Entrevista do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Rádio Itatiaia
Jornalista Edilene Lopes (Rádio Itatiaia): O presidente Lula acaba de desembarcar aqui. Ele vem para agendas em Contagem, Juiz de Fora e também em Belo Horizonte. O presidente Lula nos concede mais uma entrevista exclusiva. Presidente, muito obrigada por mais esta entrevista. Nós estamos ao vivo, tanto na CNN, quanto na rádio Itatiaia. Muito obrigada. E o senhor chega pela quarta vez, eu queria que o senhor adiantasse os anúncios que o senhor vai fazer aqui.
Presidente Lula — Ô Edilene, Primeiro, é uma alegria poder dar mais uma entrevista para você. Eu acho que você é, inexoravelmente, a jornalista de Minas Gerais que mais me entrevistou. Só foram quatro vezes, porque eu só tive quatro oportunidades. Mas, se você quiser fazer dez vezes, eu faço dez vezes a entrevista. Segundo, eu quero parabenizar a Rádio Itatiaia pelo trabalho extraordinário que tem em informar o povo de Minas Gerais sobre todas as coisas e, sobretudo, agradecer a fineza da Rádio Itatiaia, que nunca me vetou de dar uma entrevista aqui. Ou seja, sempre que foi necessário, a Itatiaia me entrevistou. E também parabenizar todos os ouvintes da Itatiaia, todos os telespectadores e ouvintes da CNN, porque aqui eu vim para falar coisas muito importantes.
Veja, eu estou acompanhado do presidente do Senado, o senador Rodrigo Pacheco. Estou acompanhado do líder do PT na Câmara, o Odair Cunha, deputado federal. Estou acompanhado do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira. Estou acompanhado do ministro dos Transportes, Renan Filho. Estou acompanhado do ministro das Cidades, Jader Filho. Estou acompanhado da ministra da Saúde, a companheira Nísia. E acompanhado também da nossa ministra da Cultura, Margareth Menezes.
Por que toda essa gente? É porque Minas Gerais é um estado muito importante. E pelo que eu tenho conhecimento, eu não tenho medo de dizer para ninguém de que nunca um presidente da República fez tanto investimento em Minas Gerais como eu fiz. Possivelmente o Juscelino fez quando ele resolveu fazer a universidade em Minas Gerais, que ele foi quem mais fez universidade em Minas Gerais. O Juscelino acho que fez nove ou dez universidades.
O resto foi tudo nós que fizemos porque os outros governos não fizeram nada. Segundo, porque nós temos muita obra importante para anunciar em Minas Gerais. E nós temos um pacote, eu vou vir aqui várias outras vezes. Várias outras vezes eu vou vir aqui, mas é que eu só poderia vir nessas cidades que tem prefeito até agora, porque senão eles não podem participar de nenhuma coisa que eu vir aqui.
O Fuad [Noman, prefeito de Belo Horizonte/MG] está convidado para ir amanhã; a Marília [Campos, prefeita de Contagem/MG] está convidada; a nossa prefeita de Juiz de Fora [Margarida Salomão] está convidada para ir amanhã, porque depois do dia cinco nenhum deles pode mais participar de nenhuma solenidade. Eu posso participar. Então, como Minas Gerais é o segundo estado mais importante do país, é um estado que tem uma malha rodoviária muito grande e muitas federais — e aqui pouco se fez, você vai ficar surpresa amanhã com o anúncio do ministro dos Transportes, é que nós estamos fazendo num ano mais do que tudo o que foi feito em quatro anos aqui nesse estado em se tratando de ferrovia. E qual é a novidade? É que a gente vai fazer o leilão da 381 [leilão da BR-381, conhecida como “rodovia da morte”]. E a gente agora não vai dar vazio, porque vai comparecer, porque a proposta é boa e porque é o trecho mais difícil que até João Monlevade nós vamos fazer com o dinheiro do orçamento.
Numa demonstração de que a gente quer tratar Minas Gerais com carinho que nunca foi tratada. Por isso eu estou aqui, para anunciar a coisa em Contagem, para anunciar a coisa em Belo Horizonte, para anunciar a coisa na educação, para anunciar a coisa na saúde, coisa na cultura. E o Alexandre Silveira, que vai anunciar quase 18 bilhões de investimentos em linha de transmissão, dos quais 5 bilhões só em Minas Gerais. É pouco?
Não, é muita coisa. E isso nós fazemos, sabe por quê? Porque eu, quando eu fui eleito presidente, eu fui eleito com a disposição de fazer mais do que eu fiz nos dois governos. Como eu sei que eu fui o presidente que mais fiz, eu agora quero me superar. Eu quero fazer mais do que eu já fiz. O Lula de 2024 quer derrotar o Lula de 2010. O meu ministro da Educação vai ter que derrotar o ministro da Educação. O Haddad [ministro da Fazenda], que foi o melhor do Brasil, vai ser derrotado pelo Camilo [Santana, ministro da Educação], que vai ser o melhor agora. O ministro de Minas e Energia, que já foi a Dilma, agora o Alexandre vai ter que fazer mais do que a Dilma.
E assim, nós vamos fazer um governo muito virtuoso, com muita vontade de trabalhar. Por isso eu estou feliz aqui em Minas Gerais. É uma pena que eu não cheguei mais cedo para comer no [restaurante] Xapuri um Frango Preguento. É uma pena que eu não cheguei para comer um pezinho de frango, um pescoço de frango, um torresmo de barriga. Mas estou aqui. E você esqueceu o doce de leite que você ia trazer para a gente comer aqui também. Eu estou aqui à sua disposição, Edilene. Faça a pergunta que você quiser, do tamanho que você quiser, e sobre o assunto que você quiser, que eu estou aqui com a alma limpa para conversar com o povo de Minas Gerais.
Edilene Lopes: Muito obrigada, presidente. O senhor prestigia a prefeita de Contagem, Marília Campos, a cidade que fica na região metropolitana. O senhor prestigia também a prefeita Margarida Salomão, de Juiz de Fora, na Zona da Mata. Ambas são petistas, creio que sejam as maiores cidades governadas pelo PT no Brasil, e são pré-candidatas à reeleição. A terceira agenda do senhor é aqui em Belo Horizonte, o prefeito é Fuad Noman, do PSD, mesmo partido de Rodrigo Pacheco e Alexandre Silveira, que estão aqui na sala.
E o senhor tem um pré-candidato a prefeito que o PT tem, que é o Rogério Correia. Como é que é essa costura que o senhor está fazendo? Há uma possibilidade de apoio a Fuad. Nessas cidades em que o senhor tem prefeitos que são pré-candidatos, o senhor vai fazer composições com o PSD?
Presidente Lula — Ô Edilene, quando você tem uma cidade que você tem eleição de dois turnos, possivelmente seja oportunidade de todos os partidos que querem ter candidato, tenha um candidato. Estabeleça uma espécie de um ajuste de conduta para que eles não se agridam a ponto de proibir ou inibir uma aliança no segundo turno. O Rogério é deputado federal há muito tempo, o Rogério é muito atuante, ele quer ser candidato. Não tem como o PT negar ao Rogério o direito de ser candidato, ele vai ser candidato. Ele é um companheiro que tem muita, muita combatividade, ele pode crescer muito aqui em Minas Gerais.
O Fuad é o prefeito, o Fuad é quem está na máquina, tem sempre possibilidade de ter uma participação. Nós sabemos que tem outros adversários, tem gente de extrema-direita disputando aqui em Minas Gerais, e o que nós queremos é ter a certeza de que Minas Gerais não terá um prefeito de extrema-direita. Minas Gerais terá um prefeito civilizado, democrático, que converse com as pessoas, que visita a periferia, que atenda o movimento social, que atenda os empresários, que atenda os comerciantes, mas que atenda, sobretudo, a parte mais pobre da população, a parte mais necessitada, que é, no fundo, para quem a gente governa.
Eu digo sempre, Edilene, que uma pessoa de classe média alta pouco precisa do governo, um empresário rico pouco precisa do governo. Agora, quem é que precisa do governo mesmo? As pessoas que moram na periferia, que estão sem água, sem esgoto, às vezes sem luz, às vezes sem um sistema de saúde perfeito. Então, nós vamos cuidar disso com muito carinho aqui em Minas Gerais. E, ainda, você vai ver muita coisa que a gente vai anunciar aqui. Só para a Universidade, nós vamos colocar um bilhão. Se você souber o que vai acontecer em Minas Gerais nas Universidades, nós vamos colocar um bilhão. Nós vamos fazer algumas coisas importantes.
São oito novos institutos federais no estado. Lançaremos a pedra fundamental de dois: Minas Novas e São João Nepomuceno. Anúncio da construção de um novo campo de Ipatinga e a nova Universidade Federal de Ouro Preto; R$ 380 milhões para a construção de novos prédios, reforma, melhorias, onze universidades federais do estado, localizadas dentro de municípios e 224 milhões para a expansão e consolidação dos hospitais universitários no estado, com destaque para o hospital universitário de Juiz de Fora.
Isso é um pouco do que a gente vai poder presentear o povo de Minas, devolvendo a Minas Gerais o prazer de ser brasileiro e muito mais prazer de ser mineiro, porque as coisas vão melhorar no estado.
Edilene Lopes: O senhor acha que essa composição PT-PSD pode se dar no primeiro turno aqui em Belo Horizonte? Ela pode se repetir em 2026? Por exemplo, o Rodrigo Pacheco pode ser o candidato do senhor? Ele pode compor com Marília Campos caso ela queira ser candidata ao governo de Minas também? Estou pulando de 2024 para 2026, mas perguntando se essa aliança PT-PSD também é possível agora.
Presidente Lula — Eu tenho muito cuidado de falar de política de 2024 porque eu tenho uma base de apoio muito heterogênea no Congresso Nacional. E deve ter mais os partidos da base que têm candidatos. Então eu não posso também confrontar de forma veemente que me crie um problema ao retornar à vida normal de Brasília. Eu preciso dessa aliança para bem governar o país. A segunda coisa é que 2026 é uma outra história. 2026, veja, eu tenho conversado com as pessoas. O Pacheco, não é que ele é meu candidato. Se o Pacheco quiser ser candidato, ele será um extraordinário candidato do povo de Minas Gerais.
Eu tenho dito isso para o Pacheco. Ele só não será se ele não quiser. Eu não sei o que ele quer, se ele quer ser senador, se ele quer ser... Mas ele… eu considero o Pacheco a mais importante personalidade de Minas Gerais hoje. Ou seja, uma pessoa pública, competente, jovem. Jovem, sabe? Muito, muito, muito, muito competente. Ou seja, ele decide o que ele quiser fazer. O que eu posso dizer é que eu quero estar junto. Da mesma forma o companheiro Alexandre Silveira. O Alexandre foi um achado que eu tive na campanha eleitoral. Eu nem conhecia muito o Alexandre. Quando eu vim aqui a primeira vez, eu não quis nem fazer discurso citando o nome dele.
Só pra você saber como era preconceituoso. Aí tivemos uma conversa, tivemos uma conversa, conversamos, conversamos. E aí o Alexandre hoje é um dos meus ministros mais atuantes, é muito competente, é um companheiro parceiro. Não tem preguiça. O Alexandre é capaz de tomar café em São Paulo, almoçar em Minas Gerais, jantar no Rio de Janeiro e dormir no Rio Grande do Norte. No mesmo dia ele é capaz de fazer tudo isso. Incansável. Eu nunca vi coisa igual. Então esses companheiros têm um papel importante em Minas Gerais. Além do que o PT tem uma bela de uma bancada de deputado federal aqui, o PT tem uma bela de uma bancada de deputado estadual.
O PT tem uma tradição histórica em Minas Gerais. Nós já governamos esse estado, já governamos a prefeitura por três vezes, já fomos vice, já governamos cidades importantes. Betim, Contagem, Ipatinga, muitas vezes, Timóteo, Coronel Fabriciano. Nós já governamos todas essas cidades aqui em Minas Gerais. E nós obviamente queremos voltar a governar muitas cidades. Mas sempre com muita cautela para não brigar com nossos aliados. Nós precisamos construir aliança porque nós temos que defender a democracia no Brasil. Uma democracia que garanta ao povo o direito de ter participação na riqueza que ele produz.
Edilene Lopes: Poderia dizer, para resumir, que Pacheco e Silveira poderiam ser potenciais candidatos do senhor para 2026?
Presidente Lula — Olha, se eu afirmar isso, eu estarei criando um problema. Eu acho que eles têm todas as condições. E, sinceramente, a minha preocupação é se eu disser que sim, a manchete é o seguinte: “Lula diz tal coisa” e fica definitivo. E eu não quero definitivo, eu quero respeitar as pessoas. Não é o momento da gente tomar posição ainda. O momento é da gente ir costurando, conversando, para ver a possibilidade. E vai chegar o momento que a gente vai fazer as coisas acontecerem. Eu quero te dizer uma coisa. O que eu vim fazer aqui também é o seguinte. O companheiro Pacheco está compromissado com o Governo Federal, com Minas Gerais.
Nós queremos fazer um acordo da dívida de Minas Gerais. Nós queremos fazer um acordo. Então, estamos aqui. O Pacheco teve uma reunião ontem com o representante do ministro Haddad, o companheiro do Tesouro. A semana que vem deve ter uma reunião com Haddad. E, depois, o Haddad vai me apresentar junto com eles a proposta. A hora que a proposta estiver mais ou menos a gente vai anunciar, porque a gente quer, na verdade, tranquilizar o país, tranquilizar Minas Gerais, tranquilizar os estados devedores, que, lamentavelmente, são os quatro maiores os que mais devem.
Então, nós queremos fazer um acordo, porque a União precisa de parte desse dinheiro para aplicar nos estados que precisam mais, que têm mais necessidade de fazer muita obra, sobretudo na educação, Edilene.
Edilene Lopes: O senhor pretende concluir essa negociação em quanto tempo?
Presidente Lula — Deixa eu te falar. Se depender de mim, a gente conclui a semana que vem. Mas, como não depende de mim, pode demorar uns 10 dias, 15 dias. Mas nós queremos fazer rapidamente, para tirar isso da pauta. Quando fica uma coisa na pauta muito tempo, fica muito encruado. Então, eu não quero isso. Eu quero ver se a gente resolve logo esse assunto.
Edilene Lopes: Presidente, aproveitando que o senhor falou do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem dado uma polêmica esses dias, que o senhor falou que a solução para os problemas do Brasil pode não ser uma questão de corte, que vamos ver se é preciso cortar, e aí o mercado ficou agitado, reagiu mal, o dólar subiu. Eu queria ver com o senhor é: vai ter corte ou não vai ter corte? Se for, onde vai ser? Ou o senhor não vê possibilidade de cortes no orçamento?
Presidente Lula — Ô, Edilene, hoje eu falei no Conselhão e eu dei um furo de reportagem.
Edilene Lopes: O senhor devia ter guardado pra mim.
Presidente Lula — Qual foi o furo de reportagem que eu dei? É que quando alguns companheiros (entre aspas) falaram na imprensa que o dólar tinha subido por causa da minha entrevista, aí eu fico sabendo que o dólar subiu 15 minutos antes de começar a minha entrevista.
Edilene Lopes: Foi fake news?
Presidente Lula — Lógico! Não, que o dólar subiu, subiu. mas que não foi por causa da entrevista. É porque você tem uma parte, isso é importante dizer, você tem uma parte de pessoas que querem viver de especulação. Tem gente apostando no dólar para enfraquecer o real. Tem gente querendo ganhar dinheiro. Já aconteceu isso na crise de 2008 ou 2009. Você está lembrada da crise dos derivativos? Ou seja, eram empresários que estavam apostando no dólar, resolveram comprar o dólar, achando que ia se valorizar, e o dólar caiu e muita gente perdeu. Teve empresa que perdeu 10 bilhões, teve empresa que perdeu 4 bilhões.
Eu disse hoje na minha fala lá no Conselhão: quem estiver apostando na especulação vai perder dinheiro. Vai perder dinheiro porque a gente vai tomar conta disso. O que a gente quer é que as pessoas invistam, invistam o que quiserem, se for necessário, até com crédito do BNDES, da Caixa Econômica, do Banco do Brasil, do BNB, do Basa, mas investir no setor produtivo. É preciso aumentar a produtividade, aumentar a qualidade, aumentar as exportações, aumentar a nossa produção agrícola, a nossa produção de bens, de capital.
Ou seja, o Brasil tem tudo para isso. Então, quanto mais investimento no setor produtivo, mais emprego. Quanto mais emprego, mais salário. Quanto mais salário, mais consumo. Quanto mais consumo, mais comércio. Quanto mais comércio, todo mundo melhora de vida. É esse o país que eu quero. É todo mundo melhorando de vida. É um país de ganha-ganha. Não é um país onde poucos ganham e muitos perdem, não. É um país onde todos ganham. A gente não quer que ninguém perca. A gente quer que todos ganhem.
Edilene Lopes: E o senhor acha que precisa de corte, que tem lugar pra cortar, mas que não tem lugar pra cortar no orçamento?
Presidente Lula — Edilene, sempre tem lugar pra cortar. Eu dou sempre um exemplo na minha vida, Edilene. É o seguinte, eu sempre tive vontade de ter um curso superior. Eu não pude ter. E eu queria ser economista, porque economista é um bicho sabido. Economista, quando tá na oposição, sabe tudo, quando chega no governo parece que ele esquece, mas ele sabe tudo. E eu queria ser economista. Mas eu aprendi a fazer economia com a minha mãe. A minha mãe é analfabeta. Ela pegava o envelope de pagamento dos oito filhos, tirava o dinheiro de dentro, colocava na mesa e falava: “ó, isso aqui é pra pagar a padaria, isso aqui é pra pagar a bodega, isso aqui é pro transporte, isso aqui é pra isso, é pra aquilo”.
Se sobrasse, ela falava, “esse aqui é pra você se divertir”. Nunca sobrava. Então no governo é a mesma coisa. Eu quero governar assim. Veja: por mais que a gente queira fazer política social, por mais que a gente queira fazer benefício, você não pode jogar dinheiro fora, então só vai receber o benefício quem tem direito.
Edilene Lopes: Então o senhor acha que pode haver algum corte na área social ou não?
Presidente Lula — Então se tiver, se tiver, nós estamos fazendo um estudo profundo. Estamos fazendo um estudo em todos os ministérios, em todos os investimentos. Nós estamos fazendo uma operação pente fino pra saber se tem coisas que você pode parar de fazer. Se você está gastando erradamente, você não pode gastar dinheiro errado.
Edilene Lopes: Benefício social indevido, por exemplo, quem estiver recebendo corta, ou não?
Presidente Lula — Deixa eu te falar, não me fale pra mexer em benefício. Benefício, se o pobre tiver direito, ele não vai perder o benefício. É importante que a gente tenha... fazer ajuste em cima dos pobres não vale na minha vida. Não vale! Nós temos que fazer ajuste. Esse país tem muito subsídio, esse país tem muita desoneração, esse país, tem gente que pede 5 bilhões de desoneração, 10 bilhões. Então, como é que eu vou mexer no salário mínimo? “Ah, mas o Lula está aumentando o salário mínimo”. O mínimo é o mínimo, Edilene. O mínimo é o mínimo, é o mínimo, o mínimo, o mínimo. Ou seja, não pode ter nada menor do que o mínimo. Como é que eu vou cortar? O que é que nós estamos dando?
Nós estamos dando a reposição inflacionária, que é a obrigação até pra manter o poder aquisitivo, e estamos dando a média do crescimento do PIB nos últimos dois anos. Se o PIB cresceu 6%, você dá 6% do PIB. O crescimento do PIB é isso, é pra você distribuir. Antigamente, o crescimento do PIB era só pra alguns, agora a gente quer que seja pra todos. E é isso que é a novidade que nós estamos fazendo, por isso. Eu só posso lhe dizer o seguinte, se houver gente que não tem direito recebendo será cortado. Mas todos os pobres vão continuar com seus programas sociais, porque se o Estado não cuidar dessa gente, essa gente morre de penúria e morre de fome.
Edilene Lopes: Por causa desses ânimos intensos no mercado, existe alguma possibilidade de o senhor antecipar a indicação do presidente do Banco Central para o mês de agosto? E o Gabriel Galípolo é, de fato, um favorito do senhor? É um nome que o senhor cota em primeira linha?
Presidente Lula — É que quando você fala no mercado, eu fico pensando de que mercado a Edilene está falando. Você está falando do sistema financeiro?
Edilene Lopes: Também.
Presidente Lula — Você está falando dos empresários?
Edilene Lopes: Também.
Presidente Lula — Você está falando dos varejistas?
Edilene Lopes: Também.
Presidente Lula — Mas você está falando do povo, que é o grande mercado desse país? Porque o grande mercado é o povo brasileiro. São 203 milhões participando do mercado que, se essas pessoas tiverem o mínimo de poder de compra, tem uma revolução econômica nesse país, Edilene.
Edilene Lopes: Considerando, então, o sentimento dessa primeira parte do mercado que o senhor falou, o senhor vê a possibilidade de antecipar a indicação do presidente do Banco Central para agosto?
Presidente Lula — Eu tenho que indicar o presidente do Banco Central, obviamente que eu não tenho pressa. O cidadão que está lá tem mandato até dezembro, então eu não tenho pressa. Eu acho que ele enveredou por um caminho equivocado. Ele enveredou por um caminho equivocado. Não é esse o papel do Banco Central. Eu falo isso porque eu fui presidente oito anos, eu tive um presidente do Banco Central oito anos.
Edilene Lopes: E é equivocado principalmente por quê?
Presidente Lula — Não, veja, o que eu acho é o seguinte. Eu vou indicar uma pessoa que, primeiro, entenda muito de política monetária. Segundo, que seja uma pessoa que goste do Brasil, que tenha compromisso com o Brasil, que tenha compromisso com o povo brasileiro. E o cargo é tão responsável que não dá para o cara fazer bobagem. O cara não pode cometer erro. Só comete erro se ele quiser. Ele só tem que ser sério. Nós temos uma meta inflacionária: 3%. Eu já tive média de 4,5%. Com uma banda, dois para mais e dois para menos. Agora é um e meio para mais e um e meio para menos. Ora, o que nós queremos é chegar naquela banda. Os juros são apenas um instrumento para você baixar a inflação.
Mas a inflação brasileira já está baixa. O emprego está crescendo. A massa salarial está crescendo. Os investimentos estão crescendo. Os trabalhadores, 87% dos acordos salariais deste ano, são com aumento real acima da inflação. É esse o país que eu quero. E aí vai ter um presidente do Banco Central, que não vai brincar em serviço. Que vai ser sério. Na hora que disser que tem que aumentar a taxa de juros porque tem que aumentar, ele tem que explicar porque tem que aumentar. Na hora que tiver que baixar também tem que explicar porque vai baixar. E eu acho que a situação do país está efetivamente com disposição de redução da taxa de juros.
Agora o Banco Central tem autonomia. O cidadão tem mandato. Veja que absurdo. Eu ganhei a eleição para presidente da República e eu vou ficar dois anos com o presidente do Banco Central indicado pelo adversário, que pensa ideologicamente diferente de mim, que pensa economicamente diferente de mim. E ainda antes dele sair, ele vai fazer, ele vai apresentar uma estratégia para o ano seguinte. Ele vai tentar apresentar as coisas para 2025. Significa que eu vou ter um presidente do Banco Central quando? Quando terminar meu mandato. É esse o dado. Então isso não é correto. Não é correto. Um presidente da República...
Edilene Lopes: O que o senhor pretende fazer?
Presidente Lula — Um presidente da República que vai para a rua, briga voto, pede voto, é xingado, xinga. Ou seja, eu ganhei a eleição e ele tem que governar o país.
Edilene Lopes: E o que o senhor pretende fazer em relação a isso?
Presidente Lula — Eu pretendo indicar um cara do Banco Central que seja digno.
Edilene Lopes: Pretende antecipar a indicação ou não? Pretende antecipar essa indicação ou não?
Presidente Lula — Veja, eu posso... Eu vou indicar a hora que eu tiver, obviamente que eu vou ter que conversar com o presidente do Senado. Falar: “Pacheco, eu estou pensando em indicar a pessoa. Quero saber se a comissão vai analisar rápido”. Porque eu também não quero indicar a pessoa para ficar sendo alvo de tiroteio a vida inteira. É capaz de morrer antes de tomar posse. Então, eu quero fazer um jogo combinado. Eu pensei, a pessoa, a pessoa, vou conversar com o Senado. Dá para indicar? Dá para indicar. Indicar, votar e pronto. Porque aí, quem sabe, a gente baixa a bola do outro. Ele percebe que já tem sucessor.
Edilene Lopes: O senhor falou em manutenção da meta inflacionária e o Gabriel Galípolo, que é o Diretor de Política Monetária do Banco Central, foi no Palácio do Planalto essa semana falar justamente desse assunto, apesar de ter votado na reunião do COPOM, junto com (ou acompanhado) o voto do Campos Neto, essa conversa dele sobre meta inflacionária, ele estar circulando no Palácio do Planalto é um sinal de que ele é um cotado para essa vaga?
Presidente Lula — Não, não. Veja, eu sempre, enquanto presidente, sempre discuti meta inflacionária. Por quê? Porque eu tenho uma preocupação, quando você estabelece uma meta inflacionária, você tem que estabelecer também, se não definitivamente, mas você tem que ter na sua cabeça uma meta de crescimento para o país poder crescer. Porque se você não tiver esse compromisso, você só vai cortar. Então nós vamos indicar. O Galípolo é um menino de ouro. Se tem um menino de ouro, sabe, é o Galípolo. Competentíssimo. Competentíssimo, de uma honestidade ímpar. Então, obviamente, que ele tem todas as condições para ser presidente do Banco Central. Mas eu nunca conversei com ele, eu nunca falei com ele. E se um dia eu tiver que falar, eu prometo que você vai ficar sabendo.
Edilene Lopes: Vou aproveitar que o senhor falou que, mais uma vez, citou o Pacheco. Para quem está acompanhando a gente, pela CNN, pela Itatiaia, Rodrigo Pacheco, presidente do Congresso, está aqui na sala. Alexandre Silveira, que é o único ministro mineiro, que é o ministro de Minas e Energia, também está aqui na sala. Muito tem se falado que, depois que terminar o mandato do Pacheco como presidente do Congresso Nacional, que é em fevereiro do ano que vem, ele poderia ser ministro do senhor. Essa possibilidade, ela de fato existe? O senhor pensa numa reforma ministerial para quando? O senhor tem negociado isso pensando nas novas presidências da Câmara e do Senado?
Presidente Lula — Não, eu não tenho pensado em reforma ministerial. Primeiro porque eu estou satisfeito com o meu ministério. Eu tenho um ministério muito bom, Edilene. Mas muito bom e muito competente. As pessoas que estão comigo são de capacidade extraordinária. Então eu não penso em reformar o ministério. Não penso. Obviamente que na política é o seguinte. Vamos supor que o PSD, que é um partido aliado, presidido pelo [Gilberto] Kassab, que tem como secretário-geral o Alexandre Silveira. “Presidente, a gente gostaria de mudar os nossos ministros, eu gostaria de ver se o Pacheco vai, gostaria de ver se alguém vai”. Tudo bem, vamos conversar. Mas eu acho, de coração, que a tarefa do Pacheco não é essa.
Edilene Lopes: Qual que o senhor acha?
Presidente Lula — Eu acho que o Pacheco é o seguinte, eu vou repetir uma coisa que eu tenho dito, o Pacheco é hoje a maior autoridade pública de Minas Gerais.
Edilene Lopes: O senhor acha que ele poderia ser candidato ao governo de Minas?
Presidente Lula — Ele é presidente do Senado, ele pode ser o que ele quiser. Ou seja, o que eu acho é que não dá pra gente precipitar as coisas, sabe. O Pacheco, como todo político digno, ele é cheio de dúvida, ele tem dúvida do que ele vai fazer. Então a gente vai ter que ter paciência, discutir. Nós temos tempo, temos tempo. Quando o Pacheco deixar o Senado, ele vai continuar como senador da República e vai continuar tendo que trabalhar mais dois anos até decidir o que vai ser. Então eu tenho muito apreço pelo Pacheco, tenho um apreço pelo Alexandre Silveira, tenho um apreço pelos meus companheiros, sabe. Eu tenho certeza que a gente vai construir uma candidatura em Minas Gerais que vai ter o apoio de quase todos os partidos democráticos e progressistas aqui em Minas Gerais. Nós queremos enfrentar os fascistas, a extrema-direita, nós queremos derrotar.
Edilene Lopes: Pois é, o senhor fez um convite, a Presidência da República fez um convite para o governador Romeu Zema estar nos eventos, e o governador Romeu Zema está fazendo eventos na região norte de Minas também com prefeitos. O senhor esperava essa resposta dele? Como é que está a relação do senhor com o governador Romeu Zema, que pode ter como pré-candidato aqui em Minas, tanto o Cleitinho (senador Cleitinho Azevedo) quanto o Nikolas (Ferreira, deputado federal), podem se juntar, porque a direita tem dito que vai se juntar. Qual que é a expectativa do senhor em relação a isso?
Presidente Lula — Quando você não tem responsabilidade com o povo de um estado, você lança quem você quiser independente da pessoa. Quando você tem, você escolhe uma pessoa que você tem certeza que vai fazer o bem. Então, veja, eu não gosto de falar mal do governador porque eu o conheço pouco. Então eu não vou falar mal porque eu não conheço. Eu vou dizer que eu mantenho uma relação civilizada, ele é convidado para todos os atos que eu faço, se ele quiser ir, ele vai, será respeitado. Será muito respeitado. Eu nunca permiti que um convidado meu seja maltratado.
E quando é maltratado, eu vou lá e chamo a atenção de quem maltratou. Então, o que eu acho é o seguinte, o governador, ele governou numa situação muito privilegiada, ou seja, ele ganhou um processo que o Pimentel ganhou na Suprema Corte. O Pimentel pagou o preço de ficar governando quatro anos sem poder pagar prefeito, sem poder pagar fornecedor, sem poder dar aumento de salário por causa da dívida. Aí o Pimentel entrou com um processo na Suprema Corte e o Pimentel ganhou o processo com a liminar da nossa ministra Rosa Weber. Ou seja, o Zema ganhou as eleições e passou a governar todo esse período sem pagar dívida.
Ele não pagou nada para o Governo Federal, então ele pode pagar o funcionário, ele pode pagar o prefeito, mas porque ele deixou de pagar a dívida. Na verdade, quem pagou foi o Governo Federal, tudo isso. Então, é por isso que nós queremos fazer um acordo para que a gente dê mobilidade de governança para quem for o governador do Estado. A gente quer que uma pessoa tenha condições de governar. A gente não quer repetir um governo que não pode fazer nada porque não tem dinheiro.
Eu, Edilene, tenho na minha cabeça o seguinte, eu, se puder, eu vou sempre trabalhar para que todo governador tenha o máximo que a gente puder fazer de investimento no estado, o máximo que a gente puder fazer de investimento em uma cidade, porque é muito importante que o governador tenha suas obras, é muito importante que o prefeito tenha suas obras, não é o Governo Federal que tem que fazer tudo.
Então, eu tenho muito orgulho de poder dizer para você, jornalista importante da Itatiaia, dizer para qualquer jornalista de Roraima, do Oiapoque ao Chuí, eu duvido que já teve nesse país um governo que tratou com tanto respeito prefeitos e governadores, independentemente da posição política dele. E eu trato porque ele não é governador dele, ele é governador do povo. O prefeito não é dele, é do povo. Então, se ele foi eleito pelo povo, eu tenho que tratá-los com muito respeito e dignidade para poder as coisas serem feitas da forma mais democrática possível, da forma mais civilizada possível.
Eu quero contribuir para que a gente possa acabar com o ódio nesse país, acabar com a raiva nesse país, acabar com a fake news nesse país, e a gente voltar a ser um país verdadeiro.
Edilene Lopes: Presidente, a gente está caminhando para o finalzinho. Eu queria fazer duas perguntas para o senhor, então vou fazer uma pergunta composta. Ela tem a ver com política internacional. Primeiro, depois dessa tentativa de golpe militar na Bolívia, o senhor mantém a agenda que o senhor teria lá no dia 9 de julho com o atual presidente Luis Arce? O senhor acha que esse movimento de golpes pode fortalecer a esquerda lá? E eu queria saber a posição do senhor. Como é que o senhor acha que isso pode refletir lá e também para a América Latina? Segundo ponto é, hoje tem um debate entre o Biden e o Trump, inclusive a CNN vai transmitir, eu acredito que o senhor vá acompanhar. E eu queria saber se o senhor acha que o resultado das eleições americanas pode influenciar o clima e também o andamento eleitoral aqui no Brasil.
Presidente Lula — Olha, primeiro, eu falar do Trump e do Biden, eu não gosto de me meter muito nas eleições de outro país.
Edilene Lopes: O senhor acompanha o debate, o senhor vai acompanhar hoje?
Presidente Lula — Eu sou simpático com o Biden, acho que o Biden é a certeza de que os Estados Unidos vai continuar respeitando a democracia. O Trump já deu aquela demonstração quando ele invadiu o Capitólio, que não é uma coisa correta de se fazer. Ele fez lá um pouco do que se tentou fazer aqui no Brasil com o golpe de 8 de janeiro. Então, como democrata, eu estou torcendo para que o Biden saia vitorioso. E se o Biden ganhar, eu já conheço o Biden, já tenho uma relação com os Estados Unidos, que é uma relação sólida, eu pretendo manter. Quando ganhar, se o Trump ganhar, a gente não sabe o que ele vai fazer.
Sinceramente, a gente não tem noção do que ele vai fazer. Porque ele fala muito, ele chegou a dizer que se algum país quiser escapar do dólar como uma moeda de referência comercial, que ele vai punir o país. Ele não é presidente do mundo. Então, essas pessoas que fazem muitas bravatas, eu, sinceramente, não gosto, não acho que é bom na política.
Edilene Lopes: Você acha que uma vitória dele poderia alterar o clima político aqui no Brasil, do Trump?
Presidente Lula — Não, da minha parte, não. Da minha parte, ele vai alterar o clima nos Estados Unidos. Aqui no Brasil, não. Aqui no Brasil, nós tomamos conta do nosso quintal aqui, sem precisar que ninguém se meta aqui. A outra pergunta que você fez sobre a Bolívia, deixa eu lhe falar uma coisa. Eu conheço bem o Evo, conheço bem o Luis Arce, sou amigo dos dois, de antes deles serem presidente, de antes de eu ser presidente. E eu estarei dia 9 em Santa Cruz de La Sierra, quiero hacer uma reunión muy grande con los empresários bolivianos e quero mostrar para aquela gente que somente a democracia é capaz de permitir que a Bolívia cresça.
A Bolívia é um país que tem muitos interesses internacionais focados lá, porque é a maior reserva de lítio do mundo. E tem outros minerais críticos de muita importância, além de ter gás. Então, é preciso que a gente tenha em mente que tem interesse de dar golpe. Eu sou contra golpes, sou favorável à democracia, por isso eu vou lá para fortalecer o Luis Arce, para fortalecer a democracia, e mostrar para os empresários que é muito importante que se mantenha a Bolívia governada democraticamente, porque se não for assim, a Bolívia nem pode entrar no Mercosul.
Um país isolado, a Bolívia não tem mar. Ou seja, a Bolívia ou ela faz um acordo conosco no Brasil e pelo Rio Madeira a gente chega no Atlântico, ou ela faz um acordo com o Chile ou com o Peru e vai para um pedaço do Pacífico. Nós estamos fazendo um projeto de integração, e isso eu vou mostrar para o Luis Arce, presidente da Bolívia, que passa pela Bolívia para a gente sair em porto no Peru. Então a gente vai facilitar isso. É um projeto extraordinário que está sendo coordenado pela Simone Tebet. É um projeto que tem cinco espaços de integração.
O Brasil vai se aproximar da China pelo menos em 10 mil quilômetros. Ou seja, quando a gente chegar ao Pacífico, seja pelo Equador, seja pela Colômbia, seja pelo Peru, a gente vai encurtar a distância entre Brasil e China de 10 mil quilômetros. Você imagina que vai ter uma vantagem comparativa no comércio extraordinária. Então, eu estou brigando por isso.
Edilene Lopes: Presidente, o senhor é uma pessoa do diálogo e os adversários do senhor eles admitem isso, eles sempre dizem isso também. O ministro Gilmar Mendes disse lá em Portugal que o STF toma muitas decisões, ou seja, é muito acionado porque não há consenso na política no Brasil. O senhor concorda com essa declaração? E para terminar, eu queria que o senhor falasse sobre esses movimentos de pedido de anistia que, principalmente, a base do ex-presidente Jair Bolsonaro tem feito no Congresso e uma tentativa de reversão da situação de inelegibilidade dele.
Presidente Lula — Qual foi a sua primeira pergunta?
Edilene Lopes: A primeira pergunta foi sobre a declaração de Gilmar Mendes sobre não haver consenso político no Brasil, por isso o STF atua tanto.
Presidente Lula — Então, deixa eu te dizer, eu sempre achei que a nossa Suprema Corte tem um papel extraordinário. Eu até digo que a Suprema Corte é uma espécie de guardiã da nossa Constituição. O que eu acho é que a nossa Suprema Corte está tratando de muitos casos que muitas vezes não precisaria nem tratar.
Edilene Lopes: Mas o senhor concorda com essa última decisão que descriminaliza...
Presidente Lula — Eu acho que não é problema. Veja, nós temos uma lei aprovada em 2006, o relator foi o deputado Paulo Pimenta, que proíbe a prisão de usuário desde 2006. Portanto, o que nós queremos, de forma mais simples possível, é tentar separar o que é usuário, que já está defendido por lei, e o que é o traficante. Agora, ficar discutindo quantas gramas, quantos não sei das quantas, isso não é um problema de advogado, de juiz. É um problema da saúde pública, é um problema de psicanalista, de psiquiatra, pessoas que estudam, que sabem cientificamente o que pode e o que não pode.
Então, quando a gente fica entrando em muitos temas, em temas polêmicos, eu acho que a gente pode correr risco. Quando a gente planta vento, a gente pode colher tempestade. Então, eu acho que a Suprema Corte poderia ter deixado esse assunto para ser discutido no Senado, na Câmara, porque também o Poder Legislativo fica muito machucado. Nós temos que culpar quem é que entra com recurso, porque também os deputados, os senadores, quando eles pedem alguma coisa, eles já correm da Suprema Corte. Ou seja, o que é um erro, o que é decidido na política, está garantido. Vai para a Suprema Corte somente coisa que estiver ligada à Constituição, se não, não precisa ir.
Edilene Lopes: Agora para terminar em relação às propostas aos projetos de anistia e as tentativas de reversão da inelegibilidade do ex-presidente.
Presidente Lula — Eu sou favorável à anistia, eu briguei muito para ter anistia no Brasil. Mas nesse caso aí a gente nem puniu todo mundo, a gente nem descobriu todo mundo, nós estamos procurando gente ainda, financiador, nós temos mais de 165 pessoas na Argentina, dos quais acho que 30 ou 39 estão condenados. Então nós estamos discutindo para essas pessoas voltarem para o Brasil, para a gente dar a eles a lição que eles merecem. Quem sabe o tempinho que eles ficarem presos, eles aprendam que a democracia é bom. É bom para eles, é bom para nós, é bom para o país.
Então, não dá para precipitar essa discussão de anistia. O que nós temos é que terminar de uma vez por todas de apurar todas as denúncias do 8 de janeiro, quando ela estiver todas apuradas, tiver todo mundo processado, ou todo mundo livre de processo, ninguém foi indiciado, aí tudo bem. Você pode até perdoar pessoas que já estão presas há muito tempo, a anistia é para isso. Eu passei parte da minha vida brigando pela anistia e não vou ser contra. Mas nesse caso eles nem foram condenados ainda, a gente nem ainda sabe todos aqueles que praticaram o golpe. É preciso que a sociedade saiba quem é que tentou dar o golpe nesse país.
Edilene Lopes: Se Bolsonaro conseguir reverter a situação de inelegibilidade, o senhor acha que fatalmente ele será condenado por outros processos e em 2026 estará fora da praça política?
Presidente Lula — Eu não me preocupo se ele vai ser candidato ou não, eu não veto candidato.
Edilene Lopes: O senhor vai ser, né?
Presidente Lula — Eu não veto candidato adversário, eu não veto. Se ele conquistar o direito de ser candidato, que ele seja candidato. Olha, se eu derrotei ele quando eu era oposição e ele situação, imagina agora eu sou situação e ele é oposição. Eu vou mostrar pra ele que quem está na Presidência só perde uma eleição se for incompetente.
Edilene Lopes: Então significa que o senhor vai com tudo em 2026, é isso?
Presidente Lula — Não, não. Também é cedo, Edilene. Veja: eu sou um jovem de 78 anos de idade. Eu me considero em pleno estado de saúde. Eu tenho muita força física, eu tenho muita capacidade de trabalho. Mas eu não vou levar o povo brasileiro a cometer um erro. Eu vou chegar no momento certo. Primeiro, nós temos muita gente para ser candidato, não precisa ser eu. A única hipótese que eu disse que eu posso ser candidato é o seguinte: é que se todos os indicadores mostrarem que eu sou a única pessoa para derrotar o fascismo e a extrema-direita, eu não terei problema de ser candidato. Mas eu espero que a gente até lá arrume outra pessoa mais competente, mais jovem, com mais disposição. Trabalhar mais do que eu duvido que aconteça. Pode ter vontade, mas trabalhar mais do que eu, porque eu gosto do trabalho, e o trabalho me deixa vivo e saudável. Eu não canso se levantar 5 horas da manhã e voltar a trabalhar até 5 do outro dia. Eu não canso. Se eu parar, eu canso.
Por isso é que eu sou um pouco agitado, porque eu gosto de trabalhar, gosto de trabalhar, cobro dos meus ministros todo dia, telefono todo dia pedindo as coisas, porque as coisas têm que acontecer, afinal você decide uma coisa, anuncia para o povo o que vai acontecer e depois demora pra acontecer. Então, eu já governei esse país, eu tive uma relação com Minas muito boa, eu tive uma relação com o Aécio a mais civilizada possível. O Aécio tinha sempre aquela mania de tucano e se achar mais importante que os outros.
Mas a minha relação era muito civilizada com o Aécio. Eu fiz muita coisa pra Minas Gerais, muita coisa. O programa Luz para Todos aqui em Minas Gerais, ele chamava Luz de Minas. Não era nem Luz para Todos. Então, eu tenho consciência do que a gente pode fazer. E os mineiros podem ficar tranquilos, independentemente de quem seja o governador do mineiro, independentemente de quem seja o prefeito. A minha relação é com o povo de Minas Gerais. Eu vou fazer o que for necessário para melhorar a vida desse povo mais sabido, politicamente, do Brasil. Porque todo mundo pensa que é esperto na política, mas mineiro é mais esperto que todo mundo.
Edilene Lopes: Presidente, agora nós estamos terminando mesmo, porque o senhor tem um evento em Contagem, na Região Metropolitana daqui a pouco. Ricardo Stuckert [secretário de Audiovisual da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República] está aqui, Chrispiniano [secretário de Imprensa da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República] também, avisando que o horário está chegando. Então, enfim, está terminando a nossa entrevista. Antes dela terminar, o senhor tem espaço aberto para dizer o que quiser. Eu queria que o senhor falasse sobre o que o senhor considera o carro-chefe do Brasil em relação à política internacional. Tem aqui o ministro de Minas e Energia. O Brasil tem batido na tecla da transição energética. Nesse ano preside o G20. O que o senhor acha que puxa o Brasil no cenário internacional?
Presidente Lula — Deixa eu te dizer uma coisa que é certeza absoluta. O Brasil, em se tratando de transição energética e climática, o Brasil é imbatível. O Brasil é como se fosse o olho do furacão para aqueles que querem fazer investimento na produção de produtos limpos, de produtos verdes, sem carbono. Então, quem quiser fazer siderúrgica e utilizar energia limpa, vem aqui. Quem quiser produzir qualquer outra coisa com energia limpa, vai vir para o Brasil. Então, nós estamos acreditando que o Brasil vai ter um volume de investimento muito grande por causa dessa questão energética, por causa da questão climática e também porque nós vamos aperfeiçoar nossa relação internacional.
Se você tivesse ideia, Edilene. Eu só tenho um ano e sete meses de governo. Você sabe quantos mercados novos nós abrimos para os produtos agrícolas brasileiros? 145 mercados. Um ano e sete meses. 145 mercados novos para os nossos produtos agrícolas. Só para a carne, foram 38, só da China. Só da China, de uma tacada só. Eu fui inaugurar um frigorífico que era para ter funcionado desde 2018 e estava paralisado. O chinês não ia comprar, não sei das quantas. E aí, como eu sou amigo do Xi Jinping, Xi para cá, Xi para lá, o Xi Jinping autorizou a abertura de 38.
Então, a China é um parceiro estratégico extraordinário. A nossa relação é de muita confiança, de muita parceria. E eu vou continuar trabalhando, porque agora o Brasil tem o G20 em novembro, mas o Brasil tem a COP 29, em Kazan, na Rússia. Depois nós temos a COP 29. Os BRICS é na Rússia. E nós temos a COP 29 em Baku, no Azerbaijão E depois eu tenho que participar da reunião da APEC [Fórum de Cooperação Econômica Ásia-Pacífico], tudo em novembro. Tudo em novembro, a reunião da APEC no Peru, entre os países do Pacífico. E depois eu tenho que fazer a nossa COP 30 em Belém.
Então, a agenda internacional está tomada. Eu agora mesmo fui encontrar com o [Emmanuel] Macron, fui encontrar com o Olaf Scholz, encontrei com a mulher que negociava a União Europeia, a Ursula von der Leyen, que acaba de ser reeleita para o cargo de chefe da União Europeia. E ela falou comigo, eu falei com ela o seguinte: “O Brasil quer fazer um acordo do Mercosul com a União Europeia”. E eu quero ver se eu faço, assim que for consolidada a eleição na Europa.
Então, o país está num momento extraordinário. O país está num momento muito bom. Obviamente que a gente ainda não conseguiu tudo que a gente quer, tem muita coisa para fazer. Isso é como fazer uma criança aprender a andar. É de passo em passo, sabe? Dá um passo, cai, levanta, dá outro passo, dá dois passos, vai. A política econômica é assim, a política social — nós já avançamos muito. Se o povo mineiro e o povo brasileiro soubessem como é que nós pegamos esse país, nós pegamos esse país como se fosse uma Faixa de Gaza.
Totalmente destruído, e nós estamos recuperando esse país. Até ministério, não tinha Ministério da Pesca, não tinha Ministério indígena, não tinha Ministério da Cultura, tinha desmontado tudo. Nós recuperamos o Ministério porque cultura, pra mim, cultura é a coisa mais importante de um país. Um povo sem cultura não é povo, é rebanho. Então o povo tem que ter cultura, acesso à cultura, o povo tem que saber. O povo tem que ter cinema, o povo tem que ter teatro, o povo tem que participar de show, o povo tem que ter exposição de tudo, porque é isso que faz o povo ficar mais maduro, mais político, mais consciente.
Então nós estamos fazendo esse país voltar a ser feliz. Esse é o lema. Esse país está voltando a ser feliz e nós vamos garantir isso.
Edilene Lopes: Presidente, agora nós terminamos nossa entrevista de fato. Depois dessa agenda aqui em Minas, que o senhor passa primeiro por Contagem, amanhã tem agenda em Belo Horizonte, depois em Juiz de Fora na Zona da Mata. Quais são os próximos destinos do senhor ao longo da próxima semana que o senhor me falou aqui?
Presidente Lula — Só pra você ter ideia, eu saio daqui na sexta-feira à noite, eu saio de Juiz de Fora, eu vou pra São Paulo, vou ter uma reunião à noite com um grupo de companheiros. Quando for no sábado de manhã, eu vou anunciar 12 novos institutos federais em São Paulo, vou anunciar uma universidade na Zona Leste de São Paulo, vou anunciar dinheiro, financiamento para metrô, tudo isso em São Paulo, no sábado. São duas regiões, eu vou na Zona Leste e vou na Zona Sul. Depois, no domingo de manhã, eu vou pro Rio de Janeiro inaugurar um conjunto habitacional com o prefeito Eduardo Paes.
Na segunda-feira de manhã, eu viajo para a Feira de Santana, na Bahia, com o ministro dos Transportes para anunciar muitos investimentos em rodovias. Rodovia que eu comecei a fazer em 2010, que não foi terminada. Nós vamos lá, nós vamos terminar a rodovia. E mais ainda, depois eu vou pra Salvador anunciar outras obras em Salvador. Depois, dia 2, eu participo do desfile da Independência do dia 2 de julho na Bahia, até o Bonfim. Depois da tarde, eu embarco para Recife pra distribuir, para pagar, eu vou pagar as pessoas que perderam a casa há 30 anos atrás. Pessoas que morreram num conjunto habitacional chamado Caixão. Prédio-Caixão, que foi feito no lugar errado, caiu, já morreu muita gente.
Então nós estamos agora, depois de 30 anos, indenizando as pessoas. Eu quero ter o prazer de ir lá entregar o primeiro cheque. Aí eu volto pra Brasília, aí fico dois dias em Brasília, assino um monte de documentos. E depois eu saio pra viajar outra vez porque quem quiser me pegar agora é viajando pelo Brasil.
Edilene Lopes: Presidente, muito obrigada por essa entrevista, por mais essa entrevista.
Presidente Lula — Obrigado a você, Edilene. Obrigado mais uma vez aos ouvintes da Itatiaia. Obrigado aos companheiros que trabalham com você e às companheiras. Espero que você, Edilene, tenha sempre disposição de me entrevistar, porque eu terei sempre o prazer de dar entrevista pra você. Muito obrigado.
Edilene Lopes: Satisfação é toda minha, presidente. Nós terminamos agora uma entrevista com o presidente Lula, mais uma exclusiva. Ele está aqui em Belo Horizonte, desembarcou no aeroporto da Pampulha. Segue pra agendas em Contagem na Região Metropolitana e amanhã em Belo Horizonte e Juiz de Fora. Essa entrevista está sendo transmitida ao vivo, tanto na Itatiaia quanto na CNN Brasil.