Entrevista do presidente Lula à Rádio Mirante News (MA)
Jorge Aragão (Rádio Mirante News): O maior São João do Brasil é aqui. Mês de junho, Seja bem-vindo e boa tarde.
Presidente Lula: Eu não sabia, Jorge. Eu pensei que São João era em Caruaru e Campina Grande.
Jorge Aragão: Não, está perdendo para a gente, presidente. Está perdendo.
Presidente: Mas, Jorge, eu estou, de forma muito prazerosa fazendo essa entrevista com você, porque fazia tempo que eu não vinha ao Maranhão e eu tenho discutido com o Brandão [Carlos Brandão, governador do Maranhão] a necessidade de a gente começar a colocar as obras que nós anunciamos, sabe, para acontecer. Porque é muita coisa e o mandato é curto. Ele nem acabou de ganhar, já está deixando, já está pensando em outra coisa.
E eu acho que o Brasil tem uma dívida com o Brasil mesmo. Ou seja, durante os governos anteriores, eu poderia dizer, desde o impeachment da companheira Dilma Rousseff, é que esse país ficou paralisado. Só para você ter ideia, nós encontramos 87 mil casas do Minha Casa, Minha Vida que tinham começado em 2012, 2013, paralisadas.
Ontem, eu fui inaugurar em Fortaleza 416 casas que, em 2018, elas estavam com 98% prontas. Era só entregar. Pois não entregaram. Seis anos depois eu fui entregar. Ou seja, sem dó e sem piedade com o povo que não pode ver as obras paradas. Seis mil creches paralisadas. Várias UBS, postos de saúde, unidades médicas, ou seja, o país ficou atrofiado porque o país foi tomado por um momento único no Brasil, que era o momento da mentira, o momento da fake news, o momento da provocação. Um presidente que não conversava com nenhum governador, que ia para os estados e ofendia os governadores. Um presidente que não tinha projeto.
Então, eu estou feliz, porque eu estou aqui no Maranhão para dizer o seguinte: não apenas o Lula voltou, mas eu voltei para fazer as coisas que precisam ser feitas pelo povo do Brasil e pelo povo do Maranhão. E estou muito mais feliz porque o Brandão tem sido um extraordinário parceiro. Você sabe que aqui o estado tem três ministros e tem o ministro da Suprema Corte.
Jorge Aragão: Chegamos a ter quatro ministros na sua equipe, né?
Presidente Lula: Então, veja, eu acho que é um momento único. Eu estou muito otimista. Eu tenho conversado muito com o governador. E acho que o Maranhão está mudando o patamar de qualidade. Se Deus quiser, daqui a algum tempo, a gente vai olhar para o Maranhão e a gente já não vai ver mais o país pobre, o estado pobre. A gente vai ver o estado em via de desenvolvimento, gerando emprego, renda. O estado digitalizado, em que as pessoas possam usufruir da evolução tecnológica do planeta Terra.
Jorge Aragão: Apesar de estar no mês festivo, o senhor não veio a passeio. O senhor vem para trabalhar e para fazer anúncios importantes. O governador Carlos Brandão, ontem, já deu um spoiler do que vai ser anunciado. Mas o que o senhor pode dizer para o povo do Maranhão, para o estado do Maranhão, que vai, mais uma vez, para parceria com o governo do estado e o governo federal, que vai ser anunciado?
Presidente Lula: Ô, Jorge, eu estou vindo do Rio de Janeiro. Nós levantamos ontem, 5h30 da manhã, no Rio de Janeiro. Fomos para o Ceará. No Ceará, nós fizemos uma atividade imensa. Depois, eu tinha uma reunião com os nove governadores do Nordeste. Depois, nós fomos, hoje de manhã, em Teresina. E, agora, aqui no Maranhão. Não tem tempo para passear. Não tem tempo para passear. É pra trabalhar mesmo, porque o povo está precisando que a gente entregue as coisas.
Então, o que nós viemos fazer aqui? Veja, nós vamos retomar, por exemplo, um programa que é o Programa Luz para Todos. Nós vamos renovar a concessão do Porto do Itaqui, porque é um porto extremamente importante para o Maranhão e para o Brasil. Nós vamos começar outra vez fazer uma coisa que o meu governador queria, que era uma tal de uma via litorânea, que não estava no PAC. Mas ele foi lá em Brasília, ‘presidente Lula, eu não coloquei no PAC. Mas a obra é muito importante para o Brasil, presidente, para o Maranhão. O povo do Maranhão merece. Tem um trânsito muito ruins. As pessoas não conseguem passar lá. Demoram três horas para chegar em casa e tal...’
Aí, ele falou comigo. Eu falei: “oh, Brandão, eu vou tentar resolver isso. Vou conversar com o meu ministro, o Silvio, ou melhor, o Rui Costa [ministro da Casa Civil]’. Aí, de tarde, era um domingo de tarde, eu liguei para o Sarney [José Sarney, 31º presidente do Brasil 1985-1990] e falei: “Presidente, eu estou afim de ir na sua casa tomar um café com o senhor e com a dona Marli.” Aí, fui, levei dois bolos. Um bolo de fubá e um bolo de macaxeira, para tomar um café. Cheguei lá e nem falei boa tarde, o Sarney falou: “Presidente, o senhor precisa ajudar o governador do Maranhão. Aquela via litorânea é muito importante e tal". Aí, eu cheguei na segunda-feira no governo, chamei o Rui Costa e falei: "Rui é o seguinte: Vamos atender o nosso companheiro do Maranhão, porque o Maranhão merece. E São Luís, sobretudo, merece o que a gente puder oferecer de melhor".
Então, nós vamos anunciar, que é uma grande obra. Nós estamos, Brandão, essa é uma novidade para você. Eu acho que nós estamos perto de concluir um acordo em que a gente vai resolver, de uma vez por todas, o quilombo, sabe? Aqui em Alcântara. Está tendo um acordo com a FAB, a Advocacia Geral da União, e eu acho que nós vamos contemplar todo mundo e vai viver em paz naquela região, com as pessoas podendo pescar à vontade no mar, sem atrapalhar os foguetes, e sem os foguetes atrapalharem eles.
Então, nós viemos anunciar muita coisa. Viemos anunciar mais três universidades, mais três escolas técnicas aqui no estado. Viemos anunciar mais investimento na universidade, sabe? Viemos anunciar mais quase 10 mil [unidades habitacionais do] Minha Casa, Minha Vida, que dependendo do acordo que o Brandão faça com o ministro das Cidades, a gente pode fazer casas em faixas superiores a faixa 1 ou 2, que são as mais pobres. A gente pode fazer casa maior para setores médio, que é uma casa de 90 metros quadrados, de 100 metros quadrados. Então, vamos anunciar um programa de digitalização das escolas, os postos de saúde. Vamos entregar 55 mil chips para os alunos aqui do Maranhão. Então, essas coisas... E tem mais, e o Fufuca [André Fufuca, ministro do Esporte] vai anunciar não sei quantas quadras que vai anunciar hoje 31, sabe, arenas. Então, é o seguinte, as coisas estão acontecendo. As coisas vão acontecer, e é por isso que eu vim aqui. Eu estou agora, vou viajar o Brasil inteiro, e acho que as coisas vão acontecer.
Eu não me conformo, é importante você saber disso, eu não me conformo com o retrocesso que o país houve. Você veja uma coisa. Teve setor público que ficou sete anos sem receber reajuste de salário. Sete anos! As universidades que fizeram greve agora, eles sabem que nós demos 9% no primeiro ano, sem que pedissem. Nós demos 9% depois de seis anos sem um centavo de aumento. Depois, os benefícios que nós oferecemos, mais de 28% a 43%. Aí o pessoal queria 4,5%. 4,5%, não, não podemos sair sem nada. Já ganharam em 2023. Nem me agradeceram 9%, e já estão cobrando mais 4,5.
Então, nós vamos tratar isso da forma mais harmônica possível. Eu acho que é preciso melhorar sempre o salário das pessoas. E eu estou muito feliz, estou vivendo um momento muito, muito importante nesse país, porque nós vamos fazer tudo o que for necessário.
Eu tomei uma decisão, Jorge, quando eu ganhei as eleições, porque eu já tinha feito o PAC 1, em 2007, em fevereiro de 2007. Depois, quando eu fui apoiar a campanha da Dilma, eu preparei um PAC 2 para que a Dilma não tivesse que começar fazendo tudo de novo. Então, a Dilma recebeu da minha mão um PAC 2. E ninguém deixou nada para mim. Deixaram obras paralisadas do PAC 2. Então, quando eu assumi, eu falei: “Bom, a novidade é o seguinte, eu vou chamar os 27 governadores de estado em Brasília”. E chamei todos. Brandão estava lá. Os que gostam de mim, os que não gostavam de mim. Todos serão tratados em igualdade de condições. Caiado [Ronaldo Caiado, governador de Goiás], Tarciso [Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo], Zema [Romeu Zema, governador de Minas Gerais], o Ratinho [Ratinho Júnior, governador do Paraná], ou seja, todo mundo.
“Eu quero que vocês me entreguem as obras que vocês entendem que são prioritárias para o estado de vocês, que nós vamos fazer uma oferta de construir um novo programa de aceleração do crescimento”. Os governadores fizeram a proposta, nós assumimos um PAC, que é de um trilhão e setecentos bilhões para o Brasil, e só aqui no estado do Maranhão é um PAC que prevê investimento de 94 bilhões de reais. Não é pouca coisa. Você, que é um jornalista bem informado, um advogado bem informado, veja em algum momento que o governo vier aqui anunciar que tem 94 bilhões destinados para as obras de infraestrutura no estado do Maranhão.
Jorge Aragão: Presidente, a gente, com a cessão do Flávio Dino para o STF, convite formulado pelo senhor, a gente ficou com dois ministros. É o ministro do Esporte, André Fufuca, e da Comunicação, Juscelino. A avaliação que dá para fazer dessas duas partes, comandada por dois maranhenses, e tem até a Sônia Guajajara [ministra dos Povos indígenas], mas como ela está deputada federal de São Paulo... Queria que a gente...
Presidente Lula: Não, mas a Sônia continua sendo maranhense, sabe? E deixa eu falar, Jorge, para você. Eu tenho muito orgulho com as pessoas que eu convidei para trabalhar no governo. Por quê? Porque muitas vezes existe muito preconceito. ‘Ah, fulano de tal é de um partido conservador, fulano de tal...’ Eu lembro que quando eu indiquei o Lobão [Edison Lobão] para ser ministro de Minas e Energia, havia algumas pessoas do meu partido... ‘Mas o Lobão, o Lobão, que era de extrema-direita...’ Pois o Lobão, meu caro, foi uma figura excepcional no meu governo. Era um quadro político refinado para discutir qualquer assunto, em qualquer área. E o mesmo acontece com os ministros hoje.
Eu estou feliz com o Fufuca, estou feliz com o Juscelino [Juscelino Filho, ministro das Comunicações], estou feliz com a nossa Sônia Guajajara. Você poderia me perguntar: ‘mas tem um problema de indiciamento com o Juscelino...’ E deixa eu dizer uma coisa para você, com muita sinceridade. Eu tenho uma filosofia de vida que é o seguinte: “Para mim, todo cidadão é inocente até provem o contrário”.
Se o cidadão tem um pedido de indiciamento e esse indiciamento ainda não foi concedido pela Corregedoria Geral e nem pela Suprema Corte, eu tenho que aguardar o processo. Eu tenho que aguardar o processo. Você sabe o que eu falo com os meus ministros quando acontece uma denúncia contra eles? Eu chamo ele na minha sala e falo o seguinte: “Olha, a verdade absoluta só você que sabe. Ninguém sabe, é você e Deus. Então eu quero que você me diga, você fez ou não fez? Se você fez, meu caro, peça licença e vá embora. Se você não fez, brigue, brigue.”
Porque se a gente não brigar, a gente é destruído, sem auto direito, sem o seu direito de defesa. E como eu sou um cara, e você é advogado e sabe a importância da presunção de inocência, eu trabalho sempre com a ideia que nenhum ser humano é totalmente mau. Ele pode ter um lado mau, ele pode ficar mau, mas também tem coisa boa. Então, eu acho que o Juscelino está prestando um bom serviço no governo, está trabalhando com esse negócio de interconectar o Brasil todo, conectar o Brasil em todas as escolas públicas, em todas as redes de saúde, porque é disso que o Brasil precisa para poder dar um salto de qualidade e tratar bem o seu povo.
Jorge Aragão: Presidente, a gente está com uma expectativa aqui muito grande. O governador Carlos Brandão tem trabalhado com isso, a bancada federal, em especial até o deputado Pedro Lucas, também da União Brasil, sobre a Margem Equatorial, que a gente está esperando que seja um novo Pré-Sal. Como é que está essa situação, presidente?
Presidente Lula: Nós vamos explorar a Margem Equatorial. Não tem porquê. Você tem a Guiana, Suriname, Trindade e Tobago encostados na área que o Brasil tem. Você tem mais a Venezuela, que tem muito petróleo. E o Brasil não vai deixar de certificar, porque, por enquanto, não é explorar. O que nós queremos é fazer um processo de medição para a gente saber se tem e qual a quantidade de riqueza que tem lá embaixo. E se tiver, nós temos uma coisa, que é o seguinte: a nossa Petrobras é a empresa de maior competência tecnológica para explorar petróleo em águas profundas.
Eu não esqueço nunca, quando eu fui anunciado do Pré-Sal, em fevereiro de 2007, entra o Gabrielli [Sérgio Gabrielli, ex-presidente da Petrobras] e o Estrella [Guilherme Estrella, diretor de Exploração e Produção da Petrobras] na minha sala, ‘presidente, encontramos uma mina de ouro a 5 mil metros de profundidade, na camada do Pré-Sal’. Ou seja, você tem dois quilômetros de água, dois quilômetros de terra, depois mais dois quilômetros de sal, para depois chegar no petróleo. Aí, quando nós anunciamos, o que os pessimistas desse país diziam? “Não, mas agora achou, mas não vai poder explorar, porque é muito caro, porque é muito não sei das quantas, não dá.”
A competência da Petrobras está trazendo hoje petróleo do Pré-Sal a uma diferença de menos de um dólar do barril de petróleo da Arábia Saudita, em que é o caso da flor da terra. Numa demonstração, e depois não tem um incidente na Petrobras. A Petrobras é uma empresa altamente respeitada, e nós, obviamente, que temos que compatibilizar isso com a questão ambiental.
Agora, quando a gente fala Margem Equatorial, quando a gente fala, o pessoal fala, mas é perto da Amazônia. É o seguinte, é 575 quilômetros da margem do Amazonas. 575 quilômetros. Ou seja, como uma distância enorme, e a gente vai fazer isso com primeiro, se certificar, e depois, se a gente for explorar, como vai explorar e quais são os cuidados que nós temos que ter. Porque eu acho que o combustível fóssil está entrando numa rota de colisão com a modernidade e as inteligências do mundo.
Eu acho que nós, no Brasil, temos outra chance extraordinária, Jorge, que é a transição energética. É mudar a matriz da energia para a eólica, para a solar, para a biomassa, continuar com a nossa (incompreensível), e o hidrogênio verde, que é um sonho de todos os governadores do Norte e do Nordeste. Então, eu quero dizer para vocês o seguinte: Nós vamos estudar o nosso Pré-Sal na Margem Equatorial. Pode ficar certo que nós vamos explorar.
Jorge Aragão: Presidente, eu estou falando um pouco em dólar. Eu li essa semana que teve uma desvalorização do real frente ao dólar. Saiu da sétima para a quinta posição. Isso é algo que possa preocupar o governo?
Presidente Lula: Olha, não preocupa o governo, porque quando você é governo e você tem um problema preocupante, você tenta mudar esse problema. Veja, nós estamos com um problema sério, Jorge. Veja o negócio, eu já fui eleito presidente da República há um ano e sete meses. E o presidente do Banco Central é um adversário político, ideológico e adversário do modelo de governança que nós fazemos. Ele foi indicado pelo governo anterior. E faz questão de dar demonstração de que, olha, ele não está preocupado com a nossa governança. Ele está preocupado é com o que ele se comprometeu.
Bem, nós estamos chegando no momento de trocar o presidente do Banco Central. Nós vamos ter que indicar ele, vamos ter que indicar outras pessoas. Nós vamos ter que tirar ele e indicar outras pessoas. E eu acho que as coisas vão voltar à normalidade, porque o Brasil é um país de muita confiabilidade. O Brasil é o quarto país com reserva internacional do mundo. Uma reserva que começou no nosso governo em 2005, que nós chegamos a 370 bilhões de dólares de reserva. Mais do que nós na época, só a Arábia Saudita e os Emirados Árabes.
Então, nós estamos tranquilos. Ou seja, esse nervosismo especulativo que está acontecendo não vai mexer com a seriedade da economia brasileira. Os nossos bancos públicos estão emprestando muito dinheiro. Muito dinheiro. O BNB, que não emprestava dinheiro para o estado e para o município, está emprestando dinheiro. A Caixa Econômica está emprestando muito dinheiro. Só para você ter ideia, a Caixa Econômica e o Banco do Brasil, nesse período que nós estamos conversando aqui, os dois sozinhos têm mais carteira de crédito do que os três bancos grandes do Brasil privados juntos.
Porque os bancos não querem emprestar dinheiro. Os bancos querem especular. Os bancos querem ganhar com a taxa de juros. E, toda vez, que os americanos estão tentando mudar a taxa de juros, e não muda, e aumenta ou fica como está, cria um problema. Lamentavelmente é assim. Como o dólar é uma economia que só tem um lugar aqui, tem a máquina que fabrica ele, e quando os americanos mexem, ele mexe aqui. Mas nós já provamos uma vez que é possível consertar e vamos consertar.
Jorge Aragão: Presidente, a gente tem visto ao longo dos últimos anos um embate, principalmente do Congresso com o STF. Mais recente agora está a votação do aborto ao mesmo tempo no Congresso. Como é que o senhor tem acompanhado isso como político experiente?
Presidente Lula: Olhe, eu acho que nós tivemos um momento na política brasileira, Jorge, que você tinha um presidente que não respeitava nenhuma instituição democrática. Mas nenhuma. Ele não respeitava sindicatos, não respeitava associações, não respeitava federação de empresários, não respeitava confederações. Ele, na verdade, respeitava aquilo que foi a criação dele, ou seja, a transmissão do ódio, da desavença, do confronto. Foi assim que ele começou a brigar. Você veja um negócio: Ele tinha um assessor intelectual que morreu nos Estados Unidos. Eu não lembro o nome dele. O intelectual que morava nos Estados Unidos...
Assessor: Olavo. Olavo de Carvalho. Olavo de Carvalho.
Presidente Lula: O André, você que é intelectual, não me assessora? O Olavo de Carvalho vendia a ideia, e tinha 55 milhões de seguidores, que a Terra era plana. Então, esse tipo de gente governou o país, cara. Então, depois de a gente ter provado, no mundo inteiro, que as urnas eletrônicas são as urnas mais seguras que tem, esse cidadão levantou suspeita na sociedade de que as urnas erravam e que ele perdeu as eleições por causa das urnas eletrônicas.
Então, esse cidadão... Teve a Covid. A Covid tem uma base científica. A base científica dizia qual era o remédio que era para a Covid. Ele inventou um remédio. Vendeu esse remédio. Fez os laboratórios das Forças Armadas produzir um remédio que era proibido para o Covid e teve quase 750 mil pessoas que morreram. Metade poderia estar viva se a gente tivesse feito as coisas corretas. Então, nós tivemos esse momento que foi criando um clima de instabilidade. Então, quem não pensava como eles era inimigo. E aí, virou inimigo cada ministro da Suprema Corte. Jorge, eu faço política há 50 anos. Eu não lembro em algum momento que alguém de esquerda agrediu a Suprema Corte, que alguém ofendeu o ministro. Eles xingam. E vão na casa. E fazem provocação. Isso não existia no Brasil.
Então, nós estamos tentando reequilibrar a economia, a política brasileira. Essa loucura do cara que falou do aborto, é uma coisa de uma insanidade tão grande, sabe? Que o cidadão criar a ideia de quem foi vítima do aborto tem que pegar uma pena maior do que o cara que praticou o aborto é uma coisa impensável para uma pessoa de juízo perfeito. Então, nós temos que enfrentar esse debate. Temos que discutir esse debate. Eu tenho dito para a bancada que defende o governo lá que a gente não pode ficar receoso. Nós temos que ter coragem de debater. Temos que ter coragem de discutir e divergir. Foi assim, por exemplo, a questão da saidinha.
Jorge Aragão: Sim.
Presidente Lula: A questão da saidinha. Ora, a saidinha é uma coisa que já existe há muito tempo. E muita gente sai para visitar a família em determinadas épocas do ano. E eu acho que como a família, na minha cabeça, é a base elementar da construção de uma sociedade democrática, e você tem um filho preso, uma irmã presa, um irmão preso, um pai preso... Ora, se esse cara não cometeu crime hediondo, se esse cara não cometeu estupro, qual é o problema desse cara que está cumprindo pena e vem visitar a família para a família ajudá-lo a recuperar?
Ora, nós que somos cristãos defendemos tanto a família. Como é que a gente tenta evitar que a família atenda uma pessoa que está necessitando da família? Porque quando você prende um cidadão, você prende na perspectiva de que você pode recuperá-lo. E se você pode recuperá-lo, nada melhor do que permitir que esse cidadão, de quando em quando, venha ver mulher, filho, venha ver marido, filho, venha ver pai, mãe. Ou seja, é uma coisa elementar. Mas, aí, a covardia fez com que a pessoa, não porque a saidinha é para liberar preso, que muita gente foge e não volta, é mentira. Não tem muita gente que foge. Se tiver 1% é muito. Ou seja, a proporção de quem não volta é muito pequena. Então, como eu sou um cidadão, sabe, democrático, cristão, e tenho uma família maravilhosa, eu tenho cinco filhos, oito netos e uma bisneta, sabe, eu, contra a vontade da minha bancada, que era contra o veto, eu vou vetar por uma questão de princípio. Quando eu morrer, o que vai ficar na minha biografia são as atitudes que eu tive, sabe, nesse país, no campo político. Então, estou muito tranquilo com relação a isso. Acho que tem um certo nível de ofensas pessoais dentro do Congresso Nacional. Uma semana dessa eu liguei para o Lira e falei que é preciso colocar um limite nas pessoas, porque as pessoas, daqui a pouco vai acontecer uma desgraça dentro da Câmara ou do Senado. E acho que todo mundo está preocupado com isso. Mas o que nós temos que respeitar? Que essas pessoas que estão lá foram eleitas nas últimas eleições. Eu sempre fico rezando que nas próximas eleições o povo consiga melhorar o nível das pessoas que eles elegem.
Jorge Aragão: Falando em próximas eleições, ainda há pouco o senhor deu um spoiler, que o governador Brandão já está pensando, foi reeleito, já está pensando em outra eleição. E é uma coisa que as pessoas não conseguem compreender. Não é só a figura do Lula, mas o PT sempre foi muito bem votado. Foi o senhor, foi a Dilma, foi o Haddad. E o PT não consegue ter grandes votações de deputado estadual, deputado federal aqui no Maranhão, e nunca teve um governador. Hoje, o atual vice do governador Carlos Brandão, é Felipe Camarão, homem de confiança também do governador. E se o Brandão, porventura o governador sair para Senado, ele naturalmente será o governador do estado e teria o direito de uma reeleição. É um objetivo, de repente, o PT passar também a administrar o Maranhão?
Presidente Lula: Olha, deixa eu te explicar uma coisa. O PT, desde que começou a ter eleições presidenciais nesse país, o PT só tinha nove anos de vida quando a gente disputou em 89, com o Collor, com o Maluf, com o Ulysses Guimarães, com o Aureliano Chaves, com Afif Domingos, um monte de gente importante. Eu era o magrinho. Eu era o metalúrgico que era candidato a presidente. Então, em 89, o PT foi o segundo colocado. Em 94, o PT foi o segundo colocado. Em 98, o PT foi o segundo colocado. Em 2002, o PT foi o primeiro colocado. Em 2006, o primeiro colocado. Em 2010, o primeiro colocado. Em 2014, o primeiro colocado. Em 2018, o segundo colocado. Em 2022, o primeiro colocado.
Então, o PT está na política como o Real Madrid está na Champions League. Sabe? Ou seja, o PT está assim. Ou seja, ou nós somos campeão ou somos vice. Sabe? E eu acho que tem uma razão de ser. É porque o PT é o único partido nacionalmente organizado que funciona como partido, que tem centralismo, que a direção nacional decide e as coisas acontecem. Os outros partidos não são partidos nacionais, são caciques tribais. Então, você tem a tribo do Maranhão, a tribo de São Paulo, a tribo de Pernambuco, a tribo da Paraíba, a tribo do Espirito Santo, a tribo do Rio de Janeiro, mas o PT é um partido. O PT é um partido. O PT não tem só caciques locais. Eu lembro que quando o doutor Ulysses Guimarães foi candidato em 89, não havia ninguém que tivesse competência política, que não imaginasse que o Ulysses Guimarães ia ser presidente da República, pela pujança da aprovação daquela Constituição no dia 5 de outubro de 1988.
E eu tenho o prazer de dizer para você, Jorge, eu estava lá como deputado constituinte, que era a única vez que eu quis ser deputado, foi essa. Eu falei: “Pô, quem é que vai ganhar desse senhor das diretas? Quem é que vai ganhar desse cidadão?” O Ulysses Guimarães já teve 5% do voto. Por quê? Porque nos estados as pessoas não apoiaram o Ulysses Guimarães. O Ulysses Guimarães me disse uma coisa, Brandão, que é triste. Me disse o seguinte: “Ô Lula, quando eu comecei a campanha, eu ia gravar programa de televisão, iam 100 pessoas comigo. Quando eu não cresci, Lula, eu às vezes ia sozinho. Não tinha ninguém para me acompanhar.”
Então, o PT virou uma coisa grande. Se você fizer uma pesquisa em qualquer estado, em qualquer lugar, e você perguntar qual é o partido de preferência nacional, você vai perceber que o PT aparece com mais de 20, e o segundo colocado não aparece com dois. Porque não tem cultura. Não tem cultura política partidária no país. O Sarney que me disseram uma vez, “Ô Lula, você tem que saber que o Brasil não tem cultura de partido nacional. Os partidos são regionais.” E é assim que esse país viveu até o surgimento do PT. E eu espero que a gente contribua para mudar para melhor a política brasileira.
Jorge Aragão: Presidente, queria lhe agradecer, o senhor tem compromisso. Obrigado pela gentileza de estar aqui, conversado com a gente. Vamos tomar uma última pergunta de futebol. Corinthians cai ou não cai?
Presidente Lula: Ô Jorge, eu vou lhe contar uma coisa. Eu sou corinthiano desde os 7 anos de idade. Quando eu cheguei de Pernambuco, em 1952, eu poderia ter virado santista, porque eu fui morar em Santos. Mas o Corinthians foi campeão do quarto centenário em 1954, e eu virei corinthiano. Eu sou fanático pelo Corinthians, mas, sinceramente, hoje eu estou mais maduro, sou menos fanático. A razão prevalece sobre a emoção, no caso do futebol. Eu acho que o Corinthians não se preparou. Não se preparou. Não se preparou, então, o Corinthians, obviamente, que corre o risco de cair. O cara já está na zona do rebaixamento, não marca gol, quando marca gol, dois jogos, marcou dois a zero e deixou o adversário empatar. E dois jogos com dois gols contra. Assim, não é possível. Você não marca no gol do adversário e deixa os outros marcarem no seu gol ou você mesmo marca, não vai. Então, eu estou triste com o futebol brasileiro. Eu vou te contar uma coisa. Eu assisto muito futebol. A única coisa que eu vejo na televisão é futebol. Então, eu vejo o Campeonato Inglês, os melhores jogos. Eu vejo o Campeonato Espanhol, é o melhor. Eu vejo o Campeonato Francês, acompanho a Bundesliga, fico acompanhando o Bayer Leverkusen, o Borussia Dortmund. Fico acompanhando o Bayern de Munique. E quando a gente vê esses times jogarem no mundo, e depois se liga a televisão no Campeonato Brasileiro, é muito triste.
Jorge Aragão: Parece outro esporte.
Presidente Lula: Parece outro esporte, é isso. É isso. Então, eu acho que nós temos que evoluir. O Brasil teve uma coisa importante na Copa do Mundo, que o Brasil é hoje um dos países que tem a melhor qualidade de estádios nesse país. Mas, lamentavelmente, o nosso jovem, que antigamente nascia no interior, ia jogar num time grande, e o primeiro sonho era ir para um time grande. O segundo sonho era ir para a Seleção Brasileira. Hoje, não. Hoje, o sonho de um jovem é, se for bom e bola é jogar na Europa. A Seleção, é o que menos importa. Eu estava vendo a Seleção Brasileira jogar esses dias, eu não conhecia nenhum jogador.
Jorge Aragão: Porque sai cedo, né?
Presidente Lula: Então, não há ligação entre a Seleção e a sociedade brasileira. Era preciso que essa molecada viesse, tivesse um contato com o Brasil, o torcedor conhecesse ele. Não. Mas, um é convocado, está na reserva na Inglaterra. O outro é contratado, está na reserva na Espanha. É assim que é a Seleção. Não são os melhores do Brasil, como antigamente. Você chegava para escolher a Seleção, terminava o Campeonato Brasileiro, você escolhe os melhores jogadores do Campeonato e coloca para a Seleção. Era assim que a gente fazia a Seleção. Agora não. Agora quem é convocado é quem está no exterior. Não é mais quem está aqui no Brasil. Então, esse dia eu encontrei com o presidente da CBF e eu falei para ele: “Cara, está na hora de vocês fazerem um teste. Está na hora de terminar o Campeonato Brasileiro. Vocês convocarem uma reunião, convocarem uma Seleção com os 22 melhores jogadores brasileiros.” Faça uma enquete na imprensa esportiva e vamos escolher o melhor goleiro, o melhor o melhor lateral esquerda, o melhor ponta esquerda. E vamos montar um time nosso, das pessoas que não esqueceram de falar português, das pessoas que sabem que tem favela, que tem desgraça, que tem, sabe? Então, eu acho que é um pouco isso. Eu acho que a gente tá perdendo identidade. Eu lembro de uma cena, eu vou terminar isso agora, da Copa do Mundo de 2006. O Ronaldinho tava no auge da carreira dele no Barcelona. O Ronaldinho fazia de tudo e um pouco mais. Aí eu lembro de uma frase, que não sei se foi o irmão dele que falou: “É, já vem essa coisa da Seleção atrapalhar a vida do meu irmão.” Ou seja, ir pra Seleção era atrapalhar a vida de um cara, sabe, que queria fazer publicidade. Depois, o Felipão teve conversando comigo e falou: “Lula, o problema é que esses jogadores passavam a metade do tempo fazendo publicidade, gravando filme, gravando, sabe?” Não era mais aquela, aquele, aquele...
Jorge Aragão: Aquele desejo, que o Zagallo representou muito, né?
Presidente Lula: Eu lembro que o Felipão me contou uma coisa, que é o seguinte: “Ô Lula, eu fiz um acordo com a Globo, aquela jornalista da Globo que cobriu a Copa de 2002. Eu fiz um acordo com a Globo, a Globo me mandava, sabe, imagens, sabe, de índios, imagens dos indígenas, sabe, na comunidade deles, de gente na favela se mobilizando. E na hora do jogo, na preleção, eu mostrava aquilo pro jogador. Eu dizia: ‘é pra esses aqui que você tem que ganhar a Copa do Mundo. ´É pra esses que você tem que jogar, não é pro patrocinador, sabe?’ Então eu acho que eu, eu, eu sou mais crítico ao futebol brasileiro hoje, porque é menor, lamentavelmente é menor.
Jorge Aragão: Presidente, obrigado pela gentileza.
Presidente Lula: Obrigado a você, Jorge, foi um prazer imenso ter essa conversa aqui. Quando você quiser dar uma conversa comigo, não se faça de rogado não. Pega o telefone e liga pro meu assessor de imprensa. “Olha, eu queria colocar o Lula agora”. Eu não preciso vir aqui. A gente vai lá pelo, pelo, pelo telefone.
Jorge Aragão: Foi um prazer, presidente.
Presidente Lula: Tá bem. Obrigado. Um abraço, Jorge.
Jorge Aragão: Um abraço. E a gente termina assim, na EBC e na rádio Mirante News FM, 104,1, a entrevista com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.