Entrevista do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, ao Jornal O Globo (RJ)
Presidente da República falou ao GLOBO sobre o contexto dos atos golpistas que culminaram com a depredação das sedes dos Três Poderes e citou os ataques que aconteceram em Brasília no dia de sua diplomação, em 12 de dezembro de 2022.
Presidente Lula — Olha, eu nunca tinha vivido um episódio como esse. Eu estava dentro da metalúrgica Independência, na Vila Carioca, quando eu recebi a notícia do golpe militar de 64. Naquele tempo, as pessoas mais velhas que trabalhavam comigo falavam assim: "Ah, agora os militares vão dar jeito no Brasil. Agora acabou com o comunismo no Brasil". Era isso que eu via em abril de 1964, em 31 de março. Eu lembro como se fosse hoje: a gente tinha parado para almoçar, eu comia de marmita, quando a notícia apareceu na fábrica.
Mas eu não tinha visto o que eu vi aqui. Aqui foi uma coisa inusitada, ou seja, você, depois de uma eleição, eu imaginava que eles tentassem fazer alguma coisa na posse. Eu acho que eles ficaram com medo, porque tinha muita gente. Tinha havido aquela atuação canalha que envolveu, inclusive, gente de Brasília. Que começou com o movimento que tocaram fogo em ônibus. No dia que eu fui diplomado, eu estava no hotel assistindo eles queimando ônibus, queimando carro. E a polícia acompanhando, sem fazer nada. Havia, na verdade, um pacto entre o ex-presidente da República, entre o governador de Brasília e a polícia, tanto a polícia do Exército quanto a polícia do DF. Isso havia, porque, incluindo com policiais federais participando. Ou seja, aquilo não poderia acontecer se o Estado não quisesse que acontecesse.
Tinha gente que achava que eu deveria sair do hotel. Eu falei: "Não vou sair do hotel. Por que eu vou sair do hotel?". Aí veio a posse, foi muito tranquila a posse, uma festa maravilhosa. O povo me deu a posse e tudo. Tivemos a primeira semana, como todo governo tem, governando com muita tranquilidade.
E eu estava um pouco incomodado com as manifestações na porta de quartel. Eu, antes de viajar para São Paulo, conversei com o ministro Mucio e ele disse que estava tranquilo, que as pessoas iam se afastar, que ele tinha conversado com o ministro e que as pessoas iam sair. Então eu viajei tranquilo. Eu, sinceramente, não me passava pela cabeça que eu ia ser pego de surpresa, no domingo, com ela manifestação.
Eu, sinceramente, não tive as informações corretas de que tinha possibilidade de acontecer aquilo. O que eu tinha de informação é que os acampamentos estavam acabando, mas, depois, eu fiquei sabendo que, durante o sábado, começou a chegar gente de ônibus nos acampamentos. Mas eu não imaginei que pudesse chegar a uma invasão aquilo. Não imaginei, sabe? Bom, aconteceu.
Eu espero que o que aconteceu sirva como exemplo para as pessoas que estão nos ouvindo, para as pessoas que viveram isso, de que nós precisamos levar muito a sério o significado da palavra democracia. Democracia é o direito da gente divergir, é o direito da gente discordar, é o direito da gente falar o que a gente quer, desde de que a gente respeite os direitos dos outros e desde que a gente respeite as instituições que nós criamos para garantir a própria democracia.