Entrevista do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, em ocasião da reunião com presidentes dos países da América do Sul
Declaração à imprensa após reunião com chefes de Estado da América do Sul
Uma... uma coisinha, só para complementar a fala do ministro Mauro.
É que esse grupo, que foi criado, de chanceler, este grupo tem 120 dias para apresentar, numa próxima reunião, as propostas que eles conseguirem concluir. Dito isso, eu me coloco à inteira disposição de vocês.
Antes, dizendo uma coisa: é a primeira reunião com os presidentes da América do Sul que eu participo nesses 13 anos. Alguns presidentes, eu nem conhecia bem.
E esta reunião foi convocada para que a gente discuta se nós queremos funcionar, enquanto bloco, para negociarmos com outro bloco ou se nós vamos tentar ficar negociando sozinho, depois da experiência que nós adquirimos.
Vocês lembram que, no discurso que eu fiz, eu disse para ele que a gente não queria manter a Unasul como ela foi criada, porque muita gente nem participou da criação da Unasul — que começou com uma coisa chamado Casa, em Cuzco, em 2004 — que depois fez o Tratado em 2006, aqui no Brasil (2008), e muitos presidentes não participaram. Então, nós achávamos que era necessário, eu, como que tinha mais experiência dentre todos eles, porque (não só porque) tenho um pouco mais de idade, mas porque já estou no 3º mandato e participei da criação; era natural que eu convocasse todos os presidentes da América do Sul para vir aqui pra gente conversar um pouco.
Estou muito feliz com a reunião. Vocês sabem o que eu penso de política. Eu acho que política a gente tem que conversar — e conversar cada vez mais — e discutir cada vez mais; porque, somente assim, a gente vai fazendo com que as coisas possam fluir, até que a gente coloque "de acordo" em torno das causas principais que interessa ao nosso querido povo do Brasil e da América do Sul.
Agora, sim, está aberta a palavra para quem quiser fazer pergunta.
Olha, é o seguinte: eu não vou controlar. Vai ter alguém aqui, vai ter alguém, eu acho que tem que ficar aqui na frente, alguém para controlar e dar a palavra, porque eu não posso nem permitir excesso de pergunta, nem que, também, haja pouca pergunta. Vamos no limite, no limite da democracia.
Marcos Uchôa (TV Brasil) — Presidente, assim como o tema do Zelensky (no G7) roubou um pouco do espaço do evento, o Maduro aqui, também, de certa maneira, ocupou parte da conversa. Ainda assim, o senhor ficou satisfeito com o que foi conversado e com o ambiente, digamos assim, na medida que muitos desses líderes o senhor não conhecia?
Presidente Lula — Olha, primeiro, eu acho que aqui não tem comparação com o que aconteceu no G7. O Zelensky foi convocado, possivelmente, pelos presidentes que participam do G7, não pelos convidados (como eu, a Índia, Indonésia e a Austrália). Ou seja, ele participou, ele falou os cinco minutos dele, e todo mundo falou, e depois ele pediu uma audiência, foi dado o horário das 15h15 e ele talvez não tenha tempo de ter participado. Foi isso que aconteceu.
Aqui, foi totalmente diferente. O Maduro é um presidente que faz parte do continente nosso, desse pedaço do continente americano. E o Maduro foi convidado e houve muito respeito com a participação do Maduro, inclusive com os companheiros que fizeram crítica, fazendo a crítica no limite da democracia, porque nessas reuniões ninguém é obrigado a concordar com ninguém. Não é a primeira vez. Nós já tivemos dezenas de reuniões e muita confusão, e é assim que a gente vai aprendendo a fazer. Mas, eu fiz questão de convidar o Maduro. Nós restabelecemos relações diplomáticas com a Venezuela. Nós abrimos embaixada lá, embaixada dele está aberta aqui. Ontem, nós tivemos uma bilateral, porque nós temos que discutir outra vez.
Tem muitas empresas que estão fazendo coisa na Venezuela e querem voltar a fazer. Tem uma dívida da Venezuela com o Brasil e ele quer estabelecer, sabe, um calendário de pagamento dessa dívida, porque ele não pôde fazer porque fecharam as fronteiras e não tinha conversa com ele, fecharam as embaixadas. Então, agora ele vai fazer aquilo que é normal; vai estabelecer a relação; vai estabelecer um calendário de pagamento e o Brasil vai voltar a estabelecer a sua política de relação com a Venezuela, que era muito importante.
Era só importante vocês lembrarem que quando nós tivemos um rompimento com a Venezuela — nós, não, o Brasil teve — o Brasil tinha um fluxo de comércio de praticamente US$ 6 bilhões. Hoje é 1 bilhão e pouco. É muito pouco diante daquilo que a gente pode fazer de crescimento na América do Sul. Tem muita gente que acha que crescimento se dá com o acordo com a União Europeia, com os países da Europa. É tudo muito bonito, mas não passa de 8... 9 bilhões. Com a Argentina, a gente chegou a quase 40 bilhões, numa demonstração de que na América do Sul tem um espaço extraordinário de crescimento para todos os países que se dispuserem a estabelecer regras de comercialização mais democrática.
Pablo Juliano (Agência Tela, Argentina) — Primeiro, eu queria perguntar sobre como continua o apoio brasileiro para a Argentina perante o FMI e as garantias que o Brasil precisa para o comércio bilateral? E, segundo, uma palavrinha, pego carona da anterior pergunta, sobre a objeção que fizeram os presidentes do Uruguai e do Chile à sua posição, à sua interpretação sobre uma palavra como narrativa sobre a situação na Venezuela? Muito obrigado.
Presidente Lula — Primeiro, com relação à Argentina. Vocês sabem que eu tenho muita vontade, muita disposição de tentar fazer todo esforço possível para tentar ajudar a Argentina a sair da situação em que ela se encontra. Não só por causa do pagamento de uma dívida (que não foi o presidente Alberto Fernández que fez), mas por causa de uma seca que causou à Argentina um prejuízo de mais de 20% do PIB. Eu estou empenhado em tentar ajudar a Argentina. Nesta viagem do G7, eu conversei com muitos presidentes para que, junto ao FMI, tentem ajudar a uma negociação que não coloca uma faca no pescoço da Argentina.
Tive uma longa e boa conversa com a diretora-geral do FMI para que ela leve em conta a seca na Argentina e a pandemia, e que não exija, não exija que a Argentina faça, sabe, um sacrifício insuportável para resolver os problemas com o FMI. Mas, ao mesmo tempo, vocês sabem, que desde a viagem que eu fiz para a China eu tinha conversado com o Xi Jinping para saber se o Banco dos BRICS poderia emprestar (ou, pelo menos, dar garantia), para que o Brasil tivesse possibilidade de emprestar o dinheiro. Não é emprestar o dinheiro para a Argentina. É emprestar dinheiro para pagar os exportadores brasileiros. São bilhões de dólares que os nossos empresários, sabe, exportam para Argentina. Eles têm que receber em dólar, a Argentina tem problema de dólar. Então, a gente teria que fazer um swap para garantir que a Argentina pudesse pagar aos empresários brasileiros. Isso não foi possível por conta de garantia.
Nós ficamos de conversar, ainda, com o banco dos BRICS para ver se os governadores mudavam um artigo que proíbe o Banco dos BRICS financiar banco de países que não sejam afiliados aos BRICS. Essa reunião aconteceu essa semana. Parece que tem dificuldade. Mas, eu quero dizer para vocês que nós, hoje, fizemos com a Argentina um acordo, tanto da questão da energia, de levar energia elétrica ou termelétrica para a Argentina, como fazer com que o BNDES trabalhe a questão do financiamento do gasoduto para as empresas brasileiras. Bem, com relação à Argentina é isso.
Com relação à fala dos outros presidentes com relação à minha narrativa, ou seja, todo mundo sabe o que eu falo e todo mundo sabe o que eu penso. Em política, toda vez que você quer destruir um adversário, a primeira coisa que você faz é construir uma narrativa negativa dele. No caso da Venezuela, eu vivo isso desde 2002. Eu não era presidente da República ainda, eu já fui envolvido com a Venezuela, porque houve uma greve na PDVSA. O Chávez pediu gasolina emprestada para o Fernando Henrique Cardoso. O Fernando Henrique Cardoso, de forma muito educada e democrática, disse que teria que falar comigo para ver se eu emprestava a gasolina para a Venezuela. Por conta disso, o Brasil mandou um tanque de combustível para a Venezuela e aí resolveu o problema do suprimento de combustível na Venezuela.
Depois, logo em 2003, eu tinha menos de 25 dias de governo, quando, em Quito, na posse do presidente Gutiérrez, surgiu um negócio da discussão da democracia na Venezuela. Eu propus a criação do Grupo de Amigos da Venezuela. Além do Brasil, participavam os Estados Unidos (que era considerado inimigo), participava a Espanha (que era considerado inimigo), e participavam mais dois países da América do Sul. Dos Estados Unidos participou, eu lembro que o Colin Powell, que era secretário de Estado, e contra a má vontade de todos, nós conseguimos estabelecer um acordo em que houve o referendo na Argentina e depois desse referendo o Chávez foi vencedor. Acho que nesse a oposição não participou, ou não quis participar.
Depois disso, eu me envolvi com as brigas da Venezuela, pelo menos eu e o Celso Amorim, porque o Chávez e o Uribe brigavam muito, tinham muita divergência, e vira e mexe a gente estava envolvido em tentar resolver algum problema, seja com a Colômbia, seja com os Estados Unidos. Agora, o que que eu disse, na verdade, é que desde que o Chávez tomou posse foi construída uma narrativa contra o Chávez, e eu tive a oportunidade de ver isso, uma narrativa em que você determina que o cara é um demônio. A partir do momento em que você cria a narrativa que ele é demônio, a partir daí você começa a jogar todo mundo contra ele. Foi assim que aconteceu com o Chávez, foi assim que aconteceu comigo. A narrativa construída nos meus processos, as mentiras construídas, a quantidade de horas de televisão que eu tive contra mim, de rádio, de jornal, 60 capas de revista... Uma narrativa vendendo uma mentira, que depois ninguém conseguiu provar, mentira colocada contra.
Então, o que eu disse para o Maduro é que existe uma narrativa no mundo de que na Venezuela não tem democracia. E que ele cometeu erros. Eu disse para ele que é da obrigação dele construir a narrativa dele, com os fatos verdadeiros. Eu vou dizer uma coisa que eu nem deveria dizer, porque é uma conversa entre dois presidentes, mas eu disse pro Maduro: olha, você precisa, para provar o que você está falando, fazer um documento, com a assinatura de todos os partidos de oposição, todos os seus opositores, todo o movimento social, todo o movimento sindical, o parlamento, e mais dos 23 governadores, ele tem 19, faça um abaixo-assinado com toda essa gente assinando e peça respeito à soberania da Venezuela. Peça respeito, porque o mundo chegou a eleger um presidente que era, na verdade, uma pessoa que não existia.
A Venezuela sofre um bloqueio de mais de 900 itens, ou seja, é uma coisa desumana, é uma coisa, sabe, que jamais deveria existir. Ou seja, eu acho que a Venezuela merece respeito. E somente com a gente exigindo respeito e trabalhando a gente pode consolidar o processo democrático na Venezuela. No ano que vem deve ter eleições na Venezuela. E eu acho bom vocês se prepararem para acompanhar. Porque aqui você tem um troglodita que não acredita no resultado eleitoral, que não acreditava no Tribunal Superior Eleitoral, que não acreditava no resultado eleitoral e que tentou dar um golpe no dia 8 de janeiro. Está cheio de gente que não acredita no resultado eleitoral. O único cara que acreditava era eu, porque perdi para o Fernando Henrique Cardoso e fui para casa, quietinho, chorar minhas mágoas. Depois, eu perdi do Collor e fui chorar minhas mágoas. Depois, eu perdi outra vez do Fernando Henrique Cardoso. Agora, quando nós ganhamos tem gente que não quer assumir o resultado.
Então, é o seguinte: quem constrói a primeira narrativa, ganha. Vocês são jornalistas e vocês sabem do que eu estou falando. Quem constrói a primeira narrativa tende a ganhar o jogo. Se você não quer perder o jogo, construa a sua narrativa provando que a primeira narrativa é mentirosa. É isso que eu falei para o Maduro, é isso que eu estou falando para vocês. O fato de ter dois companheiros presidentes que não concordaram, eu não sei em que jornal que ele leu, não sei como é que isso foi colocado, isso aqui não foi convocado, essa reunião, um grupo de amigos do Lula. Foi convocado os presidentes dos países da América do Sul para a gente discutir a possibilidade de construir um órgão multilateral, capaz de dar densidade orgânica para as nossas relações com outros blocos econômicos. E eu tenho certeza que nós vamos construir, porque o protocolo permitiu que os chanceleres tenham 120 dias para produzir um documento. Nós vamos voltar a se reunir, talvez em outro país, para que a gente possa afirmar, definitivamente, o quê que a gente quer da América do Sul. O quê que cada país quer para si. Se a gente quer repetir o mesmo erro do século passado ou a gente quer fazer uma inovação. Vocês sabem que eu defendo a ideia de que a gente não pode continuar negociando em dólar. Nós temos que construir uma moeda, sabe, entre os nossos países. Por que que eu e a Argentina não podemos negociar nas nossas moedas? Por que que o Brasil e Índia não podem negociar? Brasil e China? Isso também é uma discussão que eu quero fazer, porque, sinceramente, se a gente não fizer isso o comércio fica cada vez mais difícil.
Ter que comprar dólar para receber aquilo que eu devo para vender os meus produtos, não é correto. Então, todo mundo sabe que eu brigo por isso há muito tempo, além do que eu brigo muito pela participação da América do Sul e da América Latina no Conselho de Segurança como membro permanente. Todo mundo sabe que o Brasil briga há muito tempo e nós vamos continuar brigando, porque o Conselho de Segurança, hoje, sabe, representado pelos cinco países, já não é mais a verdade da geopolítica do mundo. Aquele grupo, Estados Unidos, China, Rússia, França e Inglaterra, que ganharam a Segunda Guerra Mundial, e então ficaram os donos do Conselho de Segurança, a geopolítica mudou. O Brasil quer entrar, o México quer entrar, a Argentina quer entrar, a Nigéria quer entrar, a África do Sul quer entrar, o Egito quer entrar, a Alemanha quer entrar, a Índia quer entrar, o Japão quer entrar... Ora, tem muito mais gente para dar densidade política, para dar densidade moral, eu diria até do ponto de vista político, ao funcionamento da ONU.
Porque, hoje, a gente decide as coisas e ninguém cumpre. O primeiro a desrespeitar são os membros do Conselho de Segurança Nacional, que não obedecem ao Conselho de Segurança. A guerra dos Estados Unidos com o Iraque não passou pelo Conselho de Segurança. A guerra da Inglaterra e da França com a Líbia não passou pelo Conselho de Segurança. A invasão da Rússia na integridade territorial da Ucrânia também não passou pelo Conselho de Segurança. Olha, se os cinco membros do Conselho de Segurança não respeitam o Conselho de Segurança, o que que está fazendo esse Conselho de Segurança? Por isso é que nós achamos que a América do Sul tem que ter uma participação maior, mais efetiva, e não é o Brasil estar lá sozinho. O Brasil para ir lá, nós temos que mudar a representatividade. Se o Brasil for convidado, o Brasil tem que ser representante da América do Sul. Significa que antes da gente discutir uma coisa lá, a gente tem que aprovar aqui na América do Sul para que a gente possa ganhar força e credibilidade, ou seja, é uma mudança muito forte que nós estamos querendo fazer na geopolítica mundial.
Lisandra Paraguassu (Agência Reuters) — Bom, duas questões, Senhor presidente: a primeira, parece que houve algumas resistências nessa primeira conversa a uma institucionalização de mais um fórum de conversa ou de uma retomada da UNASUL. Eu queria saber como é que o senhor vê isso, se é possível se criar um novo fórum mesmo com essas resistências?. E também se há um consenso sobre essa questão da moeda? E a segunda pergunta, sobre Venezuela novamente, com essas resistências de alguns membros da América do Sul à Venezuela, essas críticas à democracia na Venezuela, que aparentemente o senhor não concorda, se tem como fazer essa negociação com os 12 países, mesmo com essas dificuldades?
Presidente Lula – Olha, primeiro eu vou começar pela última pergunta. Eu sempre defendi a ideia de que cada país é soberano para decidir o seu regime político, para decidir que tipo de eleição vai ter e para discutir as coisas internas. É importante que a gente tenha clareza. A mesma exigência que o mundo democrático faz para a Venezuela, não faz para a Arábia Saudita. É muito estranho. Então, veja, o que eu defendo é que cada país seja soberano nas suas decisões. E eu quero que o Brasil seja respeitado nas decisões em que o povo participar. Eu quero isso para o Brasil, quero para a Venezuela e quero para os Estados Unidos. E quero para o mundo inteiro.
Segundo, olha a questão de criar uma nova instituição, vocês sabem que eu sou invejoso com relação à União Europeia. Toda vez que eu fico pensando em política, eu fico boquiaberto como é que um continente que sofreu duas Guerra Mundial, na última morreram 60 milhões de pessoas, vários países foram destruídos, esses mesmos países foram capazes de construir uma coisa chamada União Europeia, que tem um Banco Central, que tem um parlamento, que tem instituições de negociação. Isso é muito rico para a democracia. Eu sempre disse que a União Europeia é um patrimônio democrático da humanidade. E, quando eles apoiaram o Guaidó, na Venezuela, eu disse para eles que não era possível que o patrimônio democrático da humanidade estivesse apoiando o impostor para ser o presidente de um país.
A segunda coisa é a questão do consenso. O consenso é uma coisa sempre muito complicada. Eu acho que tem coisa que nós temos que tirar por consenso porque nós não podemos passar por cima da decisão de um país. Mas, eu acho que no que diz respeito à questão administrativa, em algum momento você tem que ter maioria e minoria. Por exemplo, nós passamos não sei quantos meses sem indicar o secretário-geral da Unasul porque um país não concordava, o outro não concordava, ou seja, quando é assim você não pode atrapalhar o movimento da instituição. Você faz uma votação e quem tiver mais, ganha. Quem tiver menos, perde. Você não está tendo nenhuma influência diretamente na política do estado nacional. Mas, você está tendo uma interferência no funcionamento da política da instituição. Por isso que eu acho que tem que ter consenso para algumas coisas e não-consenso para outras coisas.
O que é importante vocês saberem é que nós nunca exigimos em nenhuma reunião que as pessoas pensassem do mesmo jeito. Esse negócio do pensamento único nunca existiu na minha cabeça e não vai existir. Todo mundo sabe que o Brasil é muito crítico à invasão do espaço territorial da Ucrânia pela Rússia. Todo mundo sabe. E por isso que o Brasil está no chamado bloco que quer paz, por isso é que o Brasil tem discutido com a China, com a Índia, com a Indonésia, para ver se a gente cria um grupo e no momento que os países que estão em guerra quiserem conversar sobre paz, a gente vai conversar sobre paz. Por enquanto, o que eu sei é que nenhum dos dois querem conversar sobre paz. Eu já pedi para o Celso Amorim, como meu enviado especial, ir à Rússia. Ele foi à Rússia. Depois, eu pedi para ele ir, como enviado especial, à Ucrânia. Ele foi à Ucrânia. O relato é o seguinte: por enquanto os dois, cada um está achando que vai ganhar, ninguém quer abrir mão, e eu espero que um dia a gente tenha uma fresta que a gente possa falar “agora é hora da paz”. É hora de que a gente pare de matar, pare de atirar e comece a conversar.
André (Telesul) — Eu queria saber o que foi que vocês trataram nessa reunião sobre a questão da Amazônia, tendo em vista que tem uma cúpula convocada para o mês de agosto, aqui no Brasil? Também queria saber do senhor quais são os pontos que o senhor elenca como prioritários dessa reunião para serem desenvolvidos em curto prazo? E, por fim, perguntar o que foi que representou essa reunião e, no momento da foto, uma coisa que nos chamou atenção foi que, para além da foto, o senhor puxou também um aperto de mão entre os países. O que que representa esse momento? O que representa esse retorno desse diálogo entre as nações aqui da América do Sul?
Presidente Lula – Olha, vou começar pela última pergunta. Eu acho que essa reunião de hoje, ela foi extremamente importante e gratificante porque é a primeira vez que muita gente se conheceu. Por exemplo, o presidente do Paraguai se despediu hoje, porque termina o mandato dele e outro companheiro ganhou as eleições. Eu só tive com ele uma reunião, em Itaipu. Hoje foi que eu pude ter um contato mais perto com ele. Eu não conhecia vários presidentes, nem o Boric pessoalmente, nem o presidente do Uruguai, eu vi uma vez porque eu fui a Montevidéu. Ou seja, a gente não tinha relação. Na outra turma que eu participei da outra vez, a gente tinha uma certa irmandade entre Kirchner, Lula, Chávez, Rafael Correa, Evo Morales. Isso não existe mais. Está mais plural. E nós precisamos aprender a conviver com essa pluralidade, porque isso significa exercitar a democracia até as últimas consequências.
E não é a primeira vez. O companheiro Piñera ganhou as eleições no Chile da Michelle Bachelet e ele participou da Unasul. O companheiro Uribe, que todo mundo tem como um direitoso, participou da Unasul durante todo o tempo que eu fui presidente da República. Então, a reunião de hoje é o exemplo de que ou nós resolvemos nos juntar para brigar em defesa dos nossos interesses ou nós ficamos sendo marionete na mão das grandes economias. Essa foi uma coisa, pra mim, importante.
O que que eu acho da reunião dos países amazônicos? Eu não sei, Mauro Vieira, se nós fizemos uma reunião no meu outro mandato. Nós nunca fizemos. Eu fui presidente oito anos e nós nunca fizemos uma reunião dos países amazônicos. Agora que a Amazônia ganhou um peso importante em toda a discussão do planeta Terra, não tem um país que tem uma reunião, para discutir qualquer coisa, que a questão do clima não entre e que não entra a questão da Amazônia. E aí eu preciso me tocar. A Amazônia não é só brasileira. A Amazônia é boliviana, é venezuelana, é colombiana, é peruana, é equatoriana, é da Guiana. Até a França tem um pedaço na Guiana, que é a Guiana Francesa. Então, o que que nós fizemos? Vamos fazer uma reunião em agosto, primeiro para a gente conhecer o que pensa cada presidente da sua Amazônia. A gente tem que saber o que cada um pensa.
Segundo, a gente tem que saber qual é processo de ocupação desse território hoje. Como é que são tratados os índios na Amazônia de outros países? Como é que é tratado os madeireiros, os garimpeiros? Como é que é tratada a preservação ambiental? As queimadas? As águas da Amazônia? Tudo isso vai ser uma reunião em que a gente vai poder dizer como é que está o nosso chão, como é que está o nosso país, como é que está o país dos outros, para a gente tomar uma decisão. A partir daí nós ainda temos um compromisso sério, que é conversar com o Congo, que é outro país que tem uma grande reserva florestal; conversar com a Indonésia, que tem uma outra grande reserva florestal, e somados todos nós juntos, nós vamos ter, quem sabe, uma grande parte da floresta ainda existente no planeta Terra e quem sabe a gente possa fazer disso uma forma de enriquecimento de cada país para poder melhorar a vida do povo. Eu acho que é isso que está em jogo.
Todo mundo fala em agricultura de baixo carbono, em sequestro de carbono, e pagamento disso, e pagamento daquilo, já ofereceram 100 bilhões para os partidos que preservaram a floresta, em 2009, quando eu era presidente, em Copenhague. Nós já estamos em 2023 e esses 100 bilhões não aparecem. Nós já tivemos a COP, sei lá quantas COPs, mas a COP 15, o Acordo de Paris, e o Protocolo de Kioto, nada disso foi cumprido. Nada disso foi cumprido. Então, é preciso que a gente dê importância, sabe, para isso. É por isso que eu faço uma ligação: se não tem outra razão para a gente ter uma nova governança global, com o fortalecimento das Nações Unidas com outros países, a questão do clima só vai ter solução se a gente tiver decisões globais. Que eu não dependa do meu congresso, que outro país não dependa do seu congresso. Porque muitas vezes você aprova uma coisa numa COP e quando chega no seu país o congresso não aprova. Os empresários não aceitam, e, aí, as coisas não são executadas.
Então, essa reunião de agosto, que vai ser em Belém, vai ser uma reunião marcante para a gente dar seriedade na defesa da Amazônia. Quando eu pedi que a COP 30 fosse sediada em Belém é porque o pessoal só fala da Amazônia, da floresta da Amazônia, da Amazônia, da floresta da Amazônia, ora, então por que fazer COP em Paris? Fazer COP em Copenhague? Fazer COP no Oriente Médio? Vamos fazer logo uma COP na Amazônia. Para vocês verem o que é. Vamos conhecer os igarapés, vamos ser mordidos de pernilongo, vamos ver tudo o que tem lá para falar: “realmente o Brasil precisa ser dado como um país importante”. E, aí, a nossa riqueza da biodiversidade pode valer dinheiro para a fábrica de remédio, para a fábrica de cosmético, e quem sabe a gente possa melhorar a vida de 28 milhões de seres humanos que moram lá, que querem comer, que querem beber, que querem ter acesso ao lazer, à cultura, que querem ter acesso aos bens materiais que eu tenho, que você tem. É para isso que vai ser muito importante a questão da Amazônia. Ela nunca esteve tão na moda como ela vai entrar depois dessa reunião dos países amazônicos.
Gente, eu estou achando que tem que ter uma hora que tem que parar. É que tudo na vida tem hora de começar e hora de parar.
Fábio Urakawa (Valor Econômico) — Vou tentar colocar, está melhor? Presidente, eu queria insistir um pouco nessa questão da Venezuela, né? Quando se diz que se cria uma narrativa contra a Venezuela, geralmente se imagina que são líderes do campo da direita que costumam criar essa narrativa. E, de fato, hoje o presidente do Uruguai, por exemplo, disse que o senhor tapa o sol com a peneira quando diz que existe esse tipo de narrativa contra a Venezuela. Mas a gente viu hoje, também, um líder da esquerda, que é o presidente do Chile, dizendo que a declaração do senhor é descolada da realidade. E a gente teve também o Alto Comissariado da ONU, liderado pela Michelle Bachelet, apontando diversas violações na Venezuela. Então, diante disso, eu queria perguntar se o senhor realmente acredita que não tem nada de errado lá nesse quesito de violações de direitos humanos, de democracia, e se senhor acha que o Brasil pode exercer o seu papel de liderança também para ajudar a Venezuela nessa questão da democracia? Obrigado.
Presidente Lula – Veja, quem vai ajudar a Venezuela é a própria Venezuela. Eu não posso dizer para você que não tem nada na Venezuela, porque a última vez que eu vi o Maduro, a última vez que fui à Venezuela foi no enterro do Chávez. E, a última vez que eu vi o Maduro foi um pouco antes da posse da Dilma e logo depois da morte do Chávez. Eu não posso dizer. O que eu sei é que no relatório a Michelle Bachelet pede para criar um escritório de direitos humanos e foi criado um escritório de direitos humanos. É importante que as pessoas, ao fazer juízo de valor de um país, não faça pelo o que lê apenas.
É importante as pessoas irem lá para ver. Eu fazia tempo que não ia à Venezuela, mandei o Celso Amorim ir lá, conversar com empresários, conversar com jornalistas, conversar com a oposição, como ele conversou, para voltar e me dar uma imagem de como é que está a Venezuela. O que o Celso me disse é que nunca viu, desde o tempo em que a gente frequenta a Venezuela, uma tranquilidade, porque ele conversou com a oposição, com os partidos de oposição, com empresários, com jornalistas, o que está tendo na Venezuela. Vai ter eleições agora. Não é possível, não é possível que de 29 eleições, o cara tenha ganho 27 ou 25. Não é possível que de 23 governadores, ele tenha eleito 19. E ele perdeu exatamente na cidade do Chávez. Não é possível que não tenha um mínimo de democracia na Venezuela. Não é possível. Eu brincava com o Chávez que qualquer coisa o Chávez queria fazer um referendo. Qualquer coisa queria fazer um referendo. Eu falei: ‘Pô, para de eleição. Trabalha um pouco. Não dá para ficar só com eleição’.
Então, eu acho que naquilo que eu puder contribuir para o fortalecimento da democracia em qualquer país do mundo, eu vou fazer. Porque eu nasci assim. Eu sou o resultado da democracia nesse país. Mesmo quando a imprensa tentou me destruir, ela contribuiu para que eu tivesse aonde eu estou. Então, o fato de o cidadão ter o direito de falar mal, de discordar, é tudo o que me interessa. Eu fui presidente oito anos e nunca precisei almoçar com nenhum jornal, nenhuma televisão, nenhuma rádio, nunca precisei chamar um editor para conversar, fui candidato, nunca procurei, e estou na presidência e nunca vou procurar. Eu quero respeitá-los como eles são e quero que eles me respeitem como eu sou.
É isso, meu caro. O resto, da gente ficar ouvindo dizer, ouvindo dizer, ouvindo dizer... Não, vai lá pra ver. Vai lá pra ver. Eu conheci um cidadão não democrata aqui no Brasil. Eu conheci aqui um fascista. Que durante quatro anos nunca conversou com sindicato, nunca conversou com empresário, nunca conversou com quilombola, nunca conversou com indígena, nunca conversou com partido político, com ninguém. Aí eu conheci no Brasil. E ele foi posto pra fora pelo povo brasileiro que estava cansado.
Se vocês me perdoam, agora quem está cansado sou eu. Eu quero pedir desculpas a vocês e vou embora. Haverá outras oportunidades.
Pergunta feita fora do microfone. Presidente, o senhor vai à Venezuela?
Presidente Lula – Não, eu tenho um calendário. Esse ano eu tenho muitas viagens. Se você quiser saber, eu tenho medo de lhe falar e você começar a ficar cansado. Eu tenho agora, em junho, que ir em um encontro econômico, na França. Eu tenho que ir, em agosto, na reunião dos BRICS, na África do Sul. Eu ainda tenho em São Tomé e Príncipe uma reunião sobre a CPLP, os países de língua portuguesa. Eu tenho que ir à Índia, sabe, em setembro, para o encontro dos BRICS, do G20, os BRICS é na África do Sul. E se depois de tudo isso eu estiver vivo, aí, quem sabe, você marca uma reunião na Venezuela, e eu vou lá conversar com o Maduro.
Eu preciso visitar toda a América do Sul. Faz parte da minha cultura política visitar todos os países que o Brasil tem relação. Eu, no outro mandato, visitei muito a África, visitei todos os países da América do Sul e do Caribe. Todos, sem distinção. Agora não vai dar, porque é um mandato só, já estou com cinco meses de mandato, já perdi cinco meses, mas já viajei mais do que o outro durante quatro anos. Então é isso, gente. Desculpa por alguma falha minha e até a próxima, se Deus quiser. Um beijo.
Você estava querendo fazer uma pergunta há tempo. Faça a pergunta, querida.
Jornalista Estrangeira — Eu sou da China, China Media Group, a emissora nacional da China: A gente tem muito interesse em saber como você expressou na reunião que o Brasil quer criar uma moeda comum na região e como eu sei que você já expressou antes, que o Brasil também quer criar uma moeda com os países dos BRICS. Por que você tem essa ideia? Isso significa que o Brasil quer depender menos da economia dos Estados Unidos, vamos dizer que o Brasil quer o fim da hegemonia da moeda dos Estados Unidos? Obrigada, presidente.
Presidente Lula – Olha, quando nós tínhamos o ouro como paridade, os Estados Unidos não pediram para ninguém e fez com que o dólar passasse a ser a paridade. A União Europeia criou o euro. Por que que os BRICS não podem criar uma moeda? Por que que países como a China, com um 1,4 bilhão de habitantes, a Índia, com uma 1,4 bilhão de habitantes, o Brasil, com 220 milhões de habitantes, por que que a gente não pode criar uma moeda? Por que que a gente é obrigado a comprar dólar para fazer o nosso comércio? O que eu acho estranho é que a nossa imprensa acha esquisito isso. Sabe aquela ideia do cara que não quer independência? Tinha muita gente que não queria independência.
Quando Dom Pedro gritou ‘Independência ou morte’, no Ipiranga, a independência só foi acontecer em julho de 2023 [julho de 1823] com os baianos, expulsando os portugueses. Então, ter moeda, a moeda faz parte da soberania de um país. Se a gente tiver a nossa moeda junto com outros países para a gente discutir a nossa relação comercial, é um bem. Não vai fazer mal para os Estados Unidos, porque continua com o dólar, mas vai fazer bem para nós, porque nós vamos ter uma casa de moeda que vai produzir outra moeda e a gente não fica refém de uma moeda que só os Estados Unidos têm a máquina. Sabe?
Então, é só isso. É simples assim. A gente está buscando um pouco de soberania comercial, soberania econômica, a gente está querendo ver se a gente vira dono do nosso nariz.
É muito pouco para quem viveu 500 anos de colonialismo. É muito pouco.
Obrigado, gente.