Entrevista do presidente Lula à Rádio O Povo/CBN, de Fortaleza
Jornalista Jocélio Leal (Rádio O Povo): Presidente Lula, bom dia. Bem-vindo. Obrigado por aceitar nosso convite.
Presidente Lula: Bom dia, Jocélio. É um prazer estar contigo outra vez. A última vez foi em 2021, portanto, já faz três anos que tivemos uma conversa. Eu estou à inteira disposição. Eu estou aqui com o meu companheiro Elmano [de Freitas], governador do estado [do Ceará], estou com o nosso deputado Guimarães [José Nobre Guimarães], líder da bancada do PT, na Câmara [dos Deputados]. Estou com o meu ministro Rui Costa, chefe da Casa Civil.
Também está aqui acompanhando o Paulo Câmara, presidente do BNB, que está fazendo um trabalho extraordinário na criação de crédito para o povo. Então, eu quero te dizer que estou à tua inteira disposição. A entrevista é sua, faça a pergunta que você quiser, do jeito que você quiser, porque não tem pergunta irrespondível. A que eu não souber, eu falo para você que eu não sei e você faz outra pergunta.
Jornalista Jocélio Leal (Rádio O Povo): Tá bem. Eu vou pedir só que o senhor fale um pouco mais perto do microfone. Eu temo que o som não capte bem. A primeira pergunta é, até do ponto de vista também pessoal, o senhor passou por uma situação de tensão num voo recentemente. Eu creio que o senhor não tenha dado entrevista depois daquele episódio. Queria que o senhor descrevesse exatamente o que aconteceu e o que é que mudou na sua visão de mundo diante daquele estresse tão grande.
Presidente Lula: Olha, primeiro, foi a primeira vez que eu passei uma situação dessa. Eu já tinha passado outras coisas mais leves: nuvem, tremedeira de avião. Já pousei do avião sem o flap funcionar, uma vez que eu vinha de Trinidad e Tobago, no aeroporto de Brasília, que pegou fogo no pneu do avião.
Mas o que aconteceu foi que a gente estava na pista. Quando a gente já estava andando na pista, o barulho já estava diferente. Quando levantou o voo, aconteceu alguma coisa porque o avião estava com um ronco diferente, o avião trepidava muito. E eu logo levantei para saber com o piloto o que estava acontecendo. Cheguei lá, a porta estava fechada. Eu bati na porta, o piloto abriu.
Eles estavam nervosos, porque eles estavam vendo como é que ia sair daquela situação. E falaram: “Assim que a gente tiver a informação, nós vamos lhe passar”. Aí me disseram: “O avião está seguro, tem uma turbina com problema, um motor, mas o outro está bem. Já pedimos emergência para o aeroporto e vamos ficar circulando aqui durante duas horas até esvaziar um pouco o tanque, porque o tanque está muito cheio. Se a gente pousar com o avião pesado, poderá acontecer um acidente e até problema com o trem de pouso”.
Aí, ficamos lá, rodando duas horas, fazendo um oito em cima do aeroporto. Bom, depois das duas horas eu voltei para perguntar “e agora?”. “Vamos ficar mais duas horas e meia”. Bem, obviamente que o pessoal fica preocupado. Nós tratamos de pedir para servir o almoço para o pessoal, para o pessoal comer. Até fizemos uma brincadeira estúpida, dizendo que era preciso comer, porque a gente não sabia se tinha comida no céu. Então, vamos comer agora enquanto tem aqui. Bom, e graças a Deus o avião pousou normal.
O que aconteceu, de fato, é o seguinte. Todo mundo teve tempo de repensar sua vida. Foram quatro horas e meia em que eu pensei muito o que eu tinha feito na vida, o que tinha para fazer. E você pensa como um ser humano, o que você cometeu de erro, o que você cometeu de acerto, se você passou pela Terra como um cara bom, como um cara ruim, o que você fez de errado.
Eu acho que foi um momento de muita reflexão de todo mundo. Alguns com mais medo, outros mais tranquilos. Estavam comigo algumas pessoas que não deveriam ter medo. O Diretor-Geral da Polícia Federal [Andre Rodrigues] estava comigo. O Galípolo [Gabriel Galípolo], que foi agora indicado pelo Senado para ser presidente do Banco Central, estava comigo. Estavam mais quatro ministros, estava a Janja [primeira-dama do Brasil] comigo e terminamos tranquilos.
Bom, desse problema nós tiramos uma lição. Nós vamos comprar não apenas um avião, mas é preciso comprar alguns aviões para que o Brasil, um país grande com 8 milhões e meio de quilômetros quadrados, com 360 mil quilômetros de florestas tropicais, com 8 mil quilômetros de fronteira marítima, 5 milhões e 500 mil quilômetros quadrados de água, que é sob a responsabilidade do Brasil, nós precisamos nos preparar. Não dá para a gente ser pego de surpresa.
Então, nós vamos nos preparar e eu pedi para que o ministro da Defesa me fizesse uma proposta. Nós vamos comprar um avião para o presidente da República, entendendo que a ignorância não pode prevalecer. Um avião para o presidente da República não é um avião para o Lula ou para o Fernando Henrique Cardoso ou para o Bolsonaro ou para quem foi presidente. Não, um avião para o presidente da República é um avião para a instituição Presidência da República, quem quer que seja eleito presidente da República.
E nós vamos comprar e vamos comprar alguns outros aviões porque é preciso os ministros viajarem. A gente nunca vai governar o Brasil com o ministro ficando coçando lá em Brasília. O ministro tem que viajar, tem que fazer entrega, tem que conversar com o prefeito, tem que conversar com o governador, tem que conversar com o povo. Então, eu vou cuidar.
Eu tive uma lição muito grande. Eu, durante muito tempo, fui muito comedido porque, quando comprei esse avião 309, é o menor da Airbus, quando eu comprei, eu comprei o mais barato e o menor. Mesmo assim o Brizola alcunhou de “AeroLula”. Então, você está lembrado que a campanha de 2006 foi feita em cima do “AeroLula, como se o avião fosse um privilégio do presidente da República.
Eu superei isso. Eu aos 79 anos eu superei isso porque é o seguinte: um presidente da República tem que se respeitar, a instituição tem que se respeitar, e o Brasil é muito grande e não precisa um presidente da República correr risco.
Eu, por exemplo, quando eu tomei a presidência, o Fernando Henrique Cardoso falou comigo: “Ô Lula, se você quiser eu faço o pedido de um avião para você não sofrer os desgastes políticos”. Eu falei: “Não, Fernando, não precisa”. Porque nós tínhamos quatro aviões: dois grandes chamados de sucatão e dois pequenos chamados de sucatinha. Eu lembro que o grande carregava 14 mecânicos dentro.
Quando parava em qualquer lugar, caía parafuso para tudo quanto é lado. Ou seja, é uma vergonha um país não se respeitar. Então, foi isso. Graças a Deus estamos vivos. Graças a Deus não aconteceu o pior, mas é um risco que a gente não pode passar. A gente tem que evitar, porque o mínimo que nós temos que ter cuidado é com a instituição das autoridades que tem que viajar para cumprir compromissos para o Brasil.
Jornalista Jocélio Leal (Rádio O Povo): Já que estamos falando em avião e compra de avião, a sueca Saab foi notificada pelo governo americano sobre a compra dos caças Gripen para o Brasil. Isso foi hoje. Aliás, foi ontem. Ela informou que isso aconteceu. O que é que o senhor tem a dizer em relação a isso? O que é que o senhor lê dessa manifestação dos Estados Unidos questionando essa compra feita já no governo Dilma, mas com seu aval anteriormente?
Presidente Lula: Olha, deixa eu falar. Eu, na verdade, não tenho conhecimento de como foi comprado o avião. O que eu sei é que a companheira Dilma comprou o avião que era, acho que mais econômico, me parece que mais barato e a manutenção custava menos.
E é um avião de um conjunto de países. É um sueco que tem participação da Inglaterra, tem participação de vários outros países e eu, sinceramente, acho que um pedido de informação dos Estados Unidos é intromissão dos Estados Unidos numa coisa de um outro país. É descabida essa informação.
Eu não sei qual é a informação que ele está pedindo. Também não quero fazer julgamento precipitado. Mas não tem sentido pedir informação de um avião que o Brasil comprou, pedir informação de um carro que um país comprou. Os americanos, na verdade, são meio hegemonistas, eles gostariam que tudo acontecesse…
Quando eu era presidente, eu queria comprar o Rafale francês, porque o Rafale francês tem mais tradição, tem mais experiência. Mas eu não quis comprar porque faltava nove meses para deixar o governo. Falei: “Bom, é uma dívida muito grande, eu vou deixar para o próximo presidente escolher”.
Mas os americanos não gostaram quando eu disse que ia comprar o Rafale. Eles queriam que eu comprasse o avião deles. E, certamente, não gostaram quando a Dilma comprou o sueco, eles queriam que a Dilma comprasse o avião deles. E a Dilma escolheu comprar, de forma soberana, o avião sueco. Eu acho que ela fez um bom negócio para o Brasil. As Forças Armadas queriam o avião sueco, e eu acho que está garantido. Espero que a gente nunca tenha guerra, que a gente nunca precise utilizar esse avião, que seja um avião para paz e não para guerra.
Jornalista Jocélio Leal (Rádio O Povo): Para fechar esse bloco de aviação/defesa, o ministro José Múcio [ministro da Defesa] fez uma declaração polêmica no encontro com empresários falando que questões ideológicas interferem na pasta da defesa e ele se referiu a uma licitação vencida por Israel. Haveria uma objeção dentro do governo de que o Brasil batesse o martelo na compra do equipamento militar de Israel. E aí, o nome de Múcio passou a ser até questionado se ele estava disposto ou não a continuar no governo. É como se ele tivesse cavado uma falta. O que é que significa isso e qual a posição do senhor em relação a Múcio hoje?
Presidente Lula: O ministro Zé Múcio me ligou. Eu sou muito amigo do Zé Múcio. Muito amigo. Esquece o fato de ele ser ministro, já foi ministro outra vez, mas o Zé Múcio é uma pessoa que eu tenho uma amizade profunda, um respeito profundo. Eu gosto muito dele.
Ele me ligou. Ele me ligou apavorado: “Porque acho que eu falei alguma coisa que não devia ter falado, não sei”. Eu falei: “Zé Múcio, não se preocupe. Aquilo que a gente falou já está falado, já foi explorado. Esqueça e toque o barco para frente. Se você falou aquilo porque você pensava aquilo, está ótimo. Se você falou porque cometeu um equívoco, está ótimo. Você não vai perder comigo um centímetro de importância por conta daquilo”.
O Zé Múcio continua meu amigo, meu ministro da Defesa, uma pessoa por quem eu tenho, não apenas muita confiança, mas por quem eu tenho uma estima profunda pela lealdade dele comigo, antes e durante o governo, porque ele não foi leal comigo quando ele é ministro, não. Quando eu deixei o governo, ele continuou com a mesma lealdade comigo. Era um cara que sempre se preocupou comigo.
Então, um cara que eu tenho um profundo respeito e é um amigo de verdade, de coração, e, portanto, isso não abalou nada a permanência dele no Ministério da Defesa.
Jornalista Jocélio Leal (Rádio O Povo): Vamos falar de eleições. A gente está numa semana de campanha para o segundo turno, depois do primeiro turno. Eu queria, naturalmente, que a gente lesse, o senhor lesse, esse cenário do PT nesse momento. O PT passou de 183 para 248 prefeitos, vai disputar o segundo turno em 13 cidades, sendo quatro capitais: Fortaleza, Porto Alegre, Cuiabá e Natal. Fortaleza é a mais importante dessas, do ponto de vista da população, e, ao mesmo tempo, essa é uma leitura, ao mesmo tempo a gente sabe que quantidade de prefeitura não diz tudo. Quantidade de pessoas governadas diz muito, contingente de eleitores.
Qual a leitura que o senhor faz do desempenho do PT, considerando, inclusive, um fato relevante, que foi a perda em cidades médias, que sempre foi um espaço importante para o PT. E, naturalmente, o que é possível fazer de correção do primeiro para esse segundo turno?
Presidente Lula: Olha, veja, nós temos que rediscutir o papel do PT na disputa nas eleições da prefeitura. O PT, nessas eleições, 80% dos nossos prefeitos foram eleitos em cinco estados, todos eles do Nordeste. Nós tivemos uma boa participação no Rio Grande do Sul, nós não tivemos uma boa participação em São Paulo, em Minas Gerais nós ganhamos as duas cidades que a gente governa, Juiz de Fora e Contagem, que já governamos com duas mulheres.
O que é que eu poderia dizer? O PT cresceu o número de prefeitos, o PT cresceu o número de vereadores. Mas o PT já governou São Paulo, o PT já governou Porto Alegre, o PT já governou outras capitais importantes, cidades que nós não governamos. Nós perdemos, por exemplo, em São Bernardo do Campo, perdemos em Santo André, estamos no segundo turno em Diadema e em Mauá.
O dado concreto é que o PT perdeu, inclusive, em Araraquara, que era uma cidade que todo mundo tinha certeza que a gente ia ganhar. Em Teresina, até uma semana das eleições, todo mundo dava como certo a eleição do candidato do PT e não aconteceu. É coisa de eleição.
A gente nunca tinha ganhado em Teresina, nunca. É preciso lembrar que o Wellington [Dias] foi governador oito anos, ele deixou o governo, foi eleito senador e depois de dois anos tentou ser candidato a prefeito, só teve 15% dos votos. Na Bahia, a gente nunca conseguiu eleger o prefeito, onde a gente tem governo já há 20 anos.
Jornalista Jocélio Leal (Rádio O Povo): Em Salvador.
Presidente Lula: Em Salvador. Em São Paulo a gente nunca teve o governo do estado, mas já elegeu a capital três vezes, já governamos Campinas, já governamos São Bernardo do Campo, Santo André, Guarulhos, Osasco, nós já governamos em São Paulo 24 milhões de pessoas na grande São Paulo durante muito tempo.
Ora, chega o momento em que você perde. Chega o momento em que as pessoas mais importantes estão fazendo outras coisas. O que é que nós temos que pensar? Toda vez que termina uma eleição, aparecem os vencedores, os heróis que acham que o mundo, a partir dali, mudou. A eleição de prefeito, na verdade, não tem muita incidência numa eleição presidencial.
Jornalista Jocélio Leal (Rádio O Povo): Não tem?
Presidente Lula: Não tem.
Jornalista Jocélio Leal (Rádio O Povo): Por que não?
Presidente Lula: Porque nem todo prefeito no segundo ano de mandato está bem. A minha experiência de subir em palanque é a seguinte: toda vez, o prefeito no primeiro ano, herda o orçamento do prefeito anterior. Correto? Ele herda. Então, ele só vai começar a fazer o seu orçamento no ano seguinte. No primeiro ano é um ano em que o povo não cobra nada, porque é o ano que o cara ganhou, tem que arrumar a casa.
Mas, no segundo ano, ele já começa a dever expectativa para o povo. Bom, o que aconteceu comigo? É que toda vez que você vai no palanque, quando você anuncia o prefeito, ele é vaiado. Quando você anuncia o cara que perdeu, ele é aplaudido.
Então, eu digo isso porque eu estou com experiência de várias eleições para presidente que eu disputei. Obviamente, que é muito importante fazer prefeito, porque é o prefeito que dá o primeiro passo no atendimento das políticas públicas da sociedade brasileira. Na cidade, o cara participa da escola, o cara participa da saúde, o cara tem a presença do Estado.
E o Governo Federal tem parceria com todos os prefeitos. O Bolsa Família é cadastrado pelas prefeituras. O Minha Casa, Minha Vida, as obras do PAC são cadastradas pelas prefeituras, numa relação de confiança republicana que nós temos e vamos continuar assim.
O fato do prefeito não ser do PT, ser do PSD, ser do PMDB, para mim, não faz nenhuma diferença. Eu vou tratar ele com o respeito que eu tenho pelo mandato que ele adquiriu e vou tratar com respeito ao povo. Sempre foi assim e continuará sendo assim.
Se você quiser saber, Jocélio, nós tivemos uma coisa muito importante agora, que foi o seguinte. No PAC, nós fizemos o PAC Seleções. Ou seja, a gente tinha uma quantidade de dinheiro e tinha que atender quase seis mil municípios. A gente fez um PAC Seleções para o Minha Casa, Minha Vida, para as obras de encostamento, para as obras de córrego, para cuidar da cidade. E nem todo prefeito que fez a melhor proposta era do PT ou era dos aliados.
E, muitas vezes, as pessoas reclamavam com o Rui Costa, que era o chefe da Casa Civil: “Não, porque está dando dinheiro para o prefeito tal”. E eu falava: “Não está dando dinheiro para o prefeito, gente, está dando dinheiro para um problema que tem na cidade, que nós temos que consertar”. Não é porque o prefeito é de um partido estranho que eu vou deixar o povo passar sacrifício.
Tem um caso específico de Pernambuco, de um prefeito que nós demos R$ 164 milhões para ele, para o negócio de encosta, de córrego e tal, e ele era um bolsonarista juramentado, ele estava no ato. E eu falei para ele: “Ó, você vai receber esse dinheiro, porque o meu problema não é com você, o meu problema é o seguinte, eu tenho que atender o povo da tua cidade e vou atender. Então, pode ficar tranquilo”.
Foi até um ato muito engraçado, porque foi a primeira vez em que a gente não tratou uma política pública como uma relação de amigos. “Ah, para o meu amigo vai ter tudo, para os inimigos, a lei”. Não, o que nós fazemos é dar a todos a oportunidade de participar.
Só para vocês terem ideia, Jocélio, o Elmano tinha menos de um mês de governo, eu convoquei os 27 governadores do país para discutir o PAC e disse para os governadores: “Eu quero que vocês apresentem de três a cinco obras que vocês consideram vital para o estado de vocês, para que não seja uma coisa vindo de cima para baixo sem nenhum critério”.
E o Ceará conquistou, no PAC, 44,7 bilhões de reais de investimento no estado. E nós vamos cumprir essas coisas, porque é uma coisa que colocou os governadores. O governador de São Paulo fez pedido, o governador do Rio de Janeiro, e assim a gente vai tentando trazer o país de volta à normalidade da civilidade.
Ou seja, o governo é eleito para governar, e ele tem que governar para o povo. Não vou fazer como fez o outro presidente, que, durante quatro anos, não conversou com os governadores do Nordeste, massacrou os governadores do Nordeste, não passou recursos para os governadores do Nordeste. Comigo não tem esse problema.
Comigo o governador falou mal de mim, não tem problema. O dinheiro não é para ele, o dinheiro é de obras para o povo daquele estado, que merece ser tratado com carinho, independentemente, do jeito que ele votou.
Jornalista Jocélio Leal (Rádio O Povo): Tá, mas a despeito dessa relação institucional que o senhor destaca, né, a minha pergunta era no sentido do desempenho do PT. O que é possível fazer nesses municípios em que o PT disputa no segundo turno, presidente, para reverter essa dificuldade que vocês enfrentam?
Presidente Lula: Primeiro, nós vamos tentar ganhar as eleições.
Jornalista Jocélio Leal (Rádio O Povo): O que é possível fazer nessa campanha tão curta?
Presidente Lula: Nós temos que descobrir, porque ganhar a eleição depende de muitas coisas. Nós estamos vivendo um momento histórico em que o Fundo de Participação dos Municípios cresceu muito em 2023 e o Fundo de Participação dos Municípios cresceu muito em 2024 com relação a 2023.
Essa quantidade de prefeitos reeleitos é em função de que os prefeitos estão com recursos para fazer as coisas, senão não seria reeleito. Além disso, você tem as emendas do orçamento, que era secreto até outro dia, que faz com que o dinheiro chegue na mão das prefeituras, às vezes sem passar até pela mão do governador.
Então, ora, os prefeitos com mais recursos fizeram mais obras, não sei o que fizeram durante a campanha, mas o dado é que foram reeleitos. É o maior percentual de prefeitos reeleitos na história do Brasil. Antes não era assim. Então, o que é que nós temos que fazer? Nas cidades em que nós estamos disputando, nós temos que ver onde nós erramos, qual o discurso que precisa ser feito para tentar ganhar as eleições.
Mas, para mim, se perder a eleição e tiver uma boa participação, não tem nenhum problema, se prepara para as próximas. Eu sou um cara que perdeu três eleições e cada uma que eu perdi eu não ficava lamentando, não, eu ia me preparar para a próxima. Como diria o Brizola, eu ia lamber minhas feridas e, depois, partir para a outra. E foi assim que eu perdi três eleições e foi assim que eu sou o presidente que mais eleição venceu neste país.
Jornalista Jocélio Leal (Rádio O Povo): Olha, a gente tem um cenário aqui em Fortaleza, falando agora da eleição em Fortaleza, que teve um fato relevante ontem, que foi a divulgação da pesquisa Datafolha, contratada pelo Grupo O Povo, que mostrou um empate técnico entre o André Fernandes, candidato do PL, com 47%, e o Evandro Leitão, candidato do PT, com 45%.
Um resultado que, certamente, dá ânimo para a militância, inclusive com a sua vinda aqui à Fortaleza. Pergunto ao senhor: qual a leitura que o senhor faz desse momento da campanha de Evandro, e o que o senhor tem a dizer aos militantes nesse momento em que a campanha vai ganhar corpo em função desse desempenho na pesquisa?
Presidente Lula: Olha, eu não conheço o adversário do Evandro. Não conheço. Então, eu não posso falar mal de quem eu não conheço. Eu vim aqui para fazer duas atividades institucionais, inaugurar e entregar para o povo 1.296 casas do Minha Casa, Minha Vida. Se você puder ir lá, Jocélio, vai ser muito bom, porque vai ser o primeiro conjunto habitacional que a gente vai entregar com biblioteca, feita pelo companheiro Elmano.
E, depois, nós vamos entregar 113 ônibus do Caminho da Escola para garantir que a meninada do interior possa estudar com mais tranquilidade. Bom, à tarde, eu vou tomar um banho e seis horas da tarde eu vou para a atividade. O que eu acho que vai acontecer? Eu estou confiante que o Evandro vai ser o prefeito de Fortaleza, porque o Evandro, primeiro, ele tem o apoio da maior liderança política do estado do Ceará, que é o Camilo [Santana}.
Vamos ser francos: o Camilo é o rei do voto no Estado do Ceará. E tem o governador Elmano, que é uma novidade extraordinária para nós do PT, o Elmano ser governador do estado. E tem o governador de uma grande bancada, tem o apoio de um grande partido, tem o apoio de uma grande bancada, tem o apoio de vários partidos políticos, porque eles estão trabalhando a aliança com as pessoas que perderam também.
De forma que eu estou confiante, eu estou muito confiante que o Evandro será o futuro prefeito de Fortaleza e para dar continuidade ao governo exitoso que o estado do Ceará vem tendo com o Camilo e agora com o Elmano. Por isso, eu estou confiante. Eu vou participar de um evento e depois eu vou embora para Belém, que eu vou participar do Círio de Nazaré, que é uma promessa que eu tenho há muito tempo de participar.
Jornalista Jocélio Leal (Rádio O Povo): O Instituto, a Fundação Perseu Abramo, em 2017, fez uma pesquisa, o senhor lembra disso, lá com a periferia de São Paulo, com um recorte que poderia ilustrar o Brasil, de que existe um pensamento mais predominante na periferia de que as pessoas querem chegar lá, querem vencer na vida, que elas gostam de política, mas não estão ligadas em partido, ou seja, tinha um novo perfil já ali, nas periferias da cidade. E a gente vive uma realidade hoje, presidente, em que, diferente da sua época, os sindicatos não representam, por assim dizer, um conjunto como outrora. O pessoal trabalha por aplicativo, é uma coisa independente, enfim, é outra economia, é outra realidade. O PT não tem dificuldade, hoje, de se comunicar com esse público? O PT não é muito analógico? O PT não ficou velho nessa relação?
Presidente Lula: Olha, deixa eu te dizer uma coisa que eu penso. Eu tenho dito no PT que a base originária que criou o PT nos anos 80, ela hoje é bem menor do que era. O trabalhador de carteira profissional assinada, que nós habitualmente representávamos, que estava dentro da fábrica, no meu tempo do sindicato, a Volkswagen tinha 44 mil trabalhadores, hoje tem 12 mil. Então, houve uma mudança substancial no mundo do trabalho. E nós, então, precisamos adequar o nosso discurso ao mundo do trabalho, que não é só a carteira profissional assinada, é o cara que quer trabalhar em home office, é o cara que quer ser um pequeno empreendedor, é o cara que quer ter um pequeno comércio, é o cara que quer trabalhar por conta própria. Porque é o sonho, todo ser humano sonha em trabalhar por conta própria, porque ninguém quer ter chefe, todo mundo pensa: “Eu quero acordar a hora que eu quiser, eu quero dormir a hora que eu quiser, eu quero descansar a hora que eu quiser”. O que não é assim que acontece.
Jornalista Jocélio Leal (Rádio O Povo): Acaba trabalhando até mais, né?
Presidente Lula: Porque eu tinha muitos companheiros que falavam assim: “Eu quero trabalhar por conta própria, eu vou comprar um táxi”. Se lascava de trabalhar 20 horas por dia. “Eu vou comprar um bar”. Se lascava de trabalhar 20 horas por dia.
Então, tem um novo tipo de trabalhador que nós temos que ter uma preocupação, sabe, que é o pessoal que trabalha em aplicativo. Esse é um público que não tem sindicato, esse é um público que não quer ter carteira profissional assinada. O que é que nós estamos preocupados e por que o ministro Luiz Marinho [ministro do Trabalho e Emprego] fez uma reunião com os trabalhadores de Uber para discutir? É que, embora eles não queiram ser com carteira assinada, eles querem ser autônomos com direito, é que nós temos que preocupar na Previdência, porque esse cidadão pode ficar doente, esse cidadão pode ter um infortúnio, esse cidadão vai ficar velho.
Então, é preciso que a gente cuide de qual é a garantia que a gente pode fazer com que ele tenha, se precavendo. Então, nós fizemos um acordo com o Uber, está um projeto de lei no Congresso Nacional, que estabelece uma certa jornada de trabalho, que estabelece uma quantidade de horas, que trabalha o tempo que começa a valer o ganha pão dele.
Tudo isso na perspectiva de melhorar, mas nem de longe a gente está pensando em fazer com que ele deixe de ser o profissional que ele quer ser. Se ele quiser trabalhar por conta própria, eu sancionei, ontem, um projeto de lei chamado Acredita, que é o projeto de lei que mais vai garantir financiamento para pequeno e médio empreendedor, para pequeno e médio empresário, para cooperativa, para o pessoal do Bolsa Família que quiser fazer um negócio, ele vai ter crédito.
Então, vai ser o maior programa de crédito já feito na história desse país para pequeno e médio empresário, para pequenos empreendedores, porque, na verdade, a gente quer que a pessoa viva, que a pessoa vença. E se o cara tem vontade de vencer por conta própria, que vença. O nosso papel é dar apoio para ele. Então, o PT precisa construir esse discurso e o PT precisa saber falar isso.
Jornalista Jocélio Leal (Rádio O Povo): Então, o senhor reconhece que o PT tem essa dificuldade?
Presidente Lula: O PT tem essa dificuldade, ela está demonstrada na própria estruturação do PT. O PT, quando foi criado, a gente era vinculado em núcleo. Núcleo por local de trabalho, núcleo por vila, núcleo por bairro. Acabou isso. Acabou isso.
Então, o que nós precisamos é voltar a pensar na nossa organização. O PT continua sendo o maior partido do Brasil. O PT continua sendo… Se você fizer uma pesquisa no Ceará e perguntar qual o partido da sua preferência, o PT vai aparecer com 25%, 26%, 30%. O segundo vai aparecer com 1% ou 2%. Então, o PT precisa transformar essa preferência eleitoral e essa simpatia que ele tem em voto, que eu recebo, mas que a gente não consegue receber nas prefeituras. Então, é preciso fazer essa combinação.
Essa foi uma eleição, Jocélio, em que eu tive uma participação mais acanhada. Por quê? Porque eu sou presidente da República. Eu tenho uma base no Congresso Nacional muito ampla. Eu tenho vários partidos na minha base nacional que estão disputando eleições. Então, eu falei: “Bom, eu não vou, sabe, comprar uma briga numa cidade e depois, quando chegar no Congresso Nacional, eu ter o pessoal virando adversário”. Então, eu tomei uma atitude, o partido sabe disso, todo mundo sabe que era para ser assim mesmo, sabe? Onde é que eu dediquei um pouco? Fui duas vezes a São Paulo, porque lá é uma briga que está estabelecida entre, sabe, o tal do lulismo e o tal do bolsonarismo.
Jornalista Jocélio Leal (Rádio O Povo): E está difícil lá, né? A pesquisa mostrou 55 a 33, Datafolha. O que é que o senhor lê de São Paulo?
Presidente Lula: Eu leio, eu leio que o Boulos [Guilherme Boulos, deputado federal] pode ganhar as eleições. Eu leio que Boulos pode ganhar as eleições.
Jornalista Jocélio Leal (Rádio O Povo): Por quê?
Presidente Lula: O Boulos, deixa eu lhe falar uma coisa, o Boulos é uma figura muito preparada, sabe? Nós tivemos um problema no primeiro turno, que é muito difícil você convencer um petista que estava habituado a votar em 13, desde 1980, a votar 50, a votar outro número, sabe? Você veja que tem 50 mil pessoas que votou no 13. Então, eu, inclusive, gravei para o Boulos dizendo: “Olha, quem está habituado a votar no 13 tem que votar agora no 50, na cidade de São Paulo”.
Jornalista Jocélio Leal (Rádio O Povo): E o Boulos vai tirar voto de quem, presidente? O Boulos tiraria voto de quem para esse segundo turno?
Presidente Lula: Eu acho, é que o voto não tem dono. A gente pensa que o voto tem dono, o voto não tem dono. O voto nós temos que captar, nós temos que conquistá-lo. Toda vez que eu abrir a boca para falar, eu tenho que ter noção que eu tenho que conquistar alguém.
Então, o Boulos tem duas semanas, tem vários programas de televisão, tem vários debates para ele poder convencer as pessoas. E eu, se puder ajudá-lo, vou ajudá-lo a ganhar essa eleição, porque eu acho que ele pode fazer um bem muito grande para São Paulo.
Também a mesma coisa vale para o Evandro. Eu, aqui, sabe, mesmo que eu não conhecesse o Evandro, mas o fato de companheiros meus, como Elmano [de Freitas, governador do Ceará], governador do estado; como uma figura como o Camilo [Santana], meu ministro da Educação; como companheiro Guimarães [José Guimarães, deputado federal], meu líder; estão apoiando, olha, mesmo que eu não conhecesse, eu vou apoiar, porque, se meus companheiros estão apoiando, é porque um cara merece e tem chance de ser um bom prefeito aqui na cidade.
Jornalista Jocélio Leal (Rádio O Povo): Eu tenho um pouco de tempo para a gente conversar, ainda tenho duas questões rápidas, são bem distintas.
Presidente Lula: Eu tenho muitas, se você tem pouco. Pode falar.
Jornalista Jocélio Leal (Rádio O Povo): Se o senhor quiser falar, pode falar. É o seguinte, primeiro é com a questão de segurança pública. Essa pauta é federal hoje, não dá para dizer que está na Constituição, que são os estados. Existe um crime que é organizado, que extrapola as divisas dos estados, extrapola até as fronteiras do país. E existe uma percepção média, isso já demonstrado, de que as pessoas esperam atitude federal em relação a isso. Os governadores falam isso. Na época, o governador Camilo já falava, na época que era outro governo, o governador Elmano sabe da dificuldade de lidar com isso sozinho.
O senhor não acha que o Governo Federal está lento na atitude? Inclusive, tem um fato novo, que é o Ministério da Justiça propondo que se dobre o percentual de recursos do Fundo Nacional de Segurança, utilizando dinheiro de cassino quando for aprovado e tal. Enfim, são movimentos que não parecem muito eficientes, presidente.
Presidente Lula: Olha, mais importante do que isso é que o ministro Lewandowski, ele está propondo uma emenda constitucional para redefinir o papel do Governo Federal na intervenção da segurança pública. Porque o governo não pode se meter na segurança pública porque é da responsabilidade dos estados. Muitas vezes, os estados se queixam muito, mas, na hora que você tenta interferir, eles não querem. Porque quem manda lá, quem comanda os coronéis são os governadores, não é o governo. A Polícia Federal, para entrar num crime, esse crime tem que ser federal.
Então, o que é que eu disse ao Lewandowski? É importante fazer uma proposta, e eu quero convidar os 27 governadores para a gente pactuar como é que a gente pode trabalhar na segurança pública junto com os governadores, sabendo que a responsabilidade é do estado, mas que o Governo Federal tem que ter uma participação importante.
Porque, hoje, nós estamos enfrentando uma coisa mais grave. Só para você ter ideia, no governo passado, foram legalizados 5 mil CACs de pessoas que estavam condenadas na Justiça. Quando se liberou a quantidade de armas que se liberou nesse país, quem comprou armas? O crime organizado. Muitas armas. Ou seja, então, se ele fez um liberou geral nesse país, não é o homem trabalhador que vai comprar uma arma, mas quem compra 3, 4, 5, 6, 10, 15 fuzis, compra metralhadora, compra revólver, compra pistola, o que é que esse cara quer? Ele compra para ele ou ele compra para vender para o crime organizado?
E nós temos que levar em conta que o crime organizado hoje não é uma coisinha pequena do PCC, do Comando Vermelho, não. O crime organizado, hoje, é uma coisa, uma empresa multinacional. Eles estão envolvidos em tudo quanto é área. Estão envolvidos no futebol, na política, no poder Judiciário. Eles estão envolvidos em tudo. Em tudo.
Então, nós precisamos saber que agora, sim, os estados estão compreendendo que é preciso pactuar uma nova política de segurança pública para o país, com a participação do Governo Federal muito forte. Nós estamos cuidando de aumentar o espaço das Forças Armadas na fronteira, 150 quilômetros para 200 e poucos quilômetros. Nós estamos criando um centro da Polícia Federal, em Manaus, para tomar conta da nossa fronteira, que é uma fronteira, são 16.600 quilômetros de fronteira. Não é pouca coisa. Oito mil quilômetros de fronteira marítima. Não é pouca coisa.
Então, nós precisamos ter noção de que nós precisamos participar ativamente, o Governo Federal quer participar com a Polícia Federal, nós queremos participar com a Polícia Rodoviária Federal, que já está nos estados, para a gente definir: Qual é o papel? No que a gente pode contribuir? Como é que a gente vai trabalhar junto? E eu acho que isso só pode ser feito se a gente fizer uma reunião com os governadores e pactuar. E essa reunião, o Lewandowski está viajando agora, está debatendo, na Itália, vários assuntos de segurança pública. Quando ele voltar, vai ter essa reunião com os governadores para a gente definir, concretamente, o que a gente vai fazer nesse país para enfrentar o crime organizado.
Jornalista Jocélio Leal (Rádio O Povo): Para concluir, duas questões de economia que eu vou fazer juntas. Uma, a ideia do governo de criar um imposto mínimo, por assim dizer, para milionários para bancar aquele teto do Imposto de Renda Pessoa Física em R$ 5 mil, que é uma promessa de campanha do senhor. Queria saber em que pé está isso. E, segundo, com relação a teto para crédito consignado. Os bancos não gostam dessa ideia, mas o governo está se movimentando.
Presidente Lula: Deixa eu te dizer uma coisa, Jocélio. O problema é que é o seguinte: não é um compromisso de campanha só. É um compromisso de justiça. Você não pode fazer com que as pessoas que ganhem R$ 5 mil paguem imposto de renda, enquanto os caras que têm ações da Petrobras recebem R$ 45 bilhões de dividendos sem pagar imposto de renda. Você não pode cobrar 27% ou 15% de um trabalhador que ganha R$ 4 mil e deixar os caras que recebem herança, que não pagam. É apenas uma questão de justiça.
O povo trabalhador, proporcionalmente, ele paga mais imposto do que o rico. Então, o que nós queremos fazer é isentar aquelas pessoas até R$ 5 mil e, no futuro, isentar mais. Porque, na minha cabeça, a ideia é que salário não é renda. A renda é o cara que vive de especulação. Esse, sim, deveria pagar imposto de renda. Esse que faz transferência de dinheiro para um parente, ou seja, que paga só 4% de imposto de renda, esse, sim, precisa ser cobrado.
Mas o povo trabalhador, o cara trabalha, se mata de trabalhar, chega no final do ano, ele pega a participação no lucro dele, um pouquinho de dinheiro, vai lá, 27% de imposto de renda. E são a maioria. E são eles que sustentam esse país, porque o rico paga, proporcionalmente, menos imposto do que o trabalhador. Então, o que eu quero é fazer esse sentido de justiça e eu acho que nós temos que tirar de alguém. E esse debate, para mim, não tem que ser feito um debate escondido, não. Tem que ser público. As pessoas têm que saber quem paga o que e quanto se paga. É isso que falta nesse país.
A segunda coisa é a questão do crédito consignado. Veja, nós temos dois debates hoje. Nós temos o saque-aniversário do Fundo de Garantia, que é uma coisa que está causando um certo problema na proposta do Fundo de Garantia, mas a gente tem noção que a gente não pode acabar, porque vai mexer com muita gente.
Mas o que a gente quer é fazer com que os trabalhadores da iniciativa privada tenham o direito ao crédito consignado. Quando nós criamos a lei, no começo do meu mandato, era para isso, mas as empresas não quiseram. E, agora, a gente quer fazer isso, sabe, sem nenhum problema e acho que os trabalhadores vão concordar de que se eles tiveram o crédito consignado, eles não precisam comprometer o seu Fundo de Garantia. Porque hoje o trabalhador que recebeu uma parte do Fundo de Garantia, ele não pode retirar, mesmo se ele for mandado embora. É um absurdo. O Fundo de Garantia, quando o trabalhador é mandado embora, ele pode retirar, que é dele o Fundo de Garantia.
Então, nós estamos, tudo isso, Jocélio, tudo isso, a gente quer fazer de forma conversada, acordada. Eu não sei se dá para fazer esse ano ainda. Não sei se dá para fazer porque nós discutimos isso, há muitos meses atrás, mas o ministro do Trabalho fica pesquisando, fica discutindo com a Fazenda e é importante que a gente não tenha pressa de fazer, para não fazer uma coisa errada.
Então, quando a gente mandar o processo, a gente tem que mandar uma coisa que seja plausível e, toda vez, eu faço questão de conversar com as lideranças do Congresso Nacional, porque se a gente não conversar antes com as lideranças, a gente manda um projeto para o Congresso Nacional, chega lá, ele é tripudiado.
Eu vou te dar dois exemplos. Ontem, essa semana, nós lançamos o Combustível do Futuro. É um evento extraordinário que vai trazer muito dinheiro para o nosso país. Muito dinheiro, porque o Brasil é imbatível em assunto de energia renovável. Essa é uma coisa que nós lançamos essa semana, e a outra foi a sanção do projeto. Nós vamos fazer um ato na semana que vem, dia 30, em São Paulo, um ato na semana que vem, dia 18, em São Paulo, sobre o Acredita, que é o maior programa de financiamento de crédito para o povo brasileiro. Que vai desde uma pessoa que recebe o Bolsa Família, que vende cachorro-quente na rua, que vende pipoca aqui no centro de Fortaleza, até os empreendedores que trabalham com Uber, os taxistas, ou seja...
Jornalista Jocélio Leal (Rádio O Povo): A rigor, o governo tem um Crediamigo no Banco do Nordeste, que é o microcrédito, uma experiência exitosa. É algo parecido, é outro nome?
Presidente Lula: É algo parecido. O Paulo Câmara [presidente do Banco do Nordeste], que está administrando com muita competência o BNB, certamente, vai ter que arrumar mais dinheiro para financiar mais gente.
Porque eu tenho uma tese, Jocélio, que é simples. Eu não sou economista, mas eu tenho uma tese que é o seguinte: o dinheiro tem que circular. O dinheiro tem que passar na mão de todo mundo. Se você tem muito dinheiro na mão de poucos, significa pobreza, significa miséria. Mas se você tem pouco dinheiro na mão de muitos, significa distribuição. Então, na medida que todos ganham pouco, todos consomem um pouco, todos geram emprego, todos geram salário, gera desenvolvimento na economia.
Então, o que nós queremos é fazer o dinheiro circular na mão do povo brasileiro, para que ele possa comprar as coisas. E, por isso, esse Acredita é um programa excepcionalmente importante. Inclusive, nós estamos criando um hedge cambial para dar garantia aos estrangeiros que querem investir no Brasil não perder com a valorização cambial.
Nós estamos criando um mercado secundário para habitação. A gente vai financiar a casa para você, que ganha mais que R$ 3 mil, mais que R$ 4 mil, ou seja, para as pessoas que ganham 8, 9, 10 mil, nós vamos financiar a casa também. Porque não é casa só para o pobre. Tem gente que ganha R$ 10 mil que quer comprar uma casa e não quer uma casa de 47 metros quadrados, quer uma casa de 200 metros quadrados, 150. Nós vamos ter que financiar essa gente.
E é por isso que a gente aprovou esse programa. E eu espero que você acompanhe o lançamento desse programa, porque, aqui no BNB, o Paulo Câmara, certamente, vai ser campeão de financiamento, de recurso, porque dinheiro bom é dinheiro na mão do povo. Dinheiro de caixa não vale muita coisa.
Jornalista Jocélio Leal (Rádio O Povo): Presidente, muito obrigado pela entrevista. Teríamos, naturalmente, muito mais questões, mas o senhor tem que partir, é o combinado do nosso tempo. Certamente, o senhor está feliz com a vitória do Brasil ontem, o senhor que é um homem também do futebol. Andou falando do Fortaleza, porque o senhor é corintiano, mas o senhor chegou aqui elogiando o Fortaleza também, para mim, fora do ar.
Presidente Lula: A falar na seleção, deixa eu dizer uma coisa. Eu, há tempos, venho defendendo que deveria se convocar uma seleção brasileira com jogadores que disputam o Brasileirão. Esses dias que eu estive com o presidente da CBF lá em Brasília, eu falei para ele: “Por que não convoca uma seleção só dos jogadores que disputam o campeonato brasileiro?”.
Jornalista Jocélio Leal (Rádio O Povo): Os dois gols de ontem foram do Botafogo, né?
Presidente Lula: É isso, é porque os que estão fora não são melhores do que os que estão aqui. Nós não temos nenhuma sumidade lá fora. Você não tem nenhum Garrincha, nenhum Romário, você não tem lá fora. Você tem um monte de jovens, que, Deus queira, que sejam bem-sucedidos, que sejam craques, mas ainda não são craques. E você tem, aqui, no Brasil jogadores bons, da mesma qualidade.
E ontem foi uma coisa que Deus me ajudou. Ou seja, aquilo que eu venho falando aconteceu. Quem marcou o gol do Brasil ontem foram os dois jogadores que jogam no Brasil e os dois do Botafogo. Ora, então, dê uma chance para os caras que jogam aqui. Dê uma chance, convoque seleção. Convoque até uma nossa seleção dos brasileiros daqui para jogar com os nossos brasileiros convidados de fora.
Ontem, eu sentei no sofá para ver o jogo, estava junto com o Elmano. Sentei para ver o jogo. Eu só conhecia o goleiro e só conhecia aquele zagueiro, que é do Paris Saint-Germain, o Marquinhos, e conhecia aquele Rodrigo, do Real Madrid. E o Rafinha, por causa do cabelo dele, eu o conheci. O restante eu não conhecia nenhum jogador. Nenhum jogador.
Então, não é possível. Coloca os nossos meninos que estão aqui. Certamente o Fortaleza teria alguém para oferecer. Aliás, deixa eu lhe falar uma coisa, já que eu gosto de falar mal e bem dos outros. Eu sou admirador do técnico do Fortaleza. O Vojvoda. Eu achei ele um técnico muito competente, muito competente, e quando o Corinthians tentou levá-lo, eu acho que ele fez bem de não sair.
Jornalista Jocélio Leal (Rádio O Povo): Por que, hein?
Presidente Lula: Porque é o seguinte, você sai para um time grande, que não tem a quantidade de jogadores que precisa ter, e você perde três jogos seguintes, você é mandado embora. E ele continuou no Fortaleza, eu acho que foi um gesto de muita dignidade dele, um gesto de respeito ao povo do Ceará e ao Fortaleza, e ele falou o seguinte: “eu vou mostrar que eu tenho competência aqui”.
E está levando o Fortaleza a uma posição no Campeonato Brasileiro, que nem vocês, que são torcedores do Fortaleza, acreditavam que pudesse ser. Sabe? Eu só não gosto daquele Pikachu que marca gol contra o Corinthians toda hora. Eu não gosto. O jogo está para terminar, o Pikachu vai e marca um gol. Então, o dia que eu encontrar com o Pikachu, vou dar um cascudo nele para ele não marcar mais gol contra o Corinthians.
Jornalista Jocélio Leal (Rádio O Povo): Muito bem. Presidente, muito obrigado pela entrevista, pela atenção. Até uma próxima oportunidade. Bom dia para o senhor.
Presidente Lula: Jocélio, obrigado. Obrigado a você. Obrigado pela direção da Rede Povo, da CBN. E obrigado pela lisura de entrevista. Estou à tua disposição. Ou presencialmente, ou por telefone, ou virtualmente, quando você sentir necessidade, ligue que a gente faz a entrevista. Um abraço, obrigado.
Jornalista Jocélio Leal (Rádio O Povo): Um abraço, muito obrigado. Conversamos com o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, ao vivo, pela sua Rádio Povo CBN, e também em rede com a Rádio Povo CBN Cariri. São 9h56.