Entrevista do presidente Lula à Rádio Sociedade (BA)
Jornalista Silvana Oliveira (Rádio Sociedade): Centro Histórico de Salvador… Agora com o presidente Lula. Presidente, muito obrigada por ter aceitado o nosso convite, o convite da rádio Sociedade da Bahia. Uma emissora que tem um século de vida. É a emissora mais antiga do Brasil a se manter nas ondas FM/AM.
Presidente Lula: Silvana, o prazer é meu. Primeiro, de ter acertado essa entrevista. Segundo, de poder conversar um pouco mais com o povo baiano. Você sabe que eu tenho um carinho muito especial pela Bahia, pelo povo baiano e a recíproca é verdadeira. O povo baiano tem sido muito generoso comigo, tem sido generoso com o PT em todas as eleições. A gente já vai para 20 anos governando esse estado, com governos muito exitosos, e agora estamos torcendo e trabalhando para o Jerônimo [Jerônimo Rodrigues, governador da Bahia] ter o mesmo sucesso que teve o Wagner [Jaques Wagner, senador e ex-governador da Bahia] e o Rui Costa [ministro da Casa Civil e ex-governador da Bahia].
E vir é sempre um motivo de alegria, porque a Bahia é um povo muito especial. O povo baiano, eu posso te garantir, que é um povo muito especial. Uma vez eu estava em Santiago de Cuba, e nós fomos lá ver uma dança de salsa, e eu fiquei imaginando que Santiago de Cuba era a mesma coisa da Bahia. Acho que era uma Bahia, sabe, cubana, de tanta alegria que tem aquele povo, muito parecido com nós aqui na Bahia. Então, cada vez que eu venho aqui, eu venho aqui com prazer. Porque é um estado que tem uma cultura muito forte, é um estado que tem uma culinária extraordinária, é um estado que tem uma paisagem fantástica.
Então, aqui, quando a gente chega na Bahia, a gente se sente bem. Você sabe que eu pensei em vir morar na Bahia depois que eu deixei a presidência.
Jornalista Silvana: E por que não veio?
Presidente Lula: Eu cheguei até a procurar uns lugares aqui, mas aí o pessoal meu é muito difícil. “Não, porque você tem que ficar em São Paulo, porque tem que ficar em São Paulo”. Aí eu queria ir também para o Rio de Janeiro. “Não, você não pode ir para o Rio de Janeiro, porque no Rio de Janeiro tem muita violência”. Aí eu fiquei em São Paulo. Fiquei em São Paulo. Casei e estou em São Paulo. Mas a Bahia é especial.
Jornalista Silvana: Presidente, a Bahia é especial e hoje é um dia muito especial para todos os baianos, né? Nossa data cívica principal, o 2 de julho. Essa é a terceira vez que o senhor está conosco nessa data e eu gostaria de saber da importância dessa data para o senhor, como é que o senhor avalia o desconhecimento de parte do Brasil da guerra que houve aqui, das lutas e do sangue que correu aqui para que nós nos tornássemos independentes e se essa visita tem ou não a ver também com o apoio a Geraldo Júnior, que é o candidato da base, é um MDBista, mas é o candidato da base à Prefeitura de Salvador?
Presidente Lula: Então, uma coisa estranha, Silvana, é porque a nossa independência foi um acordo feito entre a elite que governava o Brasil naquela época e transformaram aquilo na data oficial, um grande conchavão que resultou, não se sabe se é verdade, no grito de Dom Pedro: “independência ou morte”. Mas a verdadeira independência se deu aqui na Bahia. Foi aqui na Bahia que o povo foi para a rua, que surgiram mulheres como Felipa [Maria Felipa de Oliveira], surgiram mulheres como Quitéria [Maria Quitéria de Jesus], que foram para a rua para defender a expulsão dos portugueses e a ascensão dos brasileiros, dos negros, dos indígenas, das pessoas que moravam aqui na Bahia.
Então eu, como presidente da República, tenho que participar dos dois atos de forma oficial. Eu não nego a independência do Brasil, é um fato histórico, mas eu acho que a gente tem que dar dimensão ao que aconteceu aqui na Bahia no dia 2 de julho de 1823. Da mesma forma que o povo não conhece a luta de Pernambuco pela independência em 1817, da mesma forma que as pessoas não conhecem a luta de Pernambuco pela criação da Confederação do Equador em 1824, da mesma forma que o povo não conhece a revolta que teve no Maranhão, que teve no Pará. Ou seja, na verdade, a história sempre foi contada pelos vencedores.
E como não houve luta, os vencedores tiveram um acordão e tomaram a decisão, vamos esquecer todo o restante, não vamos contar essa história, porque a história que envolve pobre, a história que envolve negro, a história que envolve mulher, que o povo… Eu lembro de uma vez na Batalha dos Guararapes, eu lembro que tem uma história em que se pensou em convocar os negros e os índios para lutar ao lado dos soldados, e os comandantes “não, não, não vamos trazer isso para lutar do nosso lado, porque está cheio de [inaudível] e vão querer lutar contra a gente”.
Então, essa participação popular é o que dá dimensão à nossa independência. Então, 2 de julho é uma data muito especial para o Brasil, e eu, como presidente da República, faço questão de vir aqui todo ano, porque aqui foi consolidada a verdadeira independência do Brasil.
Jornalista Silvana: O senhor apoia Geraldo Júnior?
Presidente Lula: Eu apoio, porque o Geraldo Júnior é o candidato do nosso grupo político aqui, ou seja, da nossa frente, da nossa federação. Além de ser o vice-governador do nosso querido Jerônimo. E eu apoio porque o PT já governa a Bahia há quase 20 anos e o PT nunca governou a cidade. E eu às vezes fico pensando que seria muito importante a experiência do PT para governar uma cidade como Salvador. Porque Salvador é uma cidade que muitas vezes ela foi governada, as pessoas pensando muito na orla marítima, na praia, nas coisas.
E quando a gente adentra os 500 metros para a periferia, a gente vê outra Salvador, outra Bahia. No nosso governo a gente tem cuidado, o Rui Costa cuidou, o Wagner cuidou, de a gente tentar melhorar as condições de vida do povo da periferia. E eu acho que o Geraldo Júnior, ganhando as eleições para a prefeitura, vai poder ter a primeira experiência. Nós tivemos uma experiência com a Lídice da Mata [deputada federal e ex-prefeita de Salvador]. Todos nós tínhamos pouca experiência, ela era muito perseguida.
Eu lembro que eu vim aqui fazer campanha para ela, porque a propaganda da turma do ACM [Antônio Carlos Magalhães, ex-governador da Bahia] era chamando ela de preguiçosa, que ela dormia demais. E eu vim aqui gravar programa de televisão para enaltecer o vigor da nossa companheira Lídice da Mata. Então eu fico torcendo para o Geraldo Júnior ser prefeito. Fico torcendo. Obviamente que eu respeito a decisão e o voto do povo da Bahia, de Salvador. Mas eu gostaria que tivesse uma experiência. Uma experiência como São Paulo, por exemplo. Em São Paulo o PT teve três momentos: Marta [Marta Suplicy, ex-prefeita de São Paulo], Luiza Erundina [deputada federal e ex-prefeita de São Paulo], Marta e Haddad [Fernando Haddad, ministro da Fazenda e ex-prefeito de São Paulo]. Foram os três momentos da cidade de São Paulo mais importantes.
Foi ali que se pensou a inclusão do povo. Foi ali que se pensou melhorar o transporte coletivo. Foi ali que se pensou em criar um CEU, ou seja, aqueles centros educacionais extraordinários que tinha teatro, cinema, piscina, computador, espaço para lazer. Era uma coisa que extraordinariamente bem. Então eu gostaria que tivesse e eu fico torcendo que o Geraldo tenha sorte, que o pessoal trabalhe bastante. E se ele for eleito, eu penso que Salvador vai ter uma nova experiência administrativa, sobretudo contando com a participação efetiva do governador do estado e do presidente da República.
Jornalista Silvana: Presidente, uma das locações aqui da Bahia é o agronegócio. E quando a gente pensa no custo brasileiro, no custo Bahia, a gente pensa automaticamente na logística. Então eu queria conversar um pouquinho com o senhor sobre a FIOL, sobre a ponte Salvador e Itaparica, e sobre a questão da repactuação das concessões das BRs. A gente tem um problema grave aqui com a BR-324, que hoje está sob a concessão da Via Bahia, e que há um encaminhamento para uma repactuação, mas os usuários que passam por lá reclamam muito da falta de manutenção nas vias.
Presidente Lula: Deixa eu te dizer uma coisa, ontem nós fomos à Feira de Santana anunciar, porque tem coisas que nós começamos a fazer na BR-116 ainda no meu primeiro mandato, depois no mandato da Dilma, e as coisas, não sei o porquê, foram paralisadas. Então nós voltamos ontem. Ontem nós fomos anunciar trechos duplicados na BR-101, 116, 242, onde inauguramos 40,3 quilômetros na BR-116, que foram duplicados entre Feira de Santana e Santa Bárbara, inclusive o trecho Oeste do Rodoanel. Também publicamos o aviso de licitação do trecho Leste do Rodoanel, que é considerado um dos maiores gargalos rodoviários da Bahia.
E estamos pensando na nossa querida Leste-Oeste, na nossa Ferrovia da Integração Definitiva. Eu tive o prazer de vir aqui com o Jaques Wagner anunciar o começo dessa ferrovia, nós fomos lá em Ilhéus, eu lembro das pessoas que eram contra a gente fazer um porto naquela região, e eu estou torcendo para que a gente acabe. Já era para ter acabado, tem muitos problemas ambientais, mas eu acho que na nossa parte não faltará dinheiro, não faltará recurso, não faltará incentivo para que a gente possa entregar ao povo baiano essa via de escoamento da capacidade produtiva do povo baiano que vai servir para minério, que vai servir para produtos industriais, mas sobretudo vai servir para uma agricultura vigorosa que a Bahia tem. Muita gente no Brasil ainda pode saber que a Bahia não tem agricultura. Não, a Bahia tem uma agricultura tão moderna quanto qualquer outro lugar do mundo.
E depois nós vamos aprender a tratar a cultura diferente da forma que foi tratada. Ou seja, toda vez que você fala em agricultura, as pessoas falam: “Não, mas o Brasil não pode ser só exportador de commodities. O Brasil tem que exportar produtos industrializados que têm valor agregado, que pagam o melhor salário”. Ótimo. Ótimo. Mas as pessoas têm que compreender o quanto de tecnologia tem na nossa agricultura hoje. É só você ir no campo que você não vê mais um arado. Você vê uma máquina enorme, guiada normalmente por uma moça, por uma mulher, sabe, com o ar condicionado, tudo computadorizado. Ou seja, essa gente tá ganhando melhor, tá ganhando bem.
Então, houve um avanço tecnológico na agricultura excepcional. E a gente tem que saber quanto de tecnologia tem num grão de milho, quanto de tecnologia tem num grão de soja. A gente tem que saber quanto de investimento em genética tem no frango, tem no porco, tem no cabrito, tem no boi. Antigamente a gente matava um boi com 48 meses. Hoje você mata um boi com 15 meses. Carne de boa qualidade, sabe? Então, esses avanços fizeram com que o agronegócio ocupasse um destaque extraordinário no Brasil e no mundo.
Hoje, Silvana, hoje, se tem uma coisa respeitada no mundo é a agricultura brasileira. Eu também não faço diferença entre a agricultura empresarial e a agricultura familiar do pequeno e médio proprietário. O Brasil tem quase 4 milhões e 600 mil proprietários até 100 hectares. São mais de 4 milhões e 600 mil. Um cidadão que tem 100 hectares em Santa Catarina, que tem 100 hectares em uma região produtiva, ele ganha um bom dinheiro. E ele está produzindo coisas de qualidade. Os Sem-Terra são os maiores produtores de arroz orgânico da América Latina, lá no Rio Grande do Sul.
Então essa gente se organizou, essa gente aumentou a produtividade, nós criamos programa de financiamento, o Pronaf aumentou muito. Amanhã eu volto para Brasília e vamos anunciar o Pronaf para as pequenas e médias propriedades rurais da agricultura familiar e vamos anunciar os investimentos no agronegócio. Então é muita coisa. Nós abrimos em 16 meses, 18 meses, porque ontem completou um ano e meio que eu estou na Presidência da República, nós abrimos 145 novos mercados para a agricultura brasileira. Só a China, num único dia, a China nos ofereceu possibilidade para 30 frigoríficos brasileiros exportarem para a China.
Então essas coisas, é uma revolução que vai continuar crescendo. Então nós vamos continuar fazendo investimentos na infraestrutura. O PAC aqui na Bahia, o PAC tem 90 bilhões de reais, dos quais 40 bilhões são aqui dentro da Bahia, na infraestrutura, porque eu acho que isso diminui o Custo Brasil, isso aumenta a possibilidade de ganho dos empresários e também a possibilidade de ganho dos consumidores que vão receber produtos mais rapidamente, sem nenhum estrago.
E por isso nós estamos fazendo esse investimento. É interessante, Silvana, que essa história de criar o PAC aconteceu comigo em 2007. Eu fui eleito presidente da República e quando você não tem um projeto de infraestrutura, cada ministro se acha no direito de aparecer na sua sala e dar um palpite. “Presidente, eu estava pensando em fazer isso, presidente, eu estava pensando em fazer aquilo”. Então eu falei: “sabe de uma coisa? Eu tenho mais quatro anos, eu vou preparar um projeto”. Ele começou a ser preparado em outubro de 2006. “Eu vou ter um projeto em que nenhum ministro vai ter mais ideia daqui para frente, daqui para frente é cumprir aquilo que está aprovado”. Fiz uma reunião de governo e anunciei, 27 de fevereiro, anunciei o primeiro PAC. E chamei os ministros e falaram o seguinte: “a partir de agora está proibido qualquer ministro, ministra ter ideia, a partir de agora é a gente cumprir o que está determinado aqui”. E foi um sucesso extraordinário.
Quando eu fui deixar a presidência eu criei o PAC 2 para a Dilma. Nós fizemos no meu governo, por quê? Porque eu queria que a Dilma começasse o governo dela, o Brasil estava andando a mil por hora, para ela continuar a mil por hora, não parar, não dar uma paradinha não. E entregamos um PAC para a Dilma que ela também começou com força total. Depois me parece que mudaram e fizeram um plano de investimento em logística, mas de qualquer forma o Brasil estava muito bem de infraestrutura. Agora, o que acontece? Quando eu tomei posse agora eu falei: “bom, sabe de uma coisa, nós vamos convocar os governadores para dizer o que eles querem”.
E fizemos em janeiro uma reunião com 27 governadores de todos os estados, é o seguinte: “ Eu quero que vocês coloquem no papel as três, quatro, cinco obras que são prioritárias para o estado de vocês. Eu não vou fazer obra daqui de Brasília lá pra baixo, não. Eu quero que venha de baixo pra cima”. E a mesma coisa nós fizemos com os prefeitos. A mesma coisa. O PAC Seleções, a gente poderia fazer com os prefeitos amigos nossos. Não. Nós anunciamos para quase seis mil prefeituras e ganhou aquele que teve a melhor proposta, independentemente do partido que ele pertence. Se ele não gosta do Lula, se ele não gosta do Lula, se ele gosta do Rui, se ele não gosta do Rui. Isso não tem se gosta do Jerônimo, do Wagner. Não. Não tem.
A necessidade é do povo da cidade. Então, esse PAC está nos permitindo fazer uma nova revolução nesse país do ponto de vista de infraestrutura. Nós vamos terminar coisas que nós começamos e não terminou. A Leste-Oeste é uma delas. A Transnordestina, que era para ter sido inaugurada em 2012, não terminou. Nós vamos terminar agora. E tantas outras coisas. Silvana, eu encontrei mais de seis mil obras paralisadas de creches, de escolas, de postos de saúde. Tudo paralisado, porque a irresponsabilidade tomou conta desse país. Então, a gente está fazendo esse trabalho porque a gente quer transformar o país num país desenvolvido. Sabe?
Jornalista Silvana: Presidente, o senhor falou em commodities e eu queria falar um pouquinho de dólar, né? Ontem o senhor voltou a fazer críticas sobre o atual formato da autonomia do Banco Central, algumas críticas também ao presidente da instituição, e o dólar fechou a 5,65, uma alta que não tem precedentes nos últimos dois anos. Alguns especialistas acreditam ainda que pese as variáveis internacionais mais as falas do senhor. Eu gostaria de saber a posição do senhor com relação a essa sensibilidade do mercado, as falas do senhor em relação ao presidente do Banco Central.
Presidente Lula: Olha, eu vou te contar uma coisa. O mundo não pode ser vítima de mentiras. A gente não pode inventar as crises. A gente não pode jogar a culpa. Eu vou te dar um exemplo: semana passada eu dei uma entrevista no UOL e ,depois da entrevista, alguns especialistas começaram a dizer que o dólar tinha subido por conta da entrevista do Lula. E nós fomos descobrir que o dólar tinha subido 15 minutos antes da minha entrevista. É um absurdo.
Veja, obviamente que me preocupa essa subida do dólar. É uma especulação. Há um jogo de interesse especulativo contra o real nesse país. E eu tenho conversado com as pessoas, o que a gente vai fazer para tomar. Eu estou voltando quarta-feira, vou ter uma reunião, porque não é normal o que está acontecendo. Não é normal. Eu acho que a minha visão sobre o Banco Central não é uma visão teórica, é uma visão de um presidente que já foi presidente, que teve o Banco Central sob o meu domínio durante oito anos e com total autonomia.
Alguém pode falar que o Meirelles [Henrique Meirelles, ex-presidente do Banco Central] não teve autonomia? Ele ficou oito anos no meu mandato. E, se depender de mim, ele ficaria com a Dilma também. Não sairia, não. O Fernando Henrique Cardoso [ex-presidente do Brasil] trocou três presidentes do Banco Central. E é normal. O que não é normal é o Lula trocar. É o Lula querer indicar alguém. E é o presidente da República que tem que indicar. E, quando a gente indica um presidente do Banco Central, quando a gente indica um presidente do Banco do Brasil, quando a gente indica um presidente da Petrobras, a gente não indica essa pessoa para essa pessoa fazer o que a gente quer, não.
Porque as empresas têm diretoria. As empresas têm conselho. As empresas têm um cronograma de trabalho. E o Banco Central é uma coisa. O Banco Central tem uma função, sabe, que é cuidar da política monetária desse país, que é cuidar de atingir a meta da inflação. E, por isso, nós acabamos de aprovar a meta de inflação de 3%. Ainda vai continuar com 3%. E nós vamos tentar buscar isso. Agora, o que não dá é para você ter alguém dirigindo o Banco Central com viés político. Definitivamente, eu acho que ele tem um viés político. Agora, veja, eu não posso fazer nada porque ele é o presidente do Banco Central. Ele tem um mandato. Ele foi eleito pelo Senado. Eu tenho que esperar terminar o mandato e indicar alguém.
Jornalista Silvana: Com relação a essa especulação que o senhor acredita que esteja ocorrendo, o senhor tem alguma coisa a fazer?
Presidente Lula: Olha, deixa eu lhe falar uma coisa. Eu tenho que fazer alguma coisa. Eu não posso falar o que é preciso fazer, porque senão eu estaria alertando os meus adversários. Mas veja, deixa eu falar, não há necessidade. Ô Silvana, se você pegar os dados da economia, você vai perceber o quê? Você vai perceber, primeiro, que o PIB está crescendo mais do que a previsão do mercado. Segundo, você vai perceber que o desemprego está caindo mais do que a previsão do mercado. Terceiro, você vai perceber que a renda da massa salarial está crescendo mais do que a previsão do mercado.
Você vai perceber que os acordos salariais, 87% deles estão sendo feitos com ganhos reais acima da inflação. Você vai perceber a quantidade de entrada de capital externo para investimento direto no Brasil. Olha, então, não há nenhuma, nenhuma preocupação das pessoas terem medo, das pessoas ficarem assustadas ou das pessoas acharem que vai acontecer alguma coisa errada. Há muita gente fala “ah, mas é preciso cuidar dos gastos públicos”. É preciso cuidar dos gastos públicos. E ninguém nesse país cuidou melhor do que eu. Ninguém.
Posso te dizer, olhando no teu rosto, ninguém nunca cuidou mais dos gastos públicos do que eu. Porque eu aprendi, aprendi, de berço com a mãe analfabeta, que a gente não gasta mais do que a gente ganha, que a gente tem que pensar aquilo que a gente vai fazer. É assim que eu dirijo o Brasil. Agora, o que eu não posso é aceitar a ideia de que “ah, é preciso acabar com o benefício de pobre, esse Bolsa Família está custando muito caro, o salário mínimo está custando muito caro, a política de ajudar e investir em faculdades, por que tanta faculdade? Por que tanto Instituto Federal? Por que tanto investimento na área da saúde? Por que a Nísia [Nísia Trindade, ministra da Saúde] tem que cuidar tanto das mulheres, tanto das pessoas mais pobres?”.
Porque ela teve que pegar um país que tinha 12.500 médicos e levou para 26.500 médicos e vai chegar para 28 mil, porque agora mesmo vai ter mais um concurso para Mais Médicos e só aqui na Bahia vai vir 250 vagas. Mais médicos para a gente levar para onde não tem médicos. Mais médicos para a gente levar para as cidadezinhas abandonadas, para as periferias abandonadas. Então como é que eu posso fazer uma economia nessa gente? O que é que nós estamos fazendo? Veja, nós já aprovamos o marco fiscal, que é uma revolução nesse país.
Nós conseguimos fazer uma coisa que jamais se imaginou fazer em apenas um ano e seis meses: aprovar uma política tributária. Nós já provamos que responsabilidade jurídica, responsabilidade política, responsabilidade social, nós temos demais. Agora o que a gente não pode abrir mão é de melhorar a vida do povo brasileiro. Então nós vamos tentar encontrar soluções. Eu tenho dito para todo mundo, ainda esse dia falei para o Haddad: “Haddad, é o seguinte, cara. Você me apresenta, você me apresenta excesso de gasto. Porque se tiver excesso de gasto, se alguém estiver gastando alguma coisa que não seja necessária, se alguém estiver aplicando mal dinheiro, a gente para”. Porque eu também não vou jogar dinheiro fora. Eu quero que o dinheiro sirva para melhorar a vida desse povo.
Então nós vamos cuidar disso. Eu não fico estressado porque essa é a vantagem de ter sido presidente. Eu vivi a crise de 2008, quando todo mundo dizia que o mundo ia acabar: “o mundo vai acabar, o mundo vai acabar”. Naquele tempo eu fui num programa de televisão, em dezembro, fazer um apelo para os pobres comprarem. Por quê? Porque as pesquisas mostravam que o povo estava desaparecendo, que o consumo estava diminuindo. E eu fui dizer para o povo: “olha, se o consumo diminuir, vai ter mais desemprego. Então é importante que você vá às compras, compre com responsabilidade, faça dívida com responsabilidade, porque se você comprar, o comércio vai funcionar, a indústria vai produzir, vai ter mais emprego e tudo vai ficar maravilhosamente bem”.
E deu certo. O Brasil foi o último país a entrar na crise, o primeiro a sair da crise. E terminamos num mandato com a economia crescendo 7,5%, no varejo eu cresci a 13% e as pessoas estavam ganhando mais. Esse é o dado concreto. Então, veja, eu me preocupo, obviamente que a taxa de juros sempre foi uma incógnita. Nos meus oito anos de mandato, a Federação das Indústrias, a CNI e os Sindicatos, toda reunião do Copom eles batiam no governo.
O meu vice, o José Alencar, que é era uma figura extraordinária, o José Alencar fazia discurso em toda a reunião pública dele e do governo que é preciso baixar o juros, porque esse juros é um ogro, porque nós estamos gastando não sei quantos bilhões. Mas é assim. Mas eu acho que a gente precisa manter o Banco Central funcionando de forma correta, com autonomia, para que o presidente do Banco Central não fique vulnerável às pressões políticas.
E se você é um presidente democrata, você permite que isso aconteça sem nenhum problema. Agora, quando você é autoritário, você resolve fazer com que o mercado se apodere de uma instituição que deveria ser do Estado. O Banco Central é um banco do Estado brasileiro para cuidar da política monetária. Ele não pode estar a serviço do sistema financeiro. Ele não pode estar a serviço do mercado.
Jornalista Silvana: O senhor abriu aí várias janelas, presidente. São muitas as perguntas, mas eu vou pegar a política tributária que o senhor citou e vou falar um pouco da inclusão da possibilidade, que é um desejo de alguns parlamentares, de inclusão da carne dentro daquela cesta básica nacional, para que a gente não pague impostos sobre a carne. Isso é bacana para a população? É. Mas isso vai ter um impacto no imposto também. Eu estava fazendo uma avaliação sobre quase 1% no caso da inclusão. Por outro lado, a possibilidade de ter aí uma contrapartida do imposto do pecado. Como é que o senhor vê essa possibilidade da inclusão da carne nessa cesta básica nacional na Reforma Tributária?
Presidente Lula: Veja, eu sou favorável. Aliás, já conversei isso com o Haddad, já conversei isso com o Galípolo [Gabriel Galípolo, diretor de Política Monetária do Banco Central], já conversei com o pessoal do Tesouro. Ou seja, eu acho que nós temos que fazer uma diferenciação, Silvana. É o seguinte, você tem vários tipos de carne, você tem carne chique, de primeiríssima qualidade, que o cara que consome ela pode pagar um impostozinho. Agora você tem um outro tipo de carne, que é a carne que o povo consome. Frango, por exemplo, se eu tenho imposto um frango, faz parte do dia-a-dia do povo brasileiro. Ovo faz parte do dia-a-dia. Então, uma carne, um músculo, um acém, um coxão mole, tudo isso pode ser evitado.
Eu não vou entrar em detalhes, porque tem muita gente importante trabalhando nisso, mas eu acho que a gente precisa colocar a carne na cesta básica, sim. Sem que haja imposto. Você pode separar a carne, você pode selecionar a carne. Você vai comprar uma coisa importada chique, tem que pagar imposto. Eu estou falando imposto do povo brasileiro, ou seja, o povo mais humilde, o povo trabalhador, a classe média baixa, sabe. Essa gente que vai no açougue comprar um pedaço de carne não poderia pagar imposto como se fosse uma pessoa mais rica.
É possível fazer isso? Eu não sei. Porque só temos 513 deputados. São 513 cabeças. Depois eu tenho mais 81 senadores, são mais 81 cabeças. E você tem a proposta do governo. A proposta do governo não é irrevogável. Ela pode mudar. Então eu acho que é uma sensibilidade da parte do pessoal que está trabalhando a política tributária. Se não para toda a carne, para um tipo de carne sem imposto.
Jornalista Silvana: Ontem, presidente, o senhor teve um dia cheio aqui em Feira de Santana, que é a maior cidade, depois de Salvador, aqui do estado da Bahia. E o senhor fez muitos elogios ao ministro da Casa Civil, ex-governador Rui Costa, né? E me chamou a atenção particularmente uma coisa que o senhor disse. O senhor disse que o senhor dorme tranquilo, porque tanto ele quanto a secretária Miriam Belchior não deixam escapar nada. E afirmou, abre aspas aqui, viu, presidente? “Nenhum ministro conta uma mentira para mim que Rui e Miriam não desmintam. É por isso que muitas vezes vocês ouvem que há divergência entre Rui e outros ministros do governo”. Os ministros mentem para o senhor?
Presidente Lula: Não, não é que mentem para mim. Não é que mentem. Veja, a Dilma, quando era a ministra-chefe da Casa Civil, a gente abriu uma reunião ministerial, a Dilma dizia assim: “ninguém, ninguém vai falar para o presidente aquilo que não foi discutido, se alguém falar alguma coisa, eu vou dizer que é mentira”. Então, o pessoal ficava, às vezes, o pessoal ficava meio nervoso com a Dilma, e eu falava, mas é importante que ela seja assim, cara. É importante que ela dê tranquilidade ao presidente da República.
Veja, porque muitas vezes o ministro tem um projeto pessoal dele. No nosso governo não tem projeto pessoal. Quem tiver projeto pessoal vai levar na Casa Civil, vai sentar com o Rui e com a turma dele, com os economistas do Rui, com os engenheiros do Rui e vai discutir um projeto que seja factível para o país e não para o ministro. É nesse aspecto que eu acho que a Casa Civil me dá muita tranquilidade, mas muita tranquilidade. Porque eu sei da seriedade das pessoas que estão lá, eu sei do grau de compromisso que eles têm com o povo brasileiro, e eu sei que eles não vão deixar passar nada.
Às vezes, às vezes alguém acha “não, mas poderia liberar não sei quantos milhões para fazer tal coisa”. É simples assim. Aí vai na Casa Civil, a Casa Civil prova que não é possível fazer aquilo, porque se fizer aquilo vai causar tal impacto, vai causar tal problema, vai motivar outros ministros. Então esse é o papel da Casa Civil. Então muita gente fala: “esse Rui Costa é muito duro, esse cara não sei das quantas”. Mas é importante que ele seja assim, é importante que ele seja. Primeiro, muito sensível na conversa com os ministros, mas que ele diga “não”. Porque se alguém tiver que fazer um cafuné no ministro, sou eu depois.
O cara chega nervoso com o Rui na minha sala. E eu falo: “meu filho, vamos aqui encontrar uma solução. O Rui é boa gente”. É assim que eu faço e eu me sinto bem com isso. Porque, vejam, o Rui levou pra mim o acúmulo de trabalhar de secretário do Wagner oito anos, depois levou o acúmulo de ser governador muito bem sucedido oito anos. E a Miriam Belchior tem uma extraordinária competência, sabe? Desde o tempo em que ela trabalhou na prefeitura de Santo André, até como ministra do Planejamento, depois trabalhou com a Dilma na Casa Civil.
Então, são pessoas que conhecem o Brasil, conhecem o projeto. O que é importante, sabe o que acontece? É que nós, hoje, com essas coisas do PAC, pouca gente conhece o Brasil como o Rui Costa. Mesmo ele ficando na Casa Civil, ele conhece porque é ele que faz reunião com o prefeito, ele que faz reunião com o governador, ele que faz reunião com o ministro. Muitas vezes as reuniões com os empresários acontecem com ele. A coisa só chega em mim quando as coisas ou não têm solução, que aí tem que ter alguém que tenha a decisão, ou chega em mim pra avisar uma boa notícia, que esse é o papel da Casa Civil, levar pra mim o abacaxi descascado e doce. Não dá pra levar abacaxi azedo.
Jornalista Silvana: E o ministro tá aqui, viu gente, ministro e senador Jaques Wagner também está aqui. Presidente, a subida da rampa do senhor emocionou, eu acredito, a mim emocionou, e eu acredito que tenha emocionado uma boa parte das maiorias minorizadas nesse país, de pessoas negras, de mulheres, de indígenas, de pessoas com deficiência física. Naquele momento, todos nós acreditávamos que haveria efetivamente um reflexo da presença dessas maiorias minorizadas também dentro da gestão federal. Eu queria que o senhor avaliasse, à exceção do primeiro escalão, se o senhor já vê o Brasil efetivamente representado na gestão federal.
Presidente Lula: Eu vejo muito representado, mas aquém daquilo que as pessoas necessitam. Eu, sinceramente, acho que a gente poderia fazer mais. Eu acho que tem muitas atividades que poderiam incluir a sociedade brasileira inteira. Acontece que você tem um governo de coalizão. Você tem um governo com um conjunto de forças políticas que não combina no programa ideológico. Então, quando você pede para essas pessoas indicarem um ministro, nem sempre eles indicam o ministro que seria saudável para a participação de todas as pessoas. Você acha, não foi fácil criar o Ministério dos Povos Indígenas. É uma novidade. É uma novidade que causa estranhamento a muita gente.
Então, outra vez, recriar o Ministério da Cultura, o Ministério da Mulher, o Ministério dos Direitos Humanos, o Ministério da Pesca. São coisas que a gente vai criando. Agora, ao mesmo tempo, nós temos que trabalhar com muito vigor, porque é importante que a gente faça inclusão de todas as pessoas que não tenham preconceito de gênero, que não tenham preconceito de raça, que não tenham preconceito por deficiente. Ou seja, esse país tem que ser definitivamente de todos. E essa é uma decisão que a gente tem tomado em cada reunião, e cada ministério tem a obrigação, toda vez que for chamar alguém para trabalhar no governo, levar em conta a realidade da sociedade brasileira.
Tem muito serviço no setor público que poderia ser feito por cadeirantes. Muita coisa. Então, por que não contratar essa gente? Por que não trazer essa gente para trabalhar? Porque uma coisa que é importante é o seguinte, é a gente dar às pessoas a autoestima de serem reconhecidas. Não está fazendo um favor, é apenas abrindo a porta para que o cara conquiste a sua autoestima. Olha, eu lembro, Silvana, você é de São Paulo, você talvez tenha feito a USP, não sei, mas eu lembro que a USP, até 20 anos atrás, era uma universidade de brancos.
Se você for na USP hoje, Silvana, você vai perceber, mais de 50% é gente negra e parda. Houve uma mescla. Hoje a universidade representa o colorido do Brasil. É muito impressionante. Isso por conta do Prouni, por conta do FIES, por conta do Reuni. As pessoas estão ocupando um espaço extraordinário. Ainda não terminou o preconceito porque ele é uma doença, uma doença muito grave. Mas a gente está caminhando a passos largos.
O desejo que eu tinha de fazer a Unilab, fazer uma universidade afro-brasileira, porque eu estou convencido que uma das formas de você combater o preconceito é as pessoas conhecerem a história. Por que teve escravidão no Brasil? Como é que ela aconteceu? Se não contar essa história, você continua sem saber o que aconteceu. É como o 2 de julho, se você não contar, ninguém vai saber que teve independência no Brasil por conta da Bahia.
Então, essa é uma busca incessante que a gente tem que fazer. Sempre procurar colocar mais mulheres, colocar mais negros, colocar mais pessoas humildes, colocar mais pessoas deficientes, para ocupar cargos importantes no Brasil, para que o Brasil tenha uma cara saudável, uma cara real. Não é aquele Brasil falso, que só tem um tipo de gente trabalhando e o restante está fora. Você não tem noção da alegria que eu tenho, Silvana, de perceber que está cheio de companheiros negros virando médicos, virando dentistas. Não existia. Não existia. Era raro você encontrar um negro médico, um negro gerente de banco, um negro, sabe?
Então, essa porta que se abre para dar oportunidade para as pessoas ascenderem socialmente é muito importante e nós vamos continuar fazendo isso. Possivelmente, a gente não tenha a competência de fazer tudo que é possível fazer, porque eu sempre penso que a gente poderia fazer um pouco mais, um pouco mais, um pouco mais. Mas tudo acontece também de acordo com a realidade, de acordo com o tempo. E eu acho que quanto mais a gente fizer investimento em educação, Silvana, mais a gente tem chance de fazer esse país mais igual, de verdade.
Hoje, você sabe, Silvana, a luta contra o preconceito contra a mulher continua muito grave. Ou seja, é uma coisa milenar de servidão da mulher que foi tratada historicamente como objeto de cama e mesa, de ser o elo fraco da relação. Quando, na verdade, as mulheres têm uma demonstração de coragem, de inteligência, de combatividade em qualquer área, em qualquer área. As mulheres muitas vezes são mais competentes que os homens.
Eu acho que as mulheres devem ter mais coragem que os homens. Tem mais coragem de dizer desaforo na cara do inimigo do que o homem. O homem fica sempre tentando contemporizar. A mulher não tem papo na língua, não. Se é para falar, é para falar e vamos falar. Então, eu acho que nós estamos avançando. Você veja, agora o que aconteceu no Brasil. Eu era presidente quando nós aprovamos a Lei Maria da Penha. A Maria da Penha é uma mulher de verdade. Ela existe, ela é cearense, ela foi vítima de duas tentativas de assassinato do marido dela. Ela levou 19 anos para aprovar o projeto. Agora, tem um movimento no Ceará de dizer que ela é mentirosa, que o marido dela foi vítima, e estamos até garantindo proteção para ela, para ela não ser agredida.
E você, quando você vê o aumento da violência, muita gente pensa “a violência é na favela”. Não, a violência é na classe média alta, a violência é nos ricos, a brutalidade é machista. Então, esse é um trabalho insano, insano, que a gente tem que dedicar, difícil. Mas as mulheres sabem que elas têm que conquistar, passo a passo, cada coisa. A mulher, para conquistar o voto, já foi uma guerra. Aqui no Brasil, o nosso voto só aconteceu porque uma companheira, na cidade de Mossoró, Rio Grande do Norte, ela entrou com um o processo da justiça e ganhou o direito de votar em 1934.
Jornalista Silvana: O senhor citou a violência, esse realmente é um calcanhar de Aquiles hoje no Brasil e aqui na Bahia também. Nós nos ressentimos muito da violência, da chegada de facções, de milícias e afins. Recentemente, o ministro da Justiça [e Segurança Pública], Ricardo Lewandowski, aventou a possibilidade de fazer uma PEC da Segurança Pública que garantiria aí uma atuação mais efetiva da Polícia Federal no combate a esses grupos, poderia garantir também, presidente, a reserva, digamos assim, obrigatória de investimento nesse segmento. Alguns governadores, em especial os do Centro-Oeste, reclamaram porque essa é uma competência constitucional dos estados e que isso seria algum tipo de ingerência. Como é que o senhor vê esse cenário?
Presidente Lula: Olha, primeiro eu acho que o ministro Lewandowski está certo. Quando nós fizemos o programa de governo, Silvana, a gente defendia a ideia de criar um Ministério da Segurança Pública. Depois, durante o processo da transição, eu cheguei à conclusão, conversei com o ministro Flávio Dino [ministro do Supremo Tribunal Federal e ex-ministro da Justiça e Segurança Pública] de que, olhe, se a gente anunciar um Ministério de Segurança Pública e ele não der resultado rápido, vai ser uma coisa que vai nascer desacreditada. Então vamos pensar melhor. Então agora, só para você saber o que está acontecendo. Possivelmente, dentro de uns 10 ou 15 dias, eu vou chamar o ministro Lewandowski e o pessoal que trabalha com ele, vou chamar todos os meus ministros que foram governadores de estado.
Eu quero saber oito anos de experiência do Jaques Wagner, eu quero saber oito anos de experiência do Rui Costa, eu quero saber oito anos de experiência do Camilo [Camilo Santana, ministro da Educação], eu quero que eles participem de uma reunião para que a gente possa fazer uma proposta de segurança pública sabendo que a gente vai enfrentar a recusa de muitos governadores. Porque muitos reclamam da segurança pública, mas não querem abrir mão do controle da polícia, não querem abrir mão da polícia civil, da polícia militar. Nós não queremos ter ingerência.
O que nós queremos saber é o seguinte: é necessário o governo federal participar, não apenas com repasse de dinheiro? Eu defendi a criação da Guarda Nacional, aquilo foi uma proposta minha. Eu queria criar uma coisa forte, uma coisa poderosa, de fazer aquelas intervenções que a gente vê em filme americano de policial. Então, nós não conseguimos criar. Mas eu acho que nós vamos ter que fazer essa discussão. Eu sou favorável que a gente tenha mais polícia federal, que a gente possa participar mais do processo de segurança, sobretudo no combate ao crime organizado, ao narcotráfico, nas facções.
Porque hoje tomou conta do Brasil. Hoje, se você for no garimpo de Roraima, você vai enfrentar o narcotráfico, o crime organizado. Se você for ao Acre, você vai enfrentar o crime organizado. Então, é uma coisa mais delicada, mais delicada. E eu acho que os estados sozinhos não dão conta. Então, o que nós queremos é fazer uma proposta de aprovar uma PEC que define o papel de cada um, mas que a gente dê ao povo a certeza de que a gente vai ter mais segurança pública nesse país.
Porque, você veja, o governo passado passou quatro anos liberando armas, liberando armas, liberando armas, liberando armas. Olha, quem comprava arma não era um cara honesto. Um cara sério não quer comprar arma. Ele pode ter uma arma pra ele, mas ele não quer comprar 50 armas, fuzil, metralhadora, bomba. Ou seja, quem é que teve acesso a compra de arma? O crime organizado. Porque aí avacalhou.
Você tirou o controle da venda de arma e você criou mais de 3 mil CACs, escola de tiro, que não é uma coisa necessária. Escola de tiro pode ser na Polícia Militar, pode ser na Polícia Civil, na Polícia Federal, mas na sociedade, o cara diz “eu sou empresário”. O que você faz? “Eu tenho um negócio de atirar lá”. Que empresário que é esse? Então, é uma coisa delicada, é uma coisa delicada. Quem foi governador de estado sabe que é muito difícil cuidar da segurança pública, muito difícil. E que muitas vezes os coronéis que mandam na Polícia Militar não apetece a orientação do governador, muitas vezes tem a agressividade necessária.
Então, nós precisamos repensar. Então, como eu estou com 78 anos de idade, já sou o presidente mais experiente no Brasil. Eu só perco para o Dom Pedro II, que ficou 69 anos, Getúlio que ficou 15, depois mais quatro, agora sou eu, que já estou com 10 anos na presidência. Então, eu vou aproveitar a minha idade, a minha experiência, e vou propor ao Brasil uma outra coisa. Se o Congresso aceitar, ótimo, a gente pode dizer ao povo: “vai melhorar a segurança pública para o futuro desse país”.
Jornalista Silvana: Presidente, o senhor falou, já que a gente estava falando de crimes transnacionais, eu queria falar um pouquinho do cenário internacional, né? A gente vê um avanço da direita, a gente teve agora as eleições legislativas na França, a gente tem aqui ao nosso lado a Argentina também, e a gente teve recentemente o debate entre Trump e Biden, e Biden foi muito criticado, digamos assim, as pessoas falaram da falta de energia dele, que ele está idoso. Eu queria juntar aí duas perguntas em uma, saber do senhor como é que o senhor vê esse avanço da direita, e se o senhor tem receio de sofrer etarismo como o Joe Biden tem sofrido?
Presidente Lula: Não tenho esse receio. Você sabe por quê? Porque eu acho que somente o Biden pode dizer se ele tem condições de concorrer ou não. Eu não tenho condições de dar palpite, sabe? Possivelmente a aparição dele no debate mais lenta do que o adversário, que é mais agressivo, também mais agressivo, mas mais mentiroso, porque o New York Times disse que ele contou não sei quantas mentiras durante o debate. Sabe, era como o meu adversário, ele não tinha nenhum compromisso com nenhuma verdade, qualquer bobagem, abria a boca era como se fosse uma latrina, está lá falando bobagem, sabe, e não tem respeito pelo povo.
Então eu acho que o Biden tem que tomar a decisão, ele tem que ser o seguinte: “eu estou bem, eu vou candidato, se eu não estou bem eu vou parar”. Eu tenho dito para os companheiros do PT e para muitos ministros o seguinte, veja, eu posso mentir para você, mas eu não posso mentir para mim mesmo, eu não posso dizer se eu estou bom ou se eu não estou bom, eu não posso dizer se eu posso fazer tal coisa ou se eu não posso. Então eu tenho que ser honesto comigo, ser honesto com os meus e ser honesto com o povo brasileiro.
O que eu tenho dito, na verdade? Eu só sairia a uma candidatura nova se não aparecer ninguém para derrotar o fascismo, para derrotar esse tipo de gente que está pregando mentira, ódio, negacionismo. Senão, nós temos que procurar um candidato jovem que possa ganhar as eleições e trabalhar. Eu, do ponto de vista da saúde, eu me sinto um menino, você pode perguntar para a Janja. Eu me sinto um menino. Eu tenho muita energia, muita energia. O pessoal que trabalha comigo, todos, inclusive o Stuckert [Ricardo Stuckert, secretário de Audiovisual da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, que é o que mais me acompanha, ele cansa, cansa, e eu não canso. Eu, quando estou trabalhando, eu não canso. Eu posso levantar.
Eu levantei um dia desses às 5 horas da manhã, fui para Bogotá, trabalhei o dia inteiro em Bogotá, saímos de Bogotá 9 horas da noite, eu cheguei em São Paulo sem dormir. Ou seja, de 5 horas da manhã de um dia às 5 horas da manhã do outro dia, sabe? E eu não sinto cansaço. Porque eu sou muito motivado para fazer as coisas. Eu não gosto, só para você entender, eu não gosto de pedir um telefonema. “Companheiro, me liga para fulano”. O companheiro fala, daqui a pouco eu pergunto “Já ligou?”. “Já liguei, ele não está, deixei recado”. “Cara, você não tem que deixar recado, você tem que insistir, porque sou eu que quero falar com ele. Se ele não quiser falar comigo e está lá um recado, o Lula ligou, ele fala ‘eu não quero falar com o Lula, que dane-se’”. Então, somos nós.
Eu insisto muito, eu insisto. Eu era presidente do sindicato, eu mandava rodar boletim para ir na porta de fábrica, em 78, 79. “Ah, o gráfico foi embora”. Eu dizia na gráfica, cortava papel, dobrava papel, batia papel, fazia o boletim, acordava e ia na porta de fábrica às 5 horas da manhã. Eu não gosto de deixar para amanhã o que eu posso fazer hoje. Então, eu estou com muita energia, com muita vontade. E muito mais importante, que eu vivo um bom momento espiritual. Eu estou de bem com a vida. Estou de bem.
Sou um homem bem casado, tenho uma mulher que eu amo. Nós vivemos maravilhosamente bem. Eu tenho obsessão de consertar esse país, pelo menos melhorar um pouco a vida do povo. Fazer com que eles tenham mais oportunidade na educação, na saúde, no trabalho. Isso me motiva. Eu levanto todo dia de manhã, sem preocupação de desânimo. Se está difícil, nós temos que encontrar um jeito. A minha mãe, quando de domingo não tinha comida para colocar pra gente na mesa, ela falava assim: “hoje não tem, mas amanhã vai ter”.
Então, eu levanto todo dia com isso na cabeça. Se está ruim, vai melhorar. O meu papel não é ficar achando que está ruim. O meu papel é fazer as coisas melhorarem, fazer acontecer. Tem uma dificuldade? Tem. Vamos tentar resolver, é para isso que a gente existe. Então é assim que eu sou. Eu vou te contar um pequeno caso aqui. Em 1998, eu perdi a terceira eleição. E eu estava realmente chateado. Não teve nem segundo turno, porque o Fernando Henrique Cardoso ganhou no primeiro turno naquela eleição. Bem, o que aconteceu?
O Mangabeira Unger foi no meu comitê me convidar para ir passar seis meses em Harvard fazendo um curso. Eu falei: “Mangabeira, eu não posso sair do Brasil, cara. Eu acabei de perder as eleições, tem milhões de pessoas que votaram em mim que estão chorando. Eu vou viajar? Eu vou largar isso aqui? Não. Eu vou ter que viajar todo o estado outra vez, visitar cada capital, conversar com o nosso povo, conversar com a nossa militância, para eles saberem que o general deles está ativo, está motivado. Imagina se eu vou para Harvard, passo seis meses fora, os coitadinhos chorando aqui, lamentando a derrota”.
Então eu sou assim, Silvana, por isso eu sou muito motivado, tenho muita força. Eu, na verdade, fui candidato agora nas eleições porque eu tinha consciência que a única chance de derrotar o fascismo era eu. A única chance. Porque, Silvana, você sabe quanto de recurso foi colocado nos últimos dois anos para tentar ganhar as eleições? O equivalente a 60 bilhões de dólares. Eu vou traduzir em reais: 300 bilhões de reais. Para tentar não perder as eleições, comprando votos, dando dinheiro para taxista, para motorista, distribuindo dinheiro para todo mundo, fazendo isenção, fazendo desoneração.
Perdeu. Perdeu as eleições. E eu vou contar uma coisa para você. Não volta mais. Porque esse povo vai ter que aprender a gostar da democracia. Vai ter que aprender a conviver de forma civilizada, de forma educada. Um respeitar o outro. Levantar de manhã falando bom dia, com sorriso no rosto. Sabe? Estendendo a mão para aqueles que estão mais necessitados, aqueles mais sofridos. Então, eu sonho com isso. Sonho! Você sabe que eu sonho como se fosse um menino. Eu sonho que é possível fazer isso. E eu tento fazer do meu dia a dia isso.
Às vezes eu brinco muito com o pessoal que trabalha comigo, porque, às vezes, eles me enchem os pacotes. Mas, no fundo, no fundo eu sou muito motivado. Então nós viemos ontem aqui falar de educação. Fazer muito investimento em educação. Mais oito institutos novos que nós vamos criar aqui. Fazer muito investimento em saúde. Inclusive com o edital para a construção de três policlínicas aqui na Bahia, para se contratar mais 250 médicos no concurso. Nós viemos aqui anunciar mais 4.600 moradias do Minha Casa, Minha Vida em Salvador e mais em nove municípios.
Nós viemos aqui anunciar um bilhão e meio [de reais] do programa Luz para Todos na Bahia para levar luz para os povos que vivem na base do candeeiro. E também a nossa querida Margareth Menezes [ministra da Cultura] veio aqui à Bahia para anunciar 52 milhões [de reais] em duas obras e 13 projetos, restaurando o patrimônio cultural baiano. Ao todo, cinco municípios baianos. Em especial a restauração do mercado do município de Santo Amaro. É uma prestação de conta para Dona Canô, que está lá em cima nos olhando e exigindo. É isso, querida.
Jornalista Silvana: Presidente, muito obrigada. O senhor tem compromisso agora, né? O senhor vai seguir na caminhada aí do 2 de julho. Eu vou encerrar agradecendo muitíssimo a presença do senhor aqui na Rádio Sociedade da Bahia. E desejando para o senhor o que eu desejo para mim, que o nosso Corinthians melhore, né, presidente? Porque está difícil, né?
Presidente Lula: Silvana, eu quero primeiro agradecer. Agradecer a entrevista, agradecer a direção da Rádio Sociedade, aos ouvintes. Dizer para o povo baiano que pode ter certeza de uma coisa. Pode ter certeza, com a fé que tem em Deus, é que nós vamos melhorar a vida desse povo. Foi para isso que eu voltei, para melhorar a vida desse povo. E, ao mesmo tempo, eu continuo corintiano, sofro muito. Já não vejo mais o jogo com a força que eu via, porque eu fico deprimido.
O Corinthians não poderia ter chegado onde chegou. Não poderia ter chegado onde chegou. O Corinthians, depois que foi campeão do mundo em 2012, depois que fez o estádio, o Corinthians poderia ter se transformado num grande, num grande clube. Eu não chego nem a pensar igual o Real Madrid, igual o Barcelona, igual o Manchester United. Não! Mas um grande clube, financeiramente bem. Eu não sei onde é que houve um entroncamento ali que desviou a gente daquele caminho.
E a gente está hoje aí com um time muito ruim. Eu nem posso falar, porque eu não tenho assistido o jogo, mas o time está muito ruim. Nós não ganhamos um jogo agora. Só um. Nós estamos em último lugar. Isso nunca aconteceu. Então, querida, é o seguinte. Como eu sou fã da torcida do Corinthians, sou fã da Gaviões da Fiel, vamos ficar de cabeça erguida porque nós somos um bando de loucos. E um bando de loucos gosta do Corinthians.
Jornalista Silvana: Obrigada, presidente, por sua participação aqui nos 100 anos da Rádio Sociedade da Bahia. Muito bom dia.
Presidente Lula: Bom dia, Silvana.