Entrevista do presidente Lula a jornalistas depois da Cúpula do Mercosul em Assunção, no Paraguai
Pergunta: Presidente, faz um saldo do Mercosul, por favor.
Presidente Lula: Primeiro, eu acho que foi muito importante a reunião do Mercosul, porque ela tem perspectivas extraordinárias de novos acordos. Eu estou muito otimista com relação ao possível acordo com a União Europeia. Eu estou muito otimista com a possibilidade de a gente construir um acordo com a China. Nós trouxemos o Panamá para participar e o Panamá está pensando em entrar no Mercosul. Participou — interessante que a Guiana, que representa o Caricom, participou nessa reunião. E transferimos a Presidência para o presidente do Uruguai, que eu espero que tenha a mesma sorte que o Santiago (Santiago Peña, presidente do Paraguai) teve, de fazer com que o Mercosul continue se fortalecendo.
Você sabe que eu sou muito otimista com relação ao nosso processo de integração. A gente às vezes anda um passo, às vezes recua um passo, mas o dado concreto é que tem uma consciência política hoje de que juntos nós temos muito mais chances de formarmos um bloco, sabe, economicamente forte, politicamente respeitado e do ponto de vista cultural, para ser levado muito a sério. É isso que aconteceu.
Pergunta: Presidente, a ausência do Milei [Javier Milei, presidente da Argentina] não atrapalha a integração do bloco?
Presidente Lula: A ausência de um presidente não atrapalha se o país está presente. Eu acho que quem perde não comparecendo não são os que vieram, é quem não veio. Quem não veio desaprende um pouco, quem não veio não sabe o que está acontecendo. Eu acho que eu sempre que tenho uma reunião com outros Chefes de Estado eu faço questão de participar porque eu sempre estou aprendendo alguma coisa. Eu sempre converso com gente que está mais preparada do que eu.
Então, eu acho que como nós somos um bloco em construção de países em vias de desenvolvimento, apesar de fazermos parte do Sul Global, eu acho que quem perde é quem não vem. Uma bobagem imensa, um presidente de um país importante como a Argentina não participar da reunião com o Mercosul. É triste, é triste para a Argentina. Agora uma coisa é verdade: nós, do Mercosul, vamos tentar, estamos trabalhando o fortalecimento do Mercosul com a Argentina. Porque nós acreditamos na importância da Argentina. A Argentina é um país extremamente importante para o sucesso do Mercosul. E aí se o presidente participa ou não, não interessa. O que interessa é o seguinte: é que o povo argentino precisa do Mercosul. E o Mercosul precisa do povo argentino.
Pergunta: E o fato de ele ter ido para a CPAC no final de semana, o Javier Milei? O que ele falou lá.
Presidente Lula: Não sei. Sinceramente, é o tipo de reunião que não me interessa, sinceramente. Eu acho que no final, acho que no final das contas, o presidente da República perdeu tempo fazendo uma coisa de extrema direita tão desagradável, é tão antissocial, é tão antipovo, é tão antidemocrático. Eu não sei o que as pessoas ganham participando disso.
Pergunta: O que aconteceu no Reino Unido e na França, é uma resposta para esses conservadores?
Presidente Lula: Aí sim, agora você fez a pergunta inteligente. Agora você fez a pergunta. Eu, primeiro, estou muito feliz com a vitória do Labour Party na Inglaterra. É uma coisa muito interessante, há 14 anos que eles estavam afastados do governo, e eles agora voltaram ao governo e voltaram com a maioria avassaladora. Ou seja, acho que nem eles mesmo esperavam tanta força no processo eleitoral, é um avanço importante.
E depois, o que aconteceu na França é aquela coisa maravilhosa do que representa a democracia. Ou seja, quando parecia que tudo estava confuso, quando parecia que tudo estava dando errado, eis que o povo se manifesta e o povo vem para a rua e diz: nós queremos, sabe, que os setores democráticos continuem governando a França, a gente não quer extrema direita, a gente não quer fascista, a gente não quer nazista, a gente quer democracia. Foi isso que aconteceu na França, então estou muito feliz.
Agora espero, espero que o meu amigo Macron (Emmanuel Macron), que o meu amigo Mélenchon (Jean-Luc Mélenchon, líder de esquerda na França) que o meu amigo François Hollande (ex-presidente da França) e que tantos outros companheiros da França se coloquem de acordo para montar um governo que possa atender aos interesses do povo francês. É isso que eu espero, eu acho que foi uma coisa muito importante nesse final de semana, que aconteceu no mundo, e tudo que acontece na França é tudo muito importante porque todos nós somos um pouco filhos da Revolução Francesa.
Pergunta: Presidente, em relação às eleições nos Estados Unidos? E a Bolívia?
Presidente Lula: Olha, eu espero que a gente possa fortalecer um pouco a relação Brasil e Bolívia. O Brasil tem 3.600 km de fronteira com a Bolívia. A Bolívia é um país importante. A Bolívia é um país que o Brasil precisa ajudar a Bolívia a se desenvolver, a se industrializar. Nós precisamos discutir como é que vai se explorar os materiais, os minerais críticos que a Bolívia tem, como é que vai se utilizar todo o potencial mineral da Bolívia, o potencial de gás. E o Brasil pode ajudar, ajudando a Bolívia a explorar, mas também ajudando a desenvolver a Bolívia, porque é preciso gerar desenvolvimento.
No caso do Brasil, eu quero dizer para vocês que eu não consigo pensar o Brasil crescendo sozinho. O Brasil tem que crescer e junto com o Brasil têm que crescer os nossos vizinhos.
Então, a minha ida à Santa Cruz de la Sierra, é um voto de confiança na Bolívia, para dizer para o povo da Bolívia que o Brasil está junto. Estou muito feliz que o golpe não deu certo na Bolívia, muito feliz com a manutenção do presidente de Arce (Luis Arce), e vamos aguardar que o processo eleitoral defina quem vai ser o presidente da República. O que eu quero é paz. O que eu quero é paz e muita tranquilidade.
Pergunta: O Evo Morales, o senhor encontra?
Presidente Lula: Eu não sei se o Evo Morales está em Santa Cruz de la Sierra, não sei, mas a hora que o Evo quiser conversar comigo, é só me telefonar.
Pergunta: O presidente tem um discurso muito forte em defesa do tema de gênero no Mercosul, também falou sobre a defesa dos institutos sociais, muito forte no seu discurso agora. A gente pode entender que há uma divergência em relação a esse tema com um dos Estados Partes?
Presidente Lula: Mas se existe divergência, ela existe para a gente construir a convergência. Não tem nenhum problema que tenha divergência, ou seja, nós não somos obrigados a estarmos de acordo com tudo ao mesmo tempo. O que é importante é que a gente tenha a maturidade de que aquilo que seja importante para o funcionamento do bloco prevaleça. Eu acho que a questão de gênero é uma questão, sabe, tão séria, tão séria, tão séria no mundo de hoje, porque há muitos séculos a gente não via o crescimento da violência contra a mulher, da violência contra meninas, como a gente está vendo hoje. Então a questão de gênero é uma necessidade de estar em todos os discursos, em todos os programas, de toda a movimentação política do mundo. E a questão da participação social: gente, a novidade desse processo de integração é a participação social. Não custa nada os presidentes dos países ouvirem os dirigentes sindicais, ouvirem o movimento social fazerem a sua pauta de reivindicação, nos criticar. Isso é tudo saudável para a democracia, então nós vamos continuar defendendo e vamos fortalecer.
Perguntas de vários jornalistas ao mesmo tempo.
Presidente Lula: Deixa eu falar, nem vocês nem eu entendem quando todo mundo fala ao mesmo tempo. Uma só.
Pergunta: Quais as expectativas em relação às eleições dos Estados Unidos e se o presidente Joe Biden deveria retirar a candidatura?
Presidente Lula: Deixa eu dizer, é muito difícil um cidadão de outro país dar palpite sobre a candidatura de um outro presidente de um outro país. Veja, somente o Biden tem o direito de tomar posição sobre ele. Somente o Biden se conhece perfeitamente bem. Somente ele sabe o que ele tem, o que ele não tem, se ele pode ou não pode. Portanto, ele é que vai tomar decisão. Eu digo, se eu fosse eleitor americano, eu votaria no Biden, mas eu não sou, sou brasileiro, ainda vou continuar votando em mim.
Pergunta: Como anda a relação do Brasil com o Paraguai?
Presidente Lula: Eu acho que o Paraguai é aquilo que eu chamo de irmão, irmão menor, irmão mais novo. O Brasil, desde que eu tomei posse em 2003, eu já convivi com muitos presidentes do Paraguai. Eu quero dizer para vocês que a minha relação com o Paraguai é uma relação não só de amizade, mas é uma coisa quase que de irmandade, porque eu acho que o crescimento do Brasil tem que estar ligado ao crescimento do Paraguai, ao crescimento do Uruguai, ao crescimento da Bolívia, ao crescimento da Argentina, ao crescimento dos países que são fronteiriços com o Brasil. Então o Paraguai é um país importante para nós, eu tive relações extraordinárias com o Lugo (Fernando Lugo, ex-presidente do Paraguai), eu tenho relações extraordinárias com o Santiago e vou continuar tendo relação porque o Brasil precisa fazer com que todos nós cresçamos juntos. Por isso, o Paraguai é um país irmão.
Pergunta: E Itaipu?
Presidente Lula: Itaipu não tem mais problema. Itaipu agora só tem que produzir a energia de que o povo precisa.