esse país vai ter que dar certo. Na minha mão, esse país vai ter que dar certo.
João Barbiero (Rádio T): Presidente, para ser uma questão pacífica e ordeira no país, tem que ter uma ótima relação com a Câmara e o Senado, e o senhor é muito habilidoso nisso. A minha filha tem dez anos e ela está estudando exatamente nesse momento essa questão de presidencialismo e parlamentarismo, e tal. E ela me fez refletir esses dias, presidente: o que nós vivemos aqui no Brasil? Um presidencialismo parlamentarista ou um parlamentarismo presidencialista? Porque, às vezes, cria-se uma dependência. E agora, com essa decisão das emendas impositivas serem cortadas, até se discutir outra metodologia mais segura, qual é a sua relação?
PRESIDENTE LULA: Olha, deixa eu lhe falar uma coisa: nós tivemos um problema crônico na elaboração da nova Constituição. Eu fui constituinte, e a Constituinte tinha uma maioria de deputados constituintes que eram parlamentaristas. Então, a Constituição foi promulgada com viés parlamentarista. Nós fizemos um plebiscito e deu presidencialismo. Então, você ficou com essa confusão. Se tirou algum poder do Governo Federal e se transformou o poder para o conjunto do Congresso Nacional. O que aconteceu agora? Isso começou acontecendo já no governo da Dilma, quando Eduardo Cunha virou presidente da Câmara dos Deputados, com a criação do orçamento impositivo.
Ou seja, as emendas impositivas, significa que o deputado pode ser contra, pode ser a favor; ele tem o mesmo direito. Se o cara passar o dia inteiro no microfone me xingando e se ele passar o dia inteiro votando contra as coisas boas para o povo, ele vai receber do mesmo jeito. Então, isso foi o começo de uma loucura que aconteceu neste país. O Congresso Nacional, hoje, ele tem metade do orçamento que o governo tem. O governo tem 60 [bilhões de reais]; ele tem 57 bilhões [de reais]. Não é possível. Não tem nenhum país do mundo, não existe nenhuma amostra em nenhum país do mundo em que o Congresso Nacional tenha sequestrado parte do orçamento para ele, em detrimento do Poder Executivo, que é quem tem a obrigação de governar.
Então, nós tivemos agora essa decisão do ministro Flávio Dino. Eu acho que é plenamente possível estabelecer uma negociação com o Congresso Nacional e fazer com que haja um acordo que seja razoável. Eu não sou contra o deputado ter uma emenda. Eu não sou contra, porque o deputado foi eleito; ele tem que levar uma obra para a sua cidade, ele tem que fazer alguma coisa. Eu não sou contra. Mas a verdade é o seguinte: é que é muito dinheiro em que não tem critério no orçamento planejado que a gente faz para o país. Eu, por exemplo, eu fiz um PAC que não é um projeto meu, é um projeto da sociedade brasileira. Quando nós fazemos o Plano Plurianual, é uma coisa discutida com a sociedade. Ora, o que acontece? Na medida que sou obrigado a tirar dinheiro de uma área para poder pagar a emenda, começa a dificultar.
Como eu sou favorável a gente estabelecer um acordo com o Congresso Nacional para que a gente dê condições do Congresso sobreviver, o governo precisa governar. O governo não precisa só sobreviver, o governo precisa governar. A gente é eleito, a gente tem um mandato de quatro anos e eu tenho um programa de governo que eu quero cumprir. Eu quero deixar esse país com a economia crescendo, com o salário crescendo, com a inflação crescendo e com o desemprego menor. Eu quero que as pessoas estejam mais felizes quando eu terminar o meu mandato. E é para isso, cara, que eu me dedico; é para isso que eu me dedico.
João Barbiero (Rádio T): Eu vou lhe dar um dado, presidente, já que o senhor está chegando no Paraná: tem uma pesquisa aqui no Paraná, que é a Paraná Pesquisa, que é uma pesquisa hoje que está fazendo bastante pesquisa para a direita, para o Bolsonaro, enfim. Eu tenho um dado para a Gleisi. Em todas as cidades a gente tem acesso, o ótimo da pesquisa, todas estão tendo uma reação mês a mês positiva. Então eu vou lhe dar um dado interessante nesse sentido.
Agora, para encerrar, presidente, já estão pedindo para encerrar. Eu não sei se o senhor viu a condução do debate em São Paulo, do Boulos com o Pablo Marçal. Um show de... uma coisa mais terrível que possa ter para a minha filha assistir, de 10 anos, que está estudando o que é presidencialismo e tal, para a minha outra filha de 15 anos. É terrível o que a gente viu lá. Se o Boulos falasse com o senhor hoje, de que maneira que ele tem que se comportar diante de uma situação daquela, presidente?
PRESIDENTE LULA: Antes de falar isso do Boulos, deixa eu terminar só aquela resposta que eu estava dando sobre a curiosidade da sua filha. A gente tem um regime político híbrido. Não é nem parlamentarismo, não é nem presidencialismo. É uma mescla que foi dividida o poder. Por exemplo, no governo Bolsonaro, esse país foi abandonado. O Bolsonaro não cuidava da economia, não cuidava do orçamento. Quem cuidava da economia era o Guedes, que estava querendo vender tudo, estava querendo vender tudo. E o Congresso Nacional, pela ausência de governança, assumiu a responsabilidade de governar o orçamento. E nós não podemos continuar assim, nós queremos mudar. E mudar para melhor, e mudar conversando, e mudar acordando.
Então, a sua filha tem razão. Nós vivemos num regime híbrido em que o presidencialismo...Eu digo sempre o seguinte: se Juscelino Kubitschek voltasse a ser presidente hoje e ele tivesse que construir Brasília, ele, sinceramente, ainda não tinha achado um lugar para pousar o aviãozinho dele. Porque está tudo mais complicado. As agências reguladoras, que são agências que foram criadas para regular, quem decide as políticas públicas é o governo; quem regula é a agência. Elas foram tomadas pelo mercado, pelos empresários. Então, nós temos que, sabe, refazer as coisas e colocar um pouco de ordem, que é o que eu quero fazer. Eu quero que o Poder Judiciário, sabe, seja Judiciário; eu quero que o Legislativo seja Legislativo e que o Governo Federal seja o executor das políticas desse país.
Bem, aí, quando você me fala do debate, eu estava pensando aqui na nossa entrevista. Eu estou dizendo que nós chegamos na era do fim do argumento. Ou seja, as pessoas não dão mais importância para o argumento; as pessoas dão mais importância para a bobagem que se fala, porque isso é a grande maioria do comportamento de uma rede, que a gente chama de rede social, mas rede social não tem nada. É uma rede digital onde predomina a mentira, onde predomina a fake news, onde predomina a maldade. O cidadão que não tem coragem de olhar na tua cara e dizer o que ele pensa de você, ele se tranca no quarto dele, pega um celular e achincalha a sua vida, da sua família, mente o tempo inteiro.
É isso que acontece com esses candidatos, que de repente fazem milagre: um milhão e meio de votos, dois milhões de votos, três milhões de votos. Ou seja, esses caras não têm dois minutos de argumento para discutir um problema social, não têm três minutos para discutir um problema econômico. Então, eu acho que o trabalho que o Boulos tem que fazer é não dar importância para o cidadão daquele tipo. Não tem nem que fazer pergunta para ele, nem responder pergunta. Deixe ele falar o que ele quiser.
João Barbiero (Rádio T): Uma hora de um debate que se resume numa musiquinha feita no fim: uma palhaçada.
PRESIDENTE LULA: Os debates estão ficando deteriorados, porque deteriorados estão os candidatos. Eu acho o seguinte: nós, eu sou um cara que eu digo todo dia o seguinte, em todo debate que eu falo com a juventude, Barbiero, eu tenho dito o seguinte: olha, você que é jovem e, muitas vezes, você é jovem, você é mais radical, você é mais exigente. Então, você começa a dizer, nenhum político presta, todo mundo é ladrão.
O que eu tenho dito para a juventude? Quando você não estiver acreditando mais em ninguém, ainda assim não desista da política. Entre na política, porque o político honesto que você deseja está dentro de você. Então, não se esconda, não se omita. Vá à luta, para que a gente possa permitir que a política se torne uma coisa importante. Eu quero terminar dizendo para você: dia 24 de setembro, eu estou convocando uma reunião nas Nações Unidas e estou convocando todos os presidentes democratas do mundo para que a gente apresente uma proposta em defesa da democracia.
A democracia, ela pressupõe - a democracia não é uma sociedade em silêncio; a democracia é uma sociedade em movimento. A democracia é uma sociedade brigando pelos seus interesses, brigando pelo seu respeito. Mas a democracia também exige que você respeite os direitos dos outros. A convivência democrática na diversidade é tudo que nós precisamos. O que aconteceu no Brasil nos últimos tempos é que a mentira ganhou corpo, o ódio ganhou corpo, as ofensas ganharam corpo.
Quando você estiver na rua, Barbiero, que tiver um malandro que te chamar de xingar você e sua esposa, você pode ter certeza que aquele cidadão é um 171. Você pode ter certeza que ele é um estelionatário ou ele é um cara que teve várias passagens pela polícia, porque é uma pessoa de caráter, uma pessoa decente, mesmo que não gostar de você, te respeita. Então, nós estamos vivendo esse momento agora muito delicado e é por isso que eu estou preocupado em fortalecer a democracia. A democracia é tão importante que ela garantiu que o metalúrgico chegasse à presidência da República três vezes. Somente na democracia isso pode acontecer.
João Barbiero (Rádio T): Presidente, estão me pedindo para encerrar. Eu ficaria muito mais tempo aproveitando essa oportunidade que Deus está me dando, mas o senhor me chamou de jovem. Eu queria fazer um registro para o ouvinte de rádio. O ouvinte de rádio fica imaginando como é que está, porque ele não está vendo. Mas eu queria que o meu ouvinte imaginasse um cara forte na minha frente. Fiquei impressionado: 78 anos, uma vitalidade, força, está fazendo bastante exercício. É paixão? É a Janja? O senhor está tão bem, presidente.
PRESIDENTE LULA: Deixa eu te falar uma coisa: primeiro, eu acho que a Janja tem um pouco de responsabilidade nisso. Segundo, eu sempre digo o seguinte, Barbiero: a velhice só chega para quem não tem uma causa. Quem tem uma causa, quem acredita em alguma coisa e quer buscar a concretização daquela causa, a velhice não passa. Eu levanto todo dia às 5h30 da manhã, faço ginástica todo dia de manhã, faço esteira, faço agachamento, faço musculação. Todo santo dia, e ando na esteira uma hora a seis quilômetros por hora. Cuido da saúde que eu quero viver 120 anos. Eu já falei com Deus: eu quero viver 120 anos. Já acertei com Ele.
Se tiver alguém que quer ir na minha frente, eu vou mandando e eu vou ficando pra trás. Porque é o seguinte: quem tem que se cuidar somos nós. Eu me cuido. Me cuido porque eu gosto da vida. Eu me cuido porque eu quero viver muito, me cuido porque eu estou bem. Aliás, eu disse ontem na reunião com os empresários: eu vivo o meu melhor momento como ser humano na minha passagem pela Terra. Eu estou bem comigo mesmo. Eu estou apaixonado. Apaixonado não apenas pela Janja, mas apaixonado pela minha governança. Porque, todo dia, eu falo para o Haddad: Haddad, quando você estiver pessimista, pense o seguinte: mesmo que dê errado, vai dar certo, Haddad.
As coisas estão caminhando para dar certo. Nós vamos melhorar a vida do povo. Quando eu falei que o povo ia voltar a comer picanha e tomar cerveja, diziam: “ah, Lula está prometendo”’. O povo já voltou a comer picanha, porque ela barateou muito e vai baratear mais ainda, porque é o seguinte, é preciso que a gente acredite que esse país tem jeito.
Eu já provei uma vez. Eu já provei uma vez. E quero dizer para você que nós vamos provar outra vez. O fato, veja, as dificuldades eleitorais que você falou aqui no Estado do Paraná… Deixa eu te dizer uma coisa: até o mês passado, quando na época, o Pimenta [Paulo Pimenta, ministro-chefe da Secretaria Extraordinária de Apoio à Reconstrução do Rio Grande do Sul] ainda era o meu ministro, porque ele ainda não estava naquela função especial, agora é o companheiro Laércio [Portela, ministro interino da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República]. Então, o que eu dizia para o Pimenta? Ele fazia pesquisa, chegava apavorado: Presidente, sabe? Eu falei: Pimenta, é o seguinte: o povo tem razão. Por que o povo tem razão? Porque, na campanha, nós geramos expectativa. Na hora que você gera expectativa, você não consegue cumprir no primeiro ano. O primeiro ano é de concertação.
Então, o que acontece, Pimenta? Deixa a gente começar a mostrar as coisas que nós estamos fazendo no Brasil para ver a reação do povo. E nós, hoje, eu posso te dizer, posso te dizer, Barbiero, olhando na tua cara, que o Stuckert [Ricardo Stuckert, secretário de Produção e Divulgação de Conteúdo Audiovisual] vai tirar uma foto sua para você ficar mais bonito ainda. Que é o seguinte: pode dizer para você o seguinte: olha, eu já fui presidente oito anos, estou no terceiro mandato. Eu estou trabalhando, neste um ano e oito meses, mais do que eu trabalhei a vida inteira.
Eu trabalho obcecado. Eu tenho obsessão pela educação, eu tenho obsessão pelo crescimento da economia, eu tenho obsessão pela distribuição de renda, eu tenho obsessão de cuidar das pessoas. A gente não governa, a gente cuida, a gente cuida. Eu levanto todo dia com a certeza que eu tenho que cuidar de 203 milhões de pessoas que têm banqueiro, que têm grandes empresários, mas a minha prioridade, além de cuidar de todos, é cuidar daqueles mais frágeis. É cuidar daqueles que tiveram menos chances, daqueles que tiveram menos oportunidades, daqueles que estudaram menos, eu tenho que cuidar dessa gente, até para que a gente dê oportunidade para eles. Então, é isso que me deixa jovem, é isso que me deixa motivado, e é isso que faz com que eu tenha mais muita disposição. Você pode ficar certo: não tem tempo ruim para mim.
João Barbiero (Rádio T): Então, estamos juntos. Presidente, eu preciso ofertar este programa a um falecido cunhado meu, que foi presidente do PT em Itajaí: Wilson Quilante. Eu prometi isso para minha irmã e para os meus sobrinhos hoje de manhã. Um petista que era apaixonado pelo teu trabalho e pelo senhor. Wilson Pedro Quilante, que faleceu com 60 anos de câncer. Então, eu dedico a ele, como prometi para a minha família isso. Quero lhe fazer um pedido. O senhor tem um grande amigo. O primeiro sonho eu já realizei: entrevistar um presidente da República, e exatamente o presidente que eu gosto. Agora, o outro sonho era entrevistar um amigo seu, que eu vi, nesse dia, que o senhor se encontrou com ele: amigão, o Papa Francisco. Você puder me dar uma mão para entrevistar o Chico seria uma boa.
PRESIDENTE LULA: Eu estou convidando o Papa para vir aqui ao Brasil, no G20. Se ele vier, a gente tem oportunidade. Mas eu queria também aproveitar e ofertar esse programa para alguém também. Ou seja, eu quero ofertar esse programa para todas as pessoas que ficaram 580 dias na vigília quando eu estava na Polícia Federal. Aquelas pessoas que gritavam todo dia: bom dia, presidente; boa tarde, presidente; boa noite, presidente. Eu quero dedicar esse programa e dizer para vocês o seguinte: essa vigília, embora eu não visse ela, porque eu estava preso, mas o significado do que vocês fizeram nesse país e, sobretudo, para mim, não tem preço.
João Barbiero (Rádio T): Eu me lembro de duas figuras: Décio Lima e Gleisi Hoffmann, gritando todos os dias lá. Que emoção, presidente. Presidente, eu só... O Jota Quest tem uma música que diz que dentro de um abraço tudo se resolve. Uma medalhista olímpica brasileira tirou o segundo lugar e foi dar entrevista para o cara da Globo. Ela não aguentava mais a emoção e, no meio da entrevista ela não tinha mais o que falar; ela tinha perdido a medalha. Ela olhou para o cara e disse assim: “me dá um abraço”. E aquele abraço foi o total. Eu hoje me considero um cara que ganhou medalha de ouro por ter entrevistado. Então, eu queria encerrar só te pedindo: me dá um abraço.
PRESIDENTE LULA: Eu vou te dar um abraço e uma foto com Stuckinha. Um abraço, gente.
João Barbiero (Rádio T): Obrigado!